Desemprego: o Erro das Políticas

Há alguns meses, Manuel Nunes Júnior, ministro de Estado da Coordenação Económica, afirmou que o governo estava a desenvolver “programas concretos, que têm bases seguras para a redução do desemprego, com o sector privado a ter um protagonismo capital”.

Não revelando que programas contra o desemprego são esses, o ministro acabou por se centrar nos ganhos do governo dos últimos cinco anos, designadamente o facto de ter sido “possível sairmos de uma situação em que tínhamos défice das nossas contas orçamentais, e passarmos a ter mais receitas superiores às despesas do ponto de vista de orçamento”, enfatizando também os sucessos na área do equilíbrio externo e da flexibilização cambial.

Não se discutem os sucessos do governo na área da estabilização das finanças públicas e da política cambial; discordamos, porém, da sua postura face ao desemprego e à inflação (a análise desta última ficará para outro texto).

Foquemo-nos, por agora, no desemprego.

A taxa de desemprego total no quarto trimestre de 2022 situava-se nos 29,6%, o que representava uma ligeira queda, sem significado, em relação a anteriores trimestres. Relativamente à população jovem (entre os 15 e os 24 anos), a taxa de desemprego é de 52,9% (de novo, com base nos dados do quarto trimestre de 2022 – INEA Folha de Informação Rápida, Inquérito ao Emprego em Angola, IV Trimestre 2022, p. 9).

Em parte, a taxa de desemprego mais elevada entre os jovens explica-se pelo critério que o INEA adopta nas suas pesquisas, o qual não leva em conta se os indivíduos estão ou não activamente à procura de emprego. Isto significa que todos os jovens entre 15 e 24 anos, mesmo aqueles que tenham declarado que não procuraram emprego nos 30 dias anteriores ao inquérito do INEA, são considerados desempregados. Não é este o critério aplicado noutros países em desenvolvimento, onde os números do desemprego juvenil são, por isso, menos desanimadores do que em Angola.

Entretanto, mesmo mantendo reservas quanto ao grau de fiabilidade das estatísticas e levando em consideração o peso elevado da economia informal (77% do emprego em Angola enquadra-se no trabalho por conta própria e trabalho familiar, conforme dados do INEA – Inquérito de Emprego 2021), o certo é que a transição dos jovens para o mercado de trabalho é extremamente difícil e a taxa de desemprego, demasiado elevada.

Aliás, é quase certo que a elevada taxa de desemprego juvenil contribuiu manifestamente para a derrota do MPLA em Luanda nas últimas eleições gerais, onde se concentra um terço da população angolana (cerca de 10 milhões de um total de 30 milhões de habitantes).

Manifestação reivindicando políticas adequadas de criação de emprego (Luanda, 2018)

O desemprego é um dos mais graves e importantes problemas políticos, económicos e sociais de Angola. É a maior fonte de descontentamento social – um verdadeiro barril de pólvora. O cenário é ainda mais preocupante devido à precariedade dos actuais empregos em Angola: também segundo dados do Inquérito de Emprego 2021 (INEA), o sector privado, as empresas públicas e os órgãos do governo respondem por apenas 23% da totalidade de empregos do país; os demais trabalhadores encontram-se maioritariamente excluídos de qualquer sistema de segurança social.

O trabalho precário de baixa remuneração e sem garantia de continuidade (subemprego) é a realidade da maior parte dos cidadãos angolanos.

As declarações do ministro Manuel Nunes Júnior deixam transparecer todas estas dificuldades com que se defronta. Quando deveria pronunciar-se sobre o desemprego, rapidamente teve de “fugir” do tema voltando-se para os aspectos financeiros e cambiais. É verdade – como defende o ministro – que a criação de condições adequadas de enquadramento financeiro e cambial é um pré-requisito importante para a criação de empregos. Porém, o modelo neoclássico que o ministro segue, se não está errado, é impraticável em Angola.

A criação de condições financeiras e cambiais adequadas resolveria a questão se Angola fosse uma economia de mercado livre, com um sector privado forte e capitalizado. Não é o caso. A economia angolana partiu de um processo de destruição e sovietização após a independência, em 1975, e a sua “liberalização”, após 1992-2002, foi falsa, ou melhor, foi pós-soviética, imitando a mãe Rússia. Alguns oligarcas ligados ao poder aproveitaram-se das privatizações e dos supostos mercados livres para rapidamente, de “braço dado” com o poder político, tomarem posições dominantes. Aliás, nunca houve verdadeiros empresários, mas sim políticos-empresários. E nunca existiu um sector privado desenvolvido, mas sim um sector de amigos do poder. A livre iniciativa, em Angola, está muito mais associada à economia informal e ao trabalho por conta própria. Ao contrário do que o ministro pretende, esta realidade não tem força para promover com a velocidade necessária o emprego – nem, principalmente, a melhoria da qualidade de vida da população.

Fazer depender a recuperação do emprego e a redução da precariedade do trabalho apenas do sector privado e da estabilidade macroeconómica é, no contexto angolano, pura falácia. Aliás, os próprios dados do INEA indicam que o total de empregos no sector assalariado é muito pequeno, quando comparado com o enorme contingente de jovens e adultos em condição de desemprego ou subemprego.

A política de combate ao desemprego (e de melhoria dos rendimentos dos trabalhadores informais) exclusivamente assente no desenvolvimento do sector privado está, contrariamente ao que sustenta Nunes Júnior, errada. E isto por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, mesmo admitindo que o desenvolvimento do sector privado, com empregos assalariados, é o motor do desenvolvimento de longo prazo – conforme se verificou na América Latina e na Ásia –, trata-se de uma mudança estrutural que impõe horizontes mais longos. A migração do trabalhador informal para o trabalho formal ocorre, tipicamente, no longo prazo, com a entrada de novas gerações – os filhos dos trabalhadores informais – no mercado de trabalho.

Em segundo lugar, a implementação de programas de formalização do trabalho tem-se mostrado ineficaz em vários países, e a tentativa de transformar empreendimentos familiares em pequenas e médias empresas formalizadas raramente dá certo. Trata-se de uma conclusão consolidada na literatura económica: a formalização dos negócios, quando não acompanhada de ganhos efectivos de produtividade, gera ónus sem ganhos de rendimento para os empreendimentos familiares.

Há um aspecto em que o ministro tem razão: em Angola, o problema de desemprego não é o do desemprego aberto clássico do modelo de Keynes – isto é, aquele desemprego que envolve ociosidade generalizada de todos os factores de produção.

O desemprego em Angola é típico das economias subdesenvolvidas ou em desenvolvimento, que se encontram num processo de transição demográfica. O que temos em Angola é o subemprego ou o desemprego estrutural.

Portanto, a solução do problema tem de passar por medidas estruturais de médio prazo – estabilidade macroeconómica, que tem beneficiado de formidáveis avanços – e de longo prazo – melhoria da escolaridade e ganhos na diversificação da economia.

É evidente que não há milagres, mas tem de haver um esforço do governo para conceber uma política de emprego e de qualificação mais activa que, por um lado, suplemente o sector privado e, por outro, propicie um ambiente de negócios mais dinâmico e, assim, promova a transição de trabalhadores para actividades com maior produtividade e menor precariedade.

Para ter sucesso nessa empreitada, é preciso actuar fortemente na melhoria do capital humano e do ambiente de negócios, sempre com um olhar para o aumento da produtividade dos trabalhadores. São necessárias acções que, de forma concatenada, tragam avanços consistentes no longo prazo, mas que não descuidem do curto prazo.

Para o incremento do capital humano, é preciso efectivamente garantir que o aumento do número de anos de escolaridade resulte em maior qualificação dos trabalhadores, com efectiva literacia e competências matemáticas. Com o enfoque nas competências cognitivas, não se deve, entretanto, descurar as competências socioemocionais (por vezes designadas softskills), que são importantes para obter e manter um emprego, bem como para se ser produtivo.

No campo do ambiente de negócios, é indispensável não apenas promover a diversificação da economia, mas também atacar as falhas de mercado e as falhas de governo que assolam a economia angolana.

No essencial, as iniciativas políticas neste domínio devem assentar em seis pilares:

  1. Investimentos em infra-estruturas, aumentando a produtividade das empresas, mas também dos empreendimentos familiares e do mercado informal;  
  2. Especial enfoque nas áreas rurais e nas cadeias de valor da agricultura, com garantia de acesso à terra, assistência técnica e financiamento, distribuição de energia eléctrica, transporte, armazenamento e comercialização de produtos agrícolas, acesso a sementes e fertilizantes, etc.;
  3. Lançamento de programas vastos de formação profissional de não-licenciados, para os dotar de qualificações práticas na agricultura e nos ofícios variados do sector urbano;
  4. Efectivo programa de desburocratização das actividades económicas, focando a melhoria do ambiente de negócios e o crescimento da participação do sector privado na criação de empregos. Sabe-se bem que a burocracia, além de um custo económico para os negócios, se torna um dos grandes sustentáculos da corrupção e limita a criatividade e inovação empresariais;
  5. Mudança efectiva da estrutura dos mercados, com a eliminação de regulamentações desnecessárias e de práticas anticoncorrenciais decorrentes de monopólios e de cartéis. O fomento e a garantia da concorrência nos mercados é essencial para o surgimento de novos empreendedores e grupos económicos;
  6. Eliminação da captura política das acções do governo, deixando de haver interferências constantes de redes de tráfico de influências e clientelismo, que fecham o acesso aos mercados. Despolitização da economia e da equipa económica, escolhendo individualidades de alta capacidade técnica, não comprometidas politicamente. Refira-se que o mencionado ministro de Estado, Manuel Nunes Júnior, está há mais de 25 anos à frente dos destinos da economia angolana, em variadas posições e com os resultados que se conhecem. Nunes Júnior induziu a crise tremenda que se abateu sobre a economia angolana a partir de 2015 e, espantosamente, ainda não reconheceu os seus erros.

Para financiar e implementar estes programas maciços de luta contra o desemprego e o subemprego, ter-se-ia, em parte, de contar com os fundos superavitários do orçamento e, noutra parte, com as famosas recuperações de activos do combate à corrupção. Mas não bastam recursos: será preciso melhorar a gestão e a capacidade de implementar políticas públicas.

Evidentemente, com a melhoria das finanças do Estado, um próximo passo será reorganizar os importantes serviços públicos nas diversas áreas de atribuição pública. A contratação de profissionais preparados e qualificados pode ser uma importante fonte de emprego para reter talentos e trabalho qualificado em Angola.

* O Grupo de Estudos Económicos é constituído por um conjunto de especialistas em economia (angolanos, brasileiros e portugueses) que se dedicam há anos ao estudo independente da economia de Angola, tendo estabelecido parceria com o Maka Angola para divulgar de forma didáctica as suas apreciações nesta matéria. É sua ambição contribuir para a tomada de decisões de política económica, nunca cedendo a tendências de pensamento único.

Comentários