Um Novo César para Angola?

O poder das ideias é bem evidente no combate verbal e, em alguns casos, literário que se tem estabelecido a propósito da bicefalia do Governo angolano. Parece que o futuro de Angola depende dessa bicefalia. Não depende. O futuro de Angola depende da real democratização fomentada por João Lourenço e das reformas económicas que o novo governo consiga levar a cabo. A bicefalia governativa é uma falsa questão. Vejamos porquê. Do ponto de vista jurídico-constitucional, é claro que – desde o fim do socialismo e do conceito marxista do partido-Estado – o presidente do MPLA não detém qualquer poder legal soberano. Pelo menos na letra da lei, o MPLA não equivale ao Partido Comunista da China ou da velha União Soviética. O MPLA está integrado num sistema formalmente multipartidário. O seu poder depende da representação que tem nos órgãos de soberania, designadamente na Presidência da República e na Assembleia Nacional. […]

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Da Bicefalia e do Combate à Corrupção

Longa vai a conversa sobre a bicefalia em Angola. Os defensores de João Lourenço são contra a bicefalia, os partidários de José Eduardo dos Santos são a favor da bicefalia. Mas, afinal, o que é a bicefalia? A bicefalia, neste caso, consiste na existência de dois centros simultâneos de poder político. Em termos práticos, na existência de dois órgãos ou duas pessoas com poderes para decidir os assuntos fundamentais na comunidade política. A bicefalia em Angola é antiga. Na Roma republicana, o governo era bicéfalo. Todos os anos, o povo elegia dois cônsules para dirigirem os destinos de República em conjunto durante um determinado tempo. A experiência republicana terminou com Júlio César, ditador que deu origem ao Império Romano. Mais tarde, na fase de máxima expansão, mas também de máxima tensão do Império, o imperador Diocleciano criou um tetrarquia que dividia o poder imperial em quarto partes, mas com duas […]

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O Comunicado de Isabel dos Santos

Depois do ciclone lançado por Carlos Saturnino, actual presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Isabel dos Santos reagiu com um anticiclone. Durante o fim-de-semana, Isabel desdobrou-se em contra-ataques: emitiu um comunicado, deu entrevistas, informou a imprensa da sua posição. Tudo isto tem, desde logo, um aspecto positivo: discutem-se em público as causas da decadência da Sonangol, permitindo que a população fique informada. Talvez esteja a ser criado um espaço público de disputa nos termos defendidos por Habermas, assegurando que no futuro nunca mais seja possível saquear impunemente uma empresa da dimensão da Sonangol.   A guerra de Isabel dos Santos contra Manuel Vicente e aliados A posição de Isabel dos Santos tem dois aspectos fundamentais de ordem político-jurídica. Em primeiro lugar, assume verdadeiramente um confronto fratricida dentro da liderança do regime contra Manuel Vicente e seus seguidores, entre os quais se incluem Carlos Saturnino e o actual presidente da […]

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Análise do BESA: as Engenharias Financeiras do Grupo Espírito Santo

Os procedimentos descritos no artigo de Rafael Marques “A burla de meio bilião de dólares do Espírito Santo em Angola” não devem causar surpresa a quem acompanhou a crise da banca portuguesa, e sobretudo a implosão do Banco Espírito Santo, a partir de 2014.   Na realidade, estes esquemas foram frequentes nos bancos portugueses e constituíram uma das causas da grave crise bancária que assolou este país e que levou à insolvência e venda de quase todos os bancos (uns de forma mais encapotada do que outros).  O esquema básico era simples: os controladores de um banco, donos ou administradores, emprestavam dinheiro aos empresários amigos (geralmente através de testas-de-ferro, mas nem sempre) com base em garantias sobreavaliadas por “avaliadores independentes”. O banco nunca recebia esse dinheiro de volta, ficando assim prejudicado. Quem enriquecia eram os amigos, que recebiam os empréstimos e não os pagavam, e os próprios donos e administradores […]

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O Vinho Velho de João Lourenço

“Não se põe vinho novo em odres velhos; rebentam os odres, derrama-se o vinho, e estragam-se os odres. Vinho novo é posto em odres novos, e ambos se conservam.” (Mateus 9:14-17) Assim terá falado Jesus Cristo aos seus discípulos, numa das suas muitas parábolas simples com ensinamentos profundos. Vinho novo em odres novos. Renovação é renovação. Em tempo de Quaresma, esta parábola não podia adaptar-se melhor aos actos de João Lourenço, que alguns quiseram ver como o Messias salvador Angola. O presidente da República começou o seu mandato criando auspícios favoráveis a uma sociedade sedenta de mudança. Teve coragem de afastar o príncipe e a princesa do regime – José Filomeno dos Santos “Zenú” e Isabel dos Santos – e dois “intocáveis” – os generais Kopelipa e Zé Maria. Julgou-se que iam começar a reforma do Estado e o caminho rumo à liberdade e ao progresso. Com essas exonerações, João […]

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Manuel Vicente: O Que Está em Causa em Portugal e em Angola

O já mundialmente famoso caso Manuel Vicente representa um duplo teste. Um teste para a existência do Estado de direito em Portugal e em Angola e um teste para o verdadeiro empenho e capacidade de João Lourenço para combater a corrupção. Quanto a Portugal, não vale a pena perder muitas linhas. Têm-se visto antigos altos dirigentes políticos do país, como Paulo Portas, Miguel Relvas ou Martins da Cruz, a sobreporem ao Estado de direito – sob o qual, acima de tudo, todos devem ser tratados de igual modo perante a lei – considerações de interesse nacional e razões de Estado. Portanto, para estes personagens, os interesses dos políticos e dos negócios estão acima da lei. A verdade é que, para já, o poder judicial tem resistido à pressão política. Porém, sabendo-se que a tradição lusitana é de deferência da justiça perante o poder político, e conhecendo a política de interesses […]

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Cem Dias Sem Economia

O presidente da República João Lourenço comemorou os cem dias do seu governo com uma entrevista colectiva, onde expôs as suas ideias sobre vários assuntos. O momento foi simbólico, e acredita-se que terá marcado, apesar das suas limitações óbvias, um novo momento no processo de abertura e descompressão na sociedade angolana, que Lourenço anuncia querer desenvolver. Contudo, na óptica da economia, os cem dias de João Lourenço não adiantaram muito, e talvez tenham complicado um pouco a situação no médio prazo. De positivo, o presidente da República criou um novo ambiente institucional, que lhe valerá alguma tolerância renovada por parte das organizações internacionais, designadamente o FMI (Fundo Monetário Internacional). Talvez seja agora mais fácil negociar as condições de um novo empréstimo desta instituição, caso seja necessário. De alguma maneira, em termos internacionais, foi criado um espaço de manobra para Angola. Acresce que o preço do petróleo já anda na ordem […]

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A Necessidade do Pacto de Regime entre a Oposição e João Lourenço

João Lourenço está numa encruzilhada. Uma vez que a sua legitimidade interna junto da elite partidária que dirige o MPLA, com José Eduardo dos Santos à cabeça, é inexistente, o actual presidente de Angola necessitará de afirmar a sua legitimidade externamente, isto é, junto dos militantes e eleitores do MPLA. JLo sabe perfeitamente disso: precisa do apoio popular, para que possa então pressionar as elites a deixarem-no governar. Essa dicotomia com que se defronta João Lourenço – a necessidade de afirmação do seu poder e a obrigação de se autolegitimar interna e externamente – deve levar a que a oposição deixe de se apresentar estrategicamente inactiva e o pressione para que haja um Pacto de Regime. O facto de JLo ter convidado o principal líder da oposição é por si só sintomático dessa necessidade. Daí que, embora dando-lhe o beneficio da dúvida relativamente às medidas que tem vindo a tomar, […]

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Elogio a João Lourenço

Criticámos o governo escolhido por João Lourenço, por ser disfuncional e essencialmente composto por pessoas do passado e com passado ligado à corrupção. Duvidámos das palavras proferidas no “Discurso sobre o Estado da Nação”, por ainda não corresponderem a actos verificáveis. Mas hoje temos a satisfação – tal como criticámos e continuaremos a criticar e a duvidar – de elogiar uma acção de João Lourenço. Referimo-nos à rápida exoneração de Carlos Aires da Fonseca Panzo, menos de duas semanas após a sua nomeação. João Lourenço tomou conhecimento de que a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurara um inquérito-crime contra o secretário dos Assuntos Económicos da Presidência, com base em factos denunciados pelas autoridades suíças e que poderão constituir crimes face à lei angolana e suíça, designadamente branqueamento de capitais. O comunicado público da PGR tinha data de 20 de Outubro de 2017, sexta-feira, e nesse mesmo dia João Lourenço demitiu Panzo, […]

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Limpeza de Arquivo, Corrupção e as Eleições

Um marciano que aterrasse em Luanda e lesse os artigos que vêm sendo publicados pelos mais distintos comentaristas da oposição acreditaria que as eleições tinham ocorrido de forma livre e justa, e que tudo estava no melhor dos mundos. A discussão é tépida: centra-se nos próximos passos após a tomada de posse do novo presidente e dos deputados na Assembleia Nacional, e nas eleições de 2022, imagine-se. Parece que as decisões do Tribunal Constitucional negando as pretensões dos partidos da oposição foram definitivas para calar a oposição, quando bastava ler as declarações de voto da juíza-conselheira Imaculada de Melo para se constatar e aferir a atipicidade e ajuricidade dessas decisões. Escreveu, e bem, a juíza-conselheira: “Há subjacente ao direito eleitoral uma dimensão de probidade na qual a fé e a confiança devem assumir especial realce, dado ser fundamental, para a crença nas instituições democráticas, que as práticas [e] os actos […]

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