Tribunais: Um Teste ao Novo Ciclo Político Que Começa
As presentes eleições oferecem-nos um facto indesmentível: apesar da repetida vitória do MPLA, marcam um novo ciclo na política angolana e no seu caminho rumo a um Estado constitucional democrático.
Não será possível governar sem a intervenção e o consenso da oposição em várias áreas. A este mecanismo não se chama geringonça, mas sim diálogo leal com a oposição, ou, no jargão político norte-americano, “reach across the aisle”. Torna-se assim exigível que as instituições constitucionais reflictam a sua verdadeira natureza.
Isto aplica-se manifestamente aos tribunais. Num Estado constitucional, o poder judicial é uma força própria, que tem de agir com independência e imparcialidade face ao poder político; os partidos têm o dever de contribuir para que tal aconteça. Sabemos que há outros entendimentos do direito e dos tribunais, como acontece na China, que lhes atribui uma função estatal de disciplina e instrumento do poder. Não é assim num Estado democrático constitucional.
Mais do que na Assembleia Nacional, é no poder judicial que se encontrarão os caminhos de controlo e fiscalização do poder político e dos abusos das oligarquias.
No rescaldo eleitoral e no arranque dos trabalhos do novo ano político e judicial, há dois grandes desafios a dois tribunais angolanos.
Em primeiro lugar, a presidência do Tribunal de Contas. Antes da campanha eleitoral, ficaram bem patentes os abusos (éticos, para dizer o mínimo) da presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa. Entretanto, decorreu o período eleitoral e o assunto caiu no esquecimento. Deve agora ser recuperado e resolvido. A nova Assembleia deve concitar um número equivalente a dois terços dos deputados para deliberar sobre a situação de Exalgina Gamboa, visando a sua substituição e solicitando ao presidente da República a nomeação de alguém que seja consensual e a quem sejam reconhecidas qualidades de mérito e imparcialidade para dirigir este organismo fundamental na reconversão dos hábitos financeiros do país.
Este será um primeiro teste aos novos equilíbrios e vontade consensual na Assembleia e nos partidos políticos: o afastamento de Exalgina Gamboa da presidência do Tribunal de Contas pelos deputados à Assembleia Nacional, com uma maioria equivalente à da revisão constitucional.
Em segundo lugar, temos o caso da juíza Guilhermina Prata, no Tribunal Constitucional. Anteriormente, poderia haver dúvidas sobre o que aconteceria quando um juiz do Tribunal Constitucional completasse 70 anos.
Contudo, após a recente revisão constitucional, o texto magno tornou-se claro. Nos termos do artigo 179.º, n.º 9 da Constituição, os juízes de qualquer jurisdição jubilam quando completam 70 anos. Guilhermina Prata nasceu a 8 de Maio de 1952, logo, completou 70 anos. Não há argumento fundado que lhe permita continuar como juíza efectiva de qualquer Tribunal, devendo proceder-se à sua substituição.
Este caso oferece a possibilidade de se emitir um renovado sinal de equilíbrio, através da nomeação de alguém com profundo conhecimento de Direito, mas que também inspire confiança às novas gerações, pela sua independência de espírito e capacidade analítica. Guilhermina Prata foi indicada em 2016 pela Assembleia Nacional; agora, este órgão deliberativo que reúne os partidos políticos tem a oportunidade certa de tomar uma decisão sensata, consensual e aberta. Obviamente, todos querem evitar que o poder caia na rua, que a violência retorne a Angola, que os nefastos acontecimentos do passado se repitam. No entanto, é impossível anular ou ignorar opiniões contrárias, visões diferentes, caminhos alternativos. Para evitar que tudo se torne um embate, há que reforçar as instituições, sobretudo aquelas que resolvem conflitos. Na primeira linha, estão os tribunais. É a independência dos tribunais que deve ser reforçada, de modo que neles se confie, enquanto honestos solucionadores de conflitos. Os tribunais em pleno e saudável funcionamento são a melhor alternativa à arruaça ou à intervenção soberanista de terceiros. Os casos concretos acima descritos constituem duas excelentes oportunidades para se começar a reforçar as instituições.