O Monopólio de São Vicente e a Sabotagem da Economia Nacional

Para além dos aspectos eventualmente ilícitos e criminais das actividades de Carlos São Vicente (na foto), entre os factos recentemente vindos a público destacam-se os efeitos desse tipo de actividades na economia nacional, designadamente os preços altos (inflação) e a existência de empresas pouco eficientes (produtividade baixa).

Na exaustiva investigação de Rafael Marques publicada nos últimos dias no Maka Angola, merece atenção especial um parágrafo em que se descreve  o problema: “Em média, 85 por cento dos valores arrecadados pela AAA Seguros eram transferidos para as AAA em Londres e nas Bermudas, na qualidade de resseguradoras, fazendo então negociatas entre si. Deste valor, menos de 20 por cento era repassado para as co-seguradoras internacionais que cobriam os custos reais. Tudo o resto era desvio de fundos públicos, protagonizados então por um gestor público, do quadro directivo da Sonangol, São Vicente.”

Quer isto dizer que, de mil milhões de dólares cobrados em Angola, São Vicente transferia para as suas companhias privadas estrangeiras 850 milhões de dólares. Desses 850 milhões, apenas 170 milhões correspondiam a custos efectivos e pagamentos a seguradoras como a Lloyd’s de Londres. Portanto, 680 milhões eram lucro puro privado de São Vicente. Sessenta e oito por cento do valor do preço apresentado pela AAA Seguros em Luanda era benefício pessoal de São Vicente, que seria parqueado no estrangeiro.

Levanta-se então a seguinte questão económica: como é possível que São Vicente cobrasse preços de seguros de pelo menos cinco vezes superiores aos do mercado, no mínimo 500% por cento acima das tabelas internacionais? A resposta é muito simples. É que a empresa de São Vicente tinha o monopólio da sua área de seguros. Se ele não fizesse os seguros, mais ninguém fazia, e as companhias petrolíferas não poderiam operar em Angola, consequentemente, tinham de se sujeitar ao preço monopolista. Não havia alternativa, não havia concorrência.

E este tem sido um dos principais problemas da economia angolana. A maior parte dos sectores que geram lucros foram entregues a monopólios controlados pelas famílias dominantes no país. São Vicente tinha o monopólio dos seguros no petróleo, o general Dino (a par da Sonangol) controlava a distribuição de combustível, Isabel dos Santos e o marido pontificavam na comercialização externa dos diamantes, a banca também era dominada por ela e poucos mais, a Unitel, face à degradação da Movicel, também tinha um quase monopólio. Nos cimentos, lembramo-nos da luta para inviabilizar a cimenteira de Joaquim David.

Podemos dizer que a economia angolana tem funcionado em situação de monopólio (uma única empresa a dominar o mercado) ou oligopólio (poucas empresas a dominar o mercado), havendo fortes barreiras à entrada de novas empresas ou novos actores económicos nos mercados controlados.

O problema óbvio é que os monopólios e oligopólios só são benéficos para os seus donos, para a restante economia são péssimos. Monopólios e oligopólios têm dois efeitos básicos – que aliás se notam bem na economia angolana. Em primeiro lugar, tornam os preços mais elevados. Se uma empresa pode cobrar 100 dólares, não vai cobrar 50 dólares. O caso de São Vicente é exemplar. Aliás, uma publicação económica (Valor Económico) afirma que o monopólio de São Vicente custou ao Estado 2,5 mil milhões de dólares, fazendo os cálculos entre o valor de mercado dos seguros e o preço que ele cobrava. A questão é que este diferencial que é permitido pelo monopólio não aconteceu só nos seguros, mas generalizou-se um pouco por toda a economia. Tal disparidade de preços não seria possível se existisse um mercado aberto e em concorrência. Nesse caso, as empresas disputariam os consumidores, oferecendo preços mais baixos.

O segundo problema dos monopólios é que, devido ao facto de poderem praticar preços mais altos, as empresas não têm de se preocupar em ter operações e produção eficientes. Podem gastar, desperdiçar, atrasar-se, prestar maus serviços. São empresas preguiçosas, sem incentivo para melhorar. Tratam mal os consumidores, os seus trabalhadores são pouco incentivados a laborar. Tudo se passa num grande fingimento.

Em resultado desta estrutura de mercado (monopólio e oligopólio), a maioria das empresas angolanas são caras e pouco produtivas, e impedem a economia de ser produtiva e competitiva.

É este o ponto essencial para o qual esta história de São Vicente nos deve alertar. Os monopólios mataram a produtividade da economia angolana. Os mercados têm de ser abertos a empresas diferentes e competitivas. Só assim se voltará a produzir bom e barato. É fundamental colocar os empresários angolanos em concorrência uns com os outros, abrir os sectores de actividade ao empreendedorismo e tornar os mercados acessíveis a todos.

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