A Dependência Extrema do Petróleo em Angola
Após uma grave crise cambial no mês de Junho, marcada pela desvalorização de 60% do kwanza, observa-se uma estranha acalmia no mercado cambial. Nos últimos três meses, a cotação frente à moeda americana mantém-se praticamente estável, no patamar de 825 kwanzas por dólar.
Um dos gatilhos da crise cambial foi a abrupta queda na produção de petróleo em Março e, consequentemente, das divisas disponíveis e das receitas petrolíferas. Entretanto, essa questão conjuntural faz parte de um cenário muito mais amplo, relacionado com a contínua retracção da produção de petróleo em Angola. Analisando esta situação em perspectiva, podemos dividir o cenário em dois momentos: o boom e o bust (prosperidade e falência).
O período de boom do petróleo caracteriza-se pelo grande avanço na prospecção de poços, especialmente a partir dos anos 2000, com descobertas em águas profundas que mais do que duplicaram as reservas provadas de Angola, que se elevaram de 4 mil milhões de barris para cerca de 9 mil milhões em 2008. Somou-se a esse facto uma cotação favorável do barril de petróleo, que se manteve no patamar de USD $100 até meados de 2014.
Com efeito, o processo de reversão desses dois factores define o período de bust. Primeiramente, houve uma brusca queda do preço, com a cotação do barril caindo para aproximadamente USD $45 em 2016 e permanecendo em patamares historicamente baixos até 2020. Paralelamente, houve um declínio contínuo da capacidade produtiva em Angola, marcado pela redução das reservas provadas, maturação dos poços de petróleo em operação e queda na produção diária para cerca de 1,2 milhões de barris por dia em 2020 (antes da pandemia de COVID-19). Isso representa quase 40% a menos do que o registado no auge da produção, um cenário bem distinto da época em que Angola ingressou na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) em 2007.
Considerando este cenário, é crucial compreender quais os factores que explicam a contínua deterioração da capacidade produtiva do sector petrolífero em Angola.
Muitos dos campos petrolíferos offshore de Angola, em particular no Bloco 17, entraram em produção na década de 2000. Como consequência natural da exploração, a produção tende a declinar à medida que os campos envelhecem. Além disso, regista-se uma diminuição da capacidade de prospecção e investimento em novos poços. Após uma forte expansão nos anos 2000, o total de reservas provadas vem decrescendo consistentemente desde 2016, conforme dados do Energy Institute Statistical. Importa destacar que esse fenómeno já estava em curso antes da pandemia de COVID-19, que por sua vez impactou os investimentos e as concessões de exploração de petróleo globalmente.
Em 2022, num cenário onde a maioria das actividades económicas já havia sido reestabelecida, ocorreu a licitação de oito blocos de exploração offshore. Coordenada pela ANPG (Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis), essa licitação teve propostas para apenas dois dos blocos, conforme o EIA Report. A este insucesso relativo seguiu-se o anúncio, no passado dia 6 de Outubro, de um novo concurso público para a concessão de mais 12 blocos nas bacias terrestres do Congo e do Kwanza. Embora essa nova licitação seja um passo na direcção correcta, impõe-se perguntar: desta vez, o processo será mais bem-sucedido do que o anterior?
Para responder a esta pergunta, vale a pena analisar o marco regulatório que rege os processos licitatórios em Angola, actualmente sob responsabilidade da ANPG, especialmente a Lei Geral do Petróleo 10/2004. Destacam-se três elementos fundamentais da lei: (i) a obrigatoriedade de associação com a Sonangol – artigo 13; (ii) a participação majoritária da Sonangol, excepto quando há autorizações especiais – artigo 15; e (iii) a tributação diferenciada para empresas estrangeiras, com 50% de IRP (imposto sobre o rendimento do petróleo) versus 30% de IRP para empresas nacionais.
A exigência de uma participação maioritária e obrigatória da Sonangol, combinada com uma tributação mais alta para empresas estrangeiras, torna mais difícil atrair investimentos externos para Angola. Se a Sonangol optar por exercer sua participação maioritária em todos os blocos, a empresa estatal terá de liderar a expansão da produção petrolífera no país. Para lidar com essa restrição, na prática, a Sonangol detém participações iguais ou inferiores a 50% nos poços em operação no país. Ela possui opções de aumento de participação (carry) que podem ser exercidas contra as empresas petrolíferas estrangeiras, conforme informações da ANPG. Esse mecanismo pode reduzir a pressão financeira sobre a Sonangol. No entanto, o facto de a Sonangol ter a opção de manter a sua participação baixa em poços menos produtivos e de aumentar a sua participação naqueles com melhores resultados amplia o risco percebido pelas empresas estrangeiras.
Como resultado, esse viés regulatório favorável à Sonangol compromete a capacidade do país de atrair investimentos estrangeiros. Isso é ainda mais preocupante considerando o aumento da concorrência regional. Outros países da África Subsaariana, como o Gana, começaram a desenvolver as suas indústrias de petróleo e gás, oferecendo alternativas para os investidores.
Outro aspecto a ser considerado é o papel desempenhado pela ANPG. Instituída pelo Decreto Presidencial nº 49/19, de 6 de Fevereiro de 2019, a agência tem como objectivo principal regular, fiscalizar e promover a execução das actividades petrolíferas em Angola. Isso significou uma separação entre responsabilidades regulatórias e operacionais, anteriormente desempenhadas pela Sonangol, que continuou a desempenhar seu papel na produção e comercialização de petróleo. Isso é fundamental para atrair novos investimentos na produção e exploração de petróleo, pois potencialmente oferece mais transparência e governança no processo de promoção de novos campos e a efectiva captura dos benefícios pela sociedade.
Em países onde o sector petrolífero sempre foi dominado por uma empresa estatal monopolista, a criação de uma agência reguladora muitas vezes recruta líderes e equipas da empresa estatal, onde estão concentrados o conhecimento e a expertise sobre o sector. Isso não foi diferente em Angola. Os líderes da ANPG têm fortes laços com a Sonangol e ocuparam diversos cargos de destaque na Sonangol antes de assumirem o comando da ANPG. Agora, é crucial superar a etapa inicial de constituição da agência, que se baseou em profissionais historicamente ligados à principal empresa regulada. É essencial promover uma nova geração de líderes. Há muitos profissionais em Angola com vasta experiência no sector petrolífero, muitos com formação no exterior, que podem contribuir significativamente para o desenvolvimento do sector no país.
Por fim, a predominância da Sonangol leva a questionar a solidez da governança corporativa da empresa e seu papel na economia angolana. Actualmente, a Sonangol tem pouca autonomia de gestão e segue principalmente as instruções do executivo. Há uma grande falta de transparência nas suas acções e na gestão de seus recursos.
Nos últimos anos, diversos casos de falta de transparência em contratos com fornecedores e operações societárias vieram à tona. Muitos deles foram amplamente documentados pelo Luanda Leaks, uma investigação jornalística conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), que expôs uma vasta rede de empresas offshore e esquemas financeiros complexos usados para desviar fundos da empresa estatal.
Outra questão é a limitação da capacidade da Sonangol resultante de seu uso contínuo como instrumento financeiro para alcançar outros objectivos do governo além da sustentação da produção petrolífera. A principal actividade da Sonangol é a exploração de petróleo e gás, mas a empresa também investiu noutras áreas da economia, como imóveis, aviação e telecomunicações. Esses investimentos foram frequentemente financiados por meio de endividamento. Há rumores de que a Sonangol acumulou dívidas significativas ao longo dos anos, e de que o governo angolano frequentemente usou a empresa como garantia para empréstimos e créditos, principalmente da China. Em muitos casos, os recursos não foram direccionados para a exploração ou produção de petróleo, mas sim para outros projectos de infra-estruturas e desenvolvimento em Angola.
As falhas na governança corporativa restringem a capacidade da empresa para obter financiamento para projectos. A Sonangol depende de parcerias internacionais e joint ventures para explorar os seus recursos petrolíferos. O financiamento de seus investimentos é feito principalmente por meio de vendas antecipadas de petróleo e empréstimos garantidos por receitas petrolíferas. Para evitar contrair dívidas no exterior vinculadas a carregamentos de petróleo, a Sonangol precisaria de uma classificação de risco adequada de agências internacionais de rating. Contudo, isso é impraticável enquanto o Estado influencia fortemente a gestão da empresa, tornando quase proibitivo ou muito caro emitir Eurobonds. Para posicionar adequadamente a Sonangol diante dos desafios actuais, Angola deve inspirar-se em modelos internacionais de sucesso. A Petronas, criada em 1974 pelo governo malaio para administrar os recursos petrolíferos do país, é um exemplo notável. Em menos de cinco décadas, essa empresa consolidou-se como uma das principais corporações energéticas mundiais, destacando-se pela sua robusta governança corporativa e uma base de financiamento diversificada. O progresso do sector petrolífero angolano necessita de uma Sonangol robusta e actualizada.
Esta análise mostra que a tendência de queda na produção de petróleo em Angola não se explica apenas por factores externos, como flutuações no preço do petróleo ou paralisações temporárias para manutenção. O principal problema estrutural é a dificuldade de promover investimentos que possam compensar a queda na produção devido à maturação natural dos poços que começaram a produzir no início dos anos 2000. O governo reconhece esse desafio, conforme indicado no Programa de Acção para o Sector de Petróleo e Gás, cujo objectivo 1 é “impulsionar e intensificar a reposição de reservas, buscando atenuar o declínio acentuado da produção de petróleo bruto”. Este objectivo foi apresentado no documento “Principais Realizações no Mandato 2018-2022 e Perspectivas para 2023-2027” do Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás, de 2 de Outubro de 2023. O documento informa que, até 2027, a produção de petróleo deve permanecer acima de 1 milhão de barris por dia, considerando a entrada em produção de novos projectos.
Os objectivos e as metas em Angola precisam ir além de apenas garantir uma produção acima de 1 milhão de barris por dia. É vital retomar rapidamente níveis mais altos de produção de petróleo para gerar dinamismo e recursos para a necessária diversificação da economia e posicionar Angola num contexto futuro de transição energética. Para isso, é fundamental reavaliar o quadro regulatório para a exploração de petróleo em Angola, visando aumentar o papel do investimento estrangeiro e garantir que a Sonangol tenha as condições e a estrutura de governança necessárias para liderar a retoma da agenda de investimentos no sector.