Suspeita de Burla no Tribunal Supremo

Alguns jipes Toyota Land Cruiser VXR de cor preta têm sido vistos, segundo testemunhas oculares, nas proximidades do Tribunal Supremo. Ao volante, seguem jovens senhoras de grandes óculos escuros e porte elegante, envergando vestidos brancos ou vermelhos.

Não se sabe se estes jipes são os mesmos que a empresa Rang Transportes SA acusa o Tribunal Supremo de ter adquirido sem pagar, usando vários artifícios que podem ser equiparados ao cometimento do crime de burla.

A história vem contada numa carta datada de 18 de Outubro de 2021, enviada pela administração da Rang Transportes ao presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, aparentemente com cópia para o presidente da República.

Nessa carta, a Rang Transportes conta que, em finais de 2018, recebeu um ofício de Fuki João Carlos, então secretário-geral do Tribunal Supremo, afirmando, que por ordem do presidente do Tribunal Supremo na altura, Rui Ferreira, estava encarregado de adquirir quatro jipes Toyota Land Cruiser destinados ao Tribunal. Essa aquisição era urgente, mas seria feita a crédito, embora o mesmo Fuki João Carlos tivesse garantido verbalmente que a despesa constava do orçamento da instituição e que, portanto, seria oportunamente liquidada.

A Rang, não querendo perder um bom cliente de jipes, mas não dispondo de nenhuma viatura em stock, recorreu a outra empresa, a Superfive Lda., para obter esses Land Cruiser e os entregar ao Tribunal Supremo, o que veio a ser concretizado em Outubro de 2019. Na ocasião, foi, naturalmente, remetida a factura da venda dos quatro jipes, no valor de 228 400 000,00 kwanzas. Desse montante, 15,72% haviam sido pagos como sinal. Depois deste primeiro pagamento, a dívida permaneceu por saldar. Até hoje, ano de 2022.

A Rang alega que, desde o momento da entrega dos jipes, nunca mais obteve uma resposta satisfatória por parte do Tribunal Supremo, que se vem furtando a assumir qualquer compromisso, alegando que se trata de uma despesa da gestão anterior e aconselhando a empresa a demandar os anteriores presidente e secretário-geral.

A realidade é que os referidos quatro jipes, com as matrículas LD-98-09HA, LD-08-99HB, LD-85-08HA e LD-08-74HB, todos de cor preta e da marca Toyota Land Cruiser VXR, têm utilizadores conhecidos. Dois deles estão na posse de Rui Ferreira. Não se sabe a que título o anterior presidente detém dois jipes adquiridos (e não pagos integralmente) pelo Tribunal Supremo. Foram um presente de despedida? Fazem parte da sua pensão de reforma?

Os outros dois jipes são detidos pelo actual presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo: um alegadamente em apoio à frota, o que quer que isso seja… e o outro está ao serviço da mulher de Joel Leonardo.

O resumo dos factos é simples. O Tribunal Supremo obteve, da parte de uma empresa privada, quatro jipes Toyota Land Cruiser, pagando menos de 16% do seu valor, e entregando o uso das viaturas ao actual e ao antigo presidentes da instituição, respectivamente Joel Leonardo e Rui Ferreira.

Os factos apontam para dois tipos de embaraços legais.

O primeiro refere-se à própria conduta do Tribunal, através dos seus órgãos. Se nada mais for feito, estamos perante um acto típico de burla. De acordo com o presente artigo 417.º do Código Penal, existe crime de burla quando, usando de qualquer meio astucioso ou enganoso, alguém induzir ou mantiver outrem em erro ou engano e, com o propósito de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilícito, o levar a praticar actos que lhe causem ou causem a terceira pessoa prejuízo patrimonial. O antigo secretário-geral induziu os responsáveis da Rang Transportes a entregar os jipes, assegurando que havia aprovação orçamental e meios de pagamento futuros, quando pelos vistos não haveria nada. Além disto, os actuais responsáveis do Tribunal, mesmo conhecendo a forma eventualmente ilícita de obtenção dos jipes, utilizam-nos quotidianamente.

O segundo embaraço legal diz respeito ao fundamento existente para se entregarem dois jipes, supostamente pertencentes ao património público, para a utilização privada do antigo presidente do Supremo. Não há qualquer regulação legal ou jurídica que suporte esta decisão. Mais ainda, é impossível descortinar o motivo pelo qual se entregou um jipe para ser usado pela mulher do presidente do Tribunal Supremo – sobretudo, suma injúria, não estando a viatura paga.

Muitos poderão alegar que o país tem assuntos mais importantes para resolver do que a utilização indevida de jipes no Tribunal Supremo ou a ausência de pagamento dos mesmos. Contudo, aqui como em muitos outros casos, encontra-se um problema endémico de Angola: a cultura da impunidade e da arbitrariedade das chefias. Quem tem o poder, acha que tem legitimidade para tudo fazer, sem qualquer limite, contenção ou prestação de contas.

Esta não é e nunca foi a cultura em África, ao contrário do que muitos falsos antropólogos por vezes tentam argumentar. A figura do chefe existe para que este esteja ao serviço da população, limitado pelos usos e costumes, e tendente ao bem comum. É tempo de denunciar e acabar com esta cultura de prepotência inaceitável, e garantir que o governo das instituições é regido pela lei e não pela vontade caprichosa do chefe do momento. Por isso, não pode haver silenciamento nem compreensão, mas luta permanente pela mudança de mentalidades e pela responsabilização de cada um pelos seus actos e decisões.

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