Taxa de Juro e Inflação: Um Pedido de Esclarecimento

A política do Banco Nacional de Angola (BNA) referente à sua taxa de juro básica é uma fonte de perplexidade.

Esta semana, o BNA anunciou a decisão de reduzir “a taxa de juro de referência, de 20% para 19,5%”, argumentando com “o abrandamento da inflação e a valorização da moeda nacional, o kwanza”.

Acontece que a taxa de inflação, neste momento, é de 19,78%. Nesta medida, a realidade é que a taxa de referência do BNA é negativa, o que significa que o BNA sinaliza que os bancos devem pagar às pessoas para contraírem empréstimos e não o contrário. Dito de forma simples, o BNA promove a concessão de dinheiro fácil. Isto será benéfico para impulsionar o crescimento económico, mas é estranho para uma economia com as fortes pressões inflacionistas de médio prazo, como é o caso da economia angolana.

Vejamos os números da inflação em Angola nos últimos anos. Em Dezembro de 2019, a taxa de inflação estava em 16,9%; um ano depois, em Dezembro de 2020, situava-se em 25,1%. Depois de um ano, em Dezembro de 2021, alcançava os 27,03%. Agora, com referência a Agosto, tal como mencionado, está nos 19,78%.

Note-se que, nos meses anteriores a Agosto, esteve sempre acima dos 20%. Havendo uma tendência de descida face aos quase 30% que havia alcançado em 2021, o certo é que ainda se trata de uma taxa extremamente elevada. O banco central aposta que a tendência da inflação continuará a ser de descida, apontando como possível alcançar os 18%, e por essa razão anuncia uma descida da taxa de juro.

Temos muitas dúvidas sobre esta fundamentação e o raciocínio lógico-dedutivo desta descida da taxa de juro, colocando-a num patamar negativo.

Em primeiro lugar, não é certo que a descida da taxa de inflação que se verificou em Agosto, e de alguma forma em Junho e Julho do presente ano, seja uma tendência de médio prazo e não corresponda apenas ao resultado das medidas pré-eleitorais ligadas à disponibilização da Reserva Estratégica Alimentar. O certo é que, após as eleições, já com referência a Setembro, surgem notícias que dão conta da subida renovada de preços. Relativamente a Luanda, o próprio Jornal de Angola reconhece que nos “estabelecimentos comerciais a variação de preços dos produtos da cesta básica da segunda para a terceira semana do mês de Setembro registou um aumento de 0,57 por cento”.

Em segundo lugar, as pressões inflacionistas abundam por todo o mundo, dos Estados Unidos a Portugal, e percebe-se que a inflação vai tomando conta das economias. Será estranho que tal onda inflacionista não acabe por “contaminar” Angola.

Nesta medida, a descida da taxa de juro pode ser uma medida algo temerária.

Além do mais, o problema da inflação, isto é, a subida generalizada dos preços, foi daqueles que mais afectaram o mandato de João Lourenço e perturbaram as suas expectativas eleitorais.

A subida de preços e o desemprego foram dois dos grandes problemas que desgastaram a popularidade do governo e a capacidade da equipa económica. Portanto, torna-se difícil perceber as razões que levam o banco central a não encarar o assunto com mais emergência e controlo.

Vejamos um exemplo. Numa média tosca, os preços no último ano subiram 20%. Portanto, aquilo que custava 100, passou a custar 120. E, se somarmos a inflação dos últimos anos, então há casos em que houve duplicação de preços. Ao mesmo tempo, num gesto que já era devido e fundamentalmente necessário, o presidente da República anunciou o aumento dos salários das Forças Armadas num valor médio de 6%. Quer dizer que quem ganhava 100, passa a ganhar 106.

Facilmente se percebe que, se o preço de um alimento passa de 100 para 120, mas o salário apenas sobe de 100 para 106, então, continua a existir um grande diferencial entre a subida de preços e de salários. Isto quer dizer que as pessoas ficam mais pobres. Têm menos dinheiro para comprar a mesma comida.

É este o problema da inflação: menos dinheiro no bolso para comprar alimentos e outros bens.

Ora, não se percebe a razão que leva o banco central a não abordar o assunto de frente e tomar medidas paliativas. Refira-se que o Fundo Monetário Internacional (FMI), que foi bastante elogioso quanto à actuação do governo angolano, sempre manifestou reservas acerca da posição do BNA quanto à inflação. Recordemos que, a propósito da Quinta Avaliação do programa, em Junho de 2021, o FMI sibilinamente lembrava ao BNA a necessidade de “apertar” o controlo da inflação, congratulando-o por finalmente o ter feito: “O Banco Nacional de Angola (BNA) mudou de forma adequada a sua orientação de política no sentido de um aperto, dadas as contínuas pressões inflacionistas. Os recentes ajustes de política para conter a oferta de moeda são bem-vindos, e o BNA deve mover-se rapidamente para apertar ainda mais se a inflação não começar a desacelerar significativamente”. Face a isto tudo, parece que esta descida da taxa de juro é prematura e abre caminho para um recrudescer das pressões inflacionistas. Mas aguarda-se com interesse os esclarecimentos que demonstrem a nossa ignorância ou falta de razão.

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