Combate à Corrupção, Três Anos Depois

Este é um tempo de balanços. Tivemos recentemente o balanço dos três anos de mandato de João Lourenço, vamos ouvir em breve o discurso sobre o estado da Nação, que deverá marcar o fôlego final e determinante deste mandato presidencial.

Consequentemente, é altura de avaliar os resultados da política anticorrupção, enunciada como objectivo fundamental pelo presidente da República. Paradoxalmente, essa avaliação é simultaneamente positiva e negativa.

É muito positiva porque efectivamente lançou uma política de Estado de combate à corrupção. Há quatro anos seria impensável – quem quer que o admitisse seria imediatamente internado com diagnóstico de loucura profunda – que Isabel dos Santos tivesse as suas empresas confiscadas e fosse alvo de um processo-crime, que José Filomeno dos Santos e o genro de Agostinho Neto houvessem sido presos preventivamente, ou que Augusto Tomás cumprisse pena de prisão efectiva. Ao mesmo tempo, quotidianamente estão a ser abertos inquéritos criminais sobre as mais variadas actividades corruptas, do Moxico ao Uíge. Tudo isto é novo.

Portanto, o combate contra a corrupção existe, não é selectivo e houve claramente uma mudança de paradigma na actuação judicial. Antes, eram os denunciantes de actos corruptos que iam parar ao tribunal acusados de difamação e calúnia. Agora, são os denunciados que finalmente começam a responder pelos seus eventuais actos. Não há portanto dúvida de que se verifica uma mudança e de que a luta contra a corrupção está a avançar.

No entanto, muita desta actividade não tem gerado resultados realmente visíveis ou levanta dúvidas sobre a eficácia dos métodos utilizados.

Se repararmos, dos “grandes casos”, apenas Augusto Tomás foi condenado com trânsito em julgado e cumpre pena. É efectivamente o único preso.

O caso que envolveu José Filomeno dos Santos teve uma sentença de primeira instância, que foi estranhamente leniente para a família Santos; Isabel dos Santos ainda nem sequer foi constituída arguida, e da sua base londrina “espingarda” alegre e precisamente contra João Lourenço. Em relação a Carlos São Vicente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) só se movimentou depois do frenesim mediático sobre a conta dos 900 milhões. Até lá, o senhor era essencialmente desconhecido e ninguém falava nele. Agora, surgiu a notícia de que os famosos Kopelipa e Dino foram constituídos arguidos. Algumas fontes próximas deste processo afirmam que a PGR está a enganar-se no objecto do inquérito, acusando-os de factos em que estão inocentes, uma espécie de “atirar ao lado”, enquanto outras fontes asseguram que a PGR segue um método investigativo gradual, começando num grupo de factos para acabar noutro, fechando o círculo devido à complexidade dos temas.

A verdade é que a PGR se encontrava totalmente impreparada para iniciar a luta contra a corrupção. Não tinha essa cultura, nem os meios. Apesar disso, paulatinamente, notam-se melhorias.

O Serviço Nacional de Recuperação de Activos, liderado por Eduarda Rodrigues, tem-se mostrado dinâmico e empenhado, e parece constituir um embrião de uma verdadeira unidade anticorrupção. Contudo, há que referir que os “acordos” publicamente anunciados a que este serviço chega com algumas entidades nunca são muito claros e têm legalidade duvidosa.

Também ao nível da PGR se nota alguma mudança na cultura permissiva do passado. Há magistradas e magistrados já fortemente empenhados no combate à corrupção, a actuar com imparcialidade e determinação.

No entanto, claramente a PGR não tem meios suficientes, nem os magistrados a formação adequada para seguir as intrincadas movimentações financeiras que estes crimes envolvem. Nota-se uma tentativa de simplificar o que é complexo, acabando por surgir muitas peças soltas e com fundamentação duvidosa, que facilmente são contestadas.

A isto acresce que, à luz da cadência temporal dos acontecimentos, ainda em 2050 se estará a tentar constituir Isabel dos Santos como arguida, e em 2100 haverá instruções dos processos de corrupção.

Desde que se iniciou o combate à corrupção, defendemos que a utilização das antigas instituições judiciais, mal preparadas e comprometidas com as práticas do passado, não era solução. Como não é solução uma visão atomista e meramente judicial da questão da corrupção.

A corrupção em Angola, pela sua magnitude, é um problema político e económico, com natureza sistémica, que tem de ser encarado de forma abrangente. Dizendo de outro modo, não é com um processo aqui, um processo ali, instaurado na PGR e seguindo para os tribunais comuns, que se combate realmente a corrupção. Tem de ser instaurada uma via própria, um sistema global anticorrupção, que permita que investigação, acusação e julgamento se façam de forma integrada, independente, global e célere.

Um dos exemplos internacionais a que podemos recorrer, ainda que embrionário e sofrendo também os seus escolhos, é o da Ucrânia. Na Ucrânia, tal como em Angola, a corrupção é um problema sistémico, e não se pode confiar nas estruturas judiciais tradicionais. A solução ucraniana, apoiada pela comunidade internacional, consistiu em criar uma estrutura judicial própria para lidar com a corrupção. Assim, no ano passado foi criado o Tribunal Superior Anticorrupção. Este tribunal tem competência exclusiva para os casos de corrupção a partir de determinado montante. O recurso das suas decisões é realizado para uma Câmara de Recursos também independente, integrada no mesmo tribunal. O tribunal tem 35 juízes, todos nomeados de novo por um comité alargado e imparcial, que conta com especialistas estrangeiros. Os novos juízes e as suas famílias são sujeitos a protecção especial de segurança.

Portanto, temos um tribunal especializado com juízes específicos, nomeados de forma neutra. Além deste tribunal superior anticorrupção, a Ucrânia foi criando uma estrutura judiciária autónoma para o combate à corrupção, contendo as seguintes entidades:

a) o Gabinete Nacional National AntiCorrupção (NABU), uma espécie de polícia que investiga casos de corrupção de alto nível;

b) o Gabinete do Procurador Especializado no Combate à Corrupção (SAPO), uma unidade independente dentro do Gabinete do Procurador-Geral que supervisiona as investigações do NABU e processa os seus casos;

c) a Agência Nacional de Prevenção da Corrupção (NAPC), que administra o sistema de declaração de activos e participa da formulação de políticas anticorrupção;

d) a Agência de Recuperação e Gestão de Activos (ARMA), que tem como foco a recuperação de activos roubados.

Temos então um sistema total anticorrupção com cinco estruturas independentes que asseguram um combate efectivo contra a corrupção na Ucrânia. É uma estrutura demasiado nova para se poder avaliar e está debaixo de constante ataque pelas forças ucranianas do passado (lá como em Angola), por isso ainda é muito cedo para avaliar os seus resultados. Mas é um exemplo daquilo que deve ser feito em Angola. Quem quiser saber mais sobre o sistema integrado ucraniano de combate à corrupção pode ver aqui. Possivelmente, para introduzir um sistema destes em Angola seria preciso proceder a uma revisão constitucional muito pontual.

Resumindo, em Angola foram já dados alguns dos passos necessários para o combate à corrupção, mas ainda não os suficientes. É preciso continuar a desbravar caminho, com as ferramentas que assegurem verdadeira eficácia e celeridade.

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