O Cancelamento da Privatização da Sonangol

O presidente do Conselho de Administração (PCA) da Sonangol, Sebastião Martins, anunciou recentemente o cancelamento da privatização parcial da petrolífera estatal, na III Conferência Oil & Gas, que teve lugar em Luanda.

De forma discreta, o referido gestor procurou “camuflar” a informação num conjunto de considerações técnicas. Sebastião Martins afirmou que só “após o cumprimento de um conjunto de metas entre 2023 e 2027, entre elas aumentar a produção nacional de petróleo e gás natural, é que a Sonangol vai dispersar 30% do seu capital via IPO”.

Ora, 2027 é ano de eleições. Ninguém vai privatizar a Sonangol em ano de eleições. O tema é demasiado importante para entrar na refrega da campanha eleitoral. Portanto, realisticamente, a privatização só poderá ter lugar após as eleições, em 2028, e isso ninguém pode prometer neste momento. Assim sendo, na prática, a privatização da Sonangol acaba de ser cancelada.

Além do mais, as “metas” que Martins apontou podem verificar-se ou não. Aliás, a estipulação destas “metas” faz lembrar o expediente que o então ministro das finanças britânico Gordon Brown inventou para travar os desejos do seu primeiro-ministro Tony Blair de aderir ao Euro e abandonar a Libra esterlina como moeda. Na altura (1997), Gordon Brown também disse que a Grã-Bretanha entraria no Euro (moeda única da União Europeia) quando cumprisse cinco testes económicos. Ora, esses testes foram desenhados de forma tão sofisticada que eram impossíveis de superar, e por isso a Grã-Bretanha nunca aderiu ao Euro…

Trata-se do mesmo tipo de técnica política apresentado por Sebastião Martins. Cria “metas” para 2027, em ano impossível de realizar a privatização da galinha de ovos de ouro do país. Trata-se de “metas” que nunca serão plenamente alcançadas, ou assim se poderá fazer crer.

Mais uma vez, fica-se a “meio da ponte”, como a famosa ponte de 32 milhões de dólares da Corimba, em Luanda, que serve para nada excepto para o enriquecimento absurdo de quem a mandou construir.

Há mais de 30 anos que Angola ensaia aberturas ao mercado e às forças privadas da economia, com o objectivo de acabar com o estatismo retrógrado que se tem revelado ineficiente e improdutivo para a economia nacional.

Todavia, os processos de privatização têm redundado quase sempre em fiasco, porque os principais beneficiários acabam invariavelmente por ser os próprios dirigentes, familiares, sócios ou “laranjas”.

A privatização parcial (30%) da Sonangol não deve ser um capricho, nem uma entrega a uma oligarquia privada do principal tesouro nacional. Deve ser um acto simbólico de comprometimento com uma economia moderna de mercado, uma forma de atrair grande investimento estrangeiro e, finalmente, uma necessidade de gestão e investimento da própria Sonangol.

Por isso, este cancelamento da privatização da Sonangol é um erro e um retrocesso numa política saudável e de futuro. É também um atraso no combate à corrupção, uma vez que a Sonangol foi a principal fonte das práticas corruptas no passado. Todos os grandes casos acabam por ir dar a Manuel Vicente e ao seu papel na Sonangol. Aliás, não se compreende como é que a Sonangol, que foi sempre a plataforma de raiz da grande corrupção angolana, não est+a no centro de nenhum processo criminal, com excepção do caso de Isabel dos Santos. Como é possível que nenhum outro membro da administração ou da alta direcção da petrolífera seja alvo da justiça?

É importante referir que, apesar de existir actualmente uma bonança petrolífera que beneficia a manutenção da Sonangol em mãos estatais, os problemas estruturais e de investimento persistem. Os dados oficiais apontam para que a produção petrolífera em Angola se situe em cerca de 1,1 milhões de barris por dia desde o princípio do ano, muito abaixo do limite de cerca de 1,5 milhões de barris por dia imposto pela OPEP. Recentemente, a consultora Fitch Solutions tornou pública a sua análise segundo a qual a produção de petróleo em Angola vai cair 20% até 2031 devido à maturação dos poços petrolíferos e à falta crónica de investimento em novas descobertas.

Para a Sonangol, isto significa que é fundamental investir e gerir de forma mais moderna e racional, buscando experiências e fontes diferenciadas. Esse seria o objectivo da privatização parcial: o acesso a novas fórmulas de investimento e o alargamento das experiências de gestão. Ao hipotecar-se esta possibilidade e insistir-se no erro de manter uma petrolífera 100% estatal, dependente dos ânimos políticos, das clientelas e de tudo mais, está-se a dar um passo atrás.

Na verdade, retomam-se os velhos modelos ineficazes dos tempos de José Eduardo dos Santos (JES), que se julgavam ultrapassados. Sem novos investimentos e uma gestão especializada, não há Sonangol que resista no futuro.

Refira-se que nunca defendemos uma privatização total da Sonangol. Sempre advogámos a privatização de apenas 30%, dividida e em três tranches, uma para investidores internacionais a ser feita em bolsa internacional, outra para investidores nacionais realizada no mercado interno e, finalmente, uma última que funcionaria como um ensaio de capitalismo popular dedicada exclusivamente aos trabalhadores e colaboradores da Sonangol. Não é uma entrega ao estrangeiro nem a qualquer face inaceitável do capitalismo, mas uma abertura de capital para deixar entrar dinheiro e ideias frescas.

Comentários