Taxistas em Greve contra Isolamento Viário de Cafunfo

“Nós queremos estrada! Nós queremos estrada! Nós queremos estrada!”, entoa a multidão em apoio ao primeiro dia de uma greve de sete dias dos taxistas em toda a extensão do município do Cuango, na Lunda-Norte.

A greve, de sete dias, é em protesto contra a incapacidade ou falta de vontade política das autoridades provinciais e centrais para garantirem a circulação normal de viaturas entre o Cuango e Cafunfo.

Em primeiro lugar, contesta-se a falta de reparação da Estrada Nacional 225A, de terra batida. Essa via liga a sede municipal do Cuango a Cafunfo, numa extensão de 50 quilómetros. São mais de quatro horas de viagem para quem arrisca usá-la. Encontra-se praticamente intransitável desde o final do ano passado.

Em segundo lugar, protesta-se contra os limites impostos à utilização da única estrada alternativa – que atravessa a concessão diamantífera da Sociedade Mineira do Cuango (SMC), na margem oposta do Rio Cuango, do lado do município de Xá-Muteba –, sem a qual Cafunfo (a localidade sem estatuto político-administrativo com mais de 162 mil habitantes) fica praticamente isolada do resto do país.

Desde Janeiro passado, os automobilistas tinham permissão para usar esta estrada de terra batida de 53 quilómetros. Essa permissão inicialmente só permitia a circulação de dez veículos por dia, tendo mais tarde ficado restringida ao horário das 8h00 às 16h00, conforme relatos de vários cidadãos.

Estrada Nacional 225A, praticamente intransitável desde Janeiro de 2020

A 4 de Junho passado, o presidente do Conselho de Gerência da SMC, Hélder Correia Carlos, informou o administrador municipal do Cuango, Gastão Cahata, da sua decisão de limitar a circulação de viaturas na referida via “para um único dia da semana, ao domingo, das 6h00 da manhã às 12h00”. Hélder Carlos argumenta tratar-se de uma medida destinada “a garantir a segurança da mina e dos equipamentos da empresa, enquanto objecto económico-estratégico da economia nacional”. Para sustentar a sua argumentação, o presidente da SMC afirma que a circulação no interior da área de concessão mineira, com destino a Cafunfo, viola o Código Mineiro.

Por um lado, aduz que o fluxo de circulação de veículos pesados e ligeiros, nos últimos cinco meses, por essa via pública de terra batida, tem causado a sua “acentuada degradação”. Esse fluxo, argumenta o gestor, tem criado constrangimentos na circulação dos seus equipamentos motorizados e colocado em risco as suas operações mineiras. Estranhamente, refere que esses riscos se devem “ao elevado fluxo de viaturas em alta velocidade, desobedecendo às normas internas de mobilidade definidas em 60 km/hora”.

Por outro lado, acusa efectivos das Forças Armadas Angolanas (FAA) e agentes da Polícia Nacional de se aproveitarem da abertura da estrada para se dedicarem ao garimpo. “A situação pregressa tem motivado o incremento da circulação de pessoas e bens e a instalação de garimpeiros ao longo da área restrita da mina. Igualmente assistimos a agentes da ordem pública a desembarcarem homens e meios com o mesmo propósito, bem como à movimentação de elementos das FAA, perseguindo os mesmos objectivos”.

O presidente da Associação de Táxis do Cuango, Alone Muatxicanda, desmente a ideia de tal desobediência. “Não existe nenhuma placa de sinalização de trânsito nessa via, para além das placas de orientação interna sobre os desvios das minas e zonas restritas”, refere.

O Maka Angola tem conhecimento das negociações encetadas pela Polícia Nacional para alargar os dias de circulação, incluindo terças e quintas-feiras, para se evitar maior confusão.

Ontem, durante o primeiro dia de greve, os taxistas bloquearam a saída de Cafunfo do comandante da Divisão Leste, general Remígio do Espírito Santo, por quase uma hora. O comandante, que supervisionava a retirada da 52.ª Brigada de Infantaria de Cafunfo, deparou-se com o bloqueio à saída da estrada alternativa, que atravessa a concessão da SMC. Após algum tempo de negociações, os grevistas permitiram a sua passagem.

Na manhã de hoje, o administrador municipal, Gastão Cahata, esteve reunido com os taxistas e garantiu que, até sábado próximo, o Cuango receberá os equipamentos destinados à terraplanagem da Estrada Nacional.

“O administrador Cahata garantiu-nos também que a via da Mina Cuango poderá ser usada de segunda a segunda, das 6h00 às 18h00, até à reabilitação temporária da Estrada Nacional”, explica Alone Muatxicanda.

Em Fevereiro passado, os comerciantes locais contribuíram com mais de 16 milhões de kwanzas, para trabalhos pontuais de reparação da Estrada Nacional. Esses fundos, entregues à anterior administração municipal, segundo fontes locais, tiveram destino desconhecido.

Interpretações jurídicas

Todavia, os argumentos da SMC não colhem em termos jurídicos. Na realidade, a companhia nem sequer tem a prerrogativa de encerrar a estrada. Tem apenas o poder de garantir que as travessias sejam realizadas de modo a não prejudicar nem deteriorar seu trabalho.

Em primeiro lugar, temos uma razão de ordem constitucional. É tarefa fundamental do Estado “promover o bem-estar, a solidariedade social e a elevação da qualidade de vida do povo angolano, designadamente dos grupos populacionais mais desfavorecidos” [artigo 21.º d) da Constituição]. Na dinâmica constitucional, este princípio compagina-se com o artigo 15.º da Constituição, que estabelece que a terra constitui propriedade originária do Estado, sendo reconhecido às comunidades locais o acesso e o uso das terras, nos termos da lei.

Estes normativos constitucionais, como é óbvio, não podem ser afastados por nenhuma interpretação privatística do interesse “económico-estratégico da economia nacional”, que naturalmente compete ao Estado, enquanto pessoa colectiva representante da comunidade.

Do ponto de vista legal, mesmo que o Código Mineiro imponha algumas restrições – e não sabemos quais são aquelas a que o presidente do Conselho de Gerência da SMC se refere – a legislação em vigor é muito clara.

O artigo 1550.º do Código Civil é específico em estabelecer o seguinte: os proprietários de prédios (terra, terrenos edificados ou não, imóveis) que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio. Consequentemente, qualquer proprietário de qualquer terreno ou habitante de qualquer terra que não tenha passagem tem o direito legal de passar pelos terrenos adjacentes. Não existe, portanto, qualquer base legal para a proibição da SMC.

Em Janeiro passado, inspectores do Ministério dos Recursos Minerais e Petróleos, de visita a Cafunfo, indignaram-se com a fila de camiões retidos à entrada da “via da Mina”, por falta de autorização especial para a sua passagem. Nessa altura, para usarem a estrada, os camionistas eram obrigados a pagar aos guardas entre 60 a 80 mil kwanzas.


Segundo dados recolhidos por este portal, os inspectores invocaram o direito de servidão e as benfeitorias exigidas pelo contrato de concessão mineira, tendo ordenado que fosse autorizada a circulação das viaturas. “Afinal, por onde anda o poder político?”, questiona-se uma analista política familiarizada com a questão de Cafunfo.

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