Preferencialmente… as Eleições

A redacção proposta para o novo artigo 112.º n.º 2 da Constituição (CRA) dispõe o seguinte:

“Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 128.º e no n.º 3 do artigo 132.º, as eleições gerais realizam-se, preferencialmente, durante a segunda quinzena do mês de Agosto do ano em que terminam os mandatos do Presidente da  República e dos Deputados à Assembleia Nacional, cabendo ao Presidente  da República definir essa data, nos termos da Constituição e da lei.”

Esta norma está a gerar um burburinho imenso, e começa a circular uma interpretação assustadora para a opinião pública, segundo a qual aqui estaria aberto um alçapão constitucional para adiar as eleições.

Não nos parece que essa interpretação tenha cabimento jurídico. Na verdade, o número um do mesmo artigo 112.º permanece inalterado, e este determina que as “eleições gerais devem ser convocadas até noventa dias antes do termo do mandato do Presidente da República e dos Deputados à Assembleia Nacional em funções”. Isto quer dizer que o presidente não pode adiar a convocatória das eleições para além dos noventa dias anteriores ao fim do seu mandato.

No caso actual, João Lourenço tomou posse a 26 de Setembro de 2017, e o seu mandato termina cinco ano depois. Até 26 de Junho de 2022, o presidente da República terá de convocar eleições, e naturalmente essas eleições devem permitir que o novo presidente tome posse precisamente cinco anos após a posse de 2017. Tal decorre de toda a sistemática constitucional sobre eleições, em especial do artigo 113.º.

O artigo 113.º da CRA é claro no seu número um ao prescrever que o mandato do presidente da República tem a duração de cinco anos, inicia com a sua tomada de posse e termina com a posse do novo presidente eleito. Assim, os cinco anos e a tomada de posse do novo presidente são elementos pétreos da Constituição, não havendo disponibilidade constitucional para fazer de outro modo.

A Constituição obriga o presidente a convocar eleições de modo que o seu sucessor (ou ele próprio) tome posse nos termos do artigo 113.º, ou seja, imediatamente após cinco anos de mandato. Isto só poderá não acontecer nas situações de limitação ou suspensão dos direitos, liberdades e garantias já previstas no artigo 58.º.

A realidade é que a nova formulação do artigo 112.º não permite adiar as eleições para além dos cinco anos de mandato. O que faz – e em relação a isso pode-se discordar ou concordar – é dar maior latitude ao presidente para, dentro do seu mandato, marcar eleições.

Vislumbra-se nesta polémica o perigo para o qual alertávamos em artigo anterior: o excessivo voluntarismo judicial tem o potencial para criar crises onde não as há. Quando os magistrados se dedicam a espinhosas questões políticas ou que contendem com as liberdades e os direitos fundamentais, devem usar de toda a cautela e evitar pronunciamentos que levem as pessoas a interpretações irrealistas ou a sustos desnecessários.

Obviamente, podemos fazer o exercício de imaginar uma situação hipotética em que um presidente resolva adiar as eleições ou marcá-las para depois de o seu mandato de cinco anos terminar. A questão é que, se isso acontecesse, já não estaríamos num momento de normalidade constitucional, mas perante um golpe de Estado. Tratar-se-ia já não de uma questão de direito, mas de um facto a-jurídico.  Nem o artigo 112.º, na nova redacção, nem o artigo 113.º, na actual redacção, permitem que tal aconteça. As eleições têm de ser marcadas noventa dias antes do final do mandato do presidente e dentro do seu mandato – é isso que decorre da conjugação dos artigos 112.º e 113.º da CRA. Por outro lado, é possível proceder ao adiamento de eleições dentro do quadro constitucional, de acordo com os mecanismos previstos no artigo 58.º. Porém, isso só pode acontecer mediante situações muito concretas – em estado de guerra ou em situações de grande emergência – as quais sempre estiveram contempladas na Constituição.

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