Hospital do Moxico: Director Ameaça Médicos

Ontem, o director-geral do Hospital Geral do Moxico (HGM), Manuel Yaza Macano, reuniu com os médicos e chefes de serviço para proferir ameaças de despedimento a quem quer que esteja a denunciar os horrores que têm vindo a acontecer nesta unidade hospitalar. O Maka Angola reportou acerca do uso de berbequim de construção civil nas cirurgias de ortopedia, bem como acerca do uso de material cirúrgico e compressas, no bloco de urgência, sem esterilização prévia. De acordo com especialistas locais, o Moxico apresenta um elevado índice de cidadãos infectados com HIV e a padecerem de hepatite B e tuberculose. Incrédulos, os profissionais têm lamentado a prática de apenas se passar o material cirúrgico por água da torneira antes de ser usado em pacientes, assim contribuindo sobremaneira para espalhar estas doenças no seio da população, a partir do hospital.

Estamos, sem dúvida, perante casos de negligência criminal, acima de tudo.

Manuel Yaza Macano, que gere o HGM como se fosse propriedade sua e de quem o protege, argumentou, nos seus actos de intimidação, que os denunciantes “estão a sujar a imagem da província”. Informou, na reunião convocada para o efeito, que instaurou uma investigação interna para encontrar quem vazou a informação, de modo que seja sancionado com despedimento imediato. De onde vem tamanha arrogância deste gestor público? Como se permite uma tal atitude intimidatória, alimentada pela total impunidade? Por que razão não vem Macano a público desmentir as denúncias feitas pelo Maka Angola?

Como medida com efeitos imediatos, foi restabelecido o funcionamento das câmaras de vídeo instaladas no hospital, para controlo cerrado dos suspeitos. O director-geral não parece, portanto, preocupado em prover o que falta no hospital para garantir um atendimento humanizado dos pacientes, estando mais interessado numa atitude persecutória aos profissionais de saúde.

Esta situação é um espelho de como o aparelho de Estado se revela disfuncional e contraditório face à vontade de mudança do presidente João Lourenço e dos actos de inúmeros servidores públicos. Em vez de serem os órgãos judiciais a investigar tão grave denúncia, é o próprio director quem toma a dianteira para silenciar os críticos e esconder os seus podres.

Não é de estranhar tal atitude, uma vez que, em plena reunião do MPLA, o governador Muandumba afirmou sem pudor que o Hospital Geral do Moxico “é dos melhores do mundo”. Nas províncias, os governadores continuam a ter um extraordinário poder sobre os órgãos judiciais locais.

Contudo, tratando-se de uma denúncia pública, a PGR e o SIC já deveriam estar a investigar o caso, ademais tratando-se de violações dos direitos humanos. A ministra da Saúde deveria orientar, sem equívocos, o inspector-geral da Saúde a averiguar o que se passa nesta unidade hospitalar.

Parece que, para que o Moxico tenha boa imagem, de acordo com a lógica de Macano e de Muandumba, o berbequim de pedreiro deve continuar a ser usado nas cirurgias ortopédicas. O hospital deve continuar a ser um foco de transmissão de HIV, hepatite B e outras doenças infecciosas, porque este mesmo director não usa as verbas que lhe são atribuídas para aquisição de material de esterilização. O hospital não se pode queixar de falta de verbas para aquisição destes materiais essenciais.

Mais grave ainda, os profissionais de saúde são obrigados a ser cúmplices, a fazer voto de silêncio para que não percam o seu pão, enquanto contribuem para desgraçar ainda mais uma população que já nada tem.

Como bem explica uma jurista de renome, “quando a ordem de um superior hierárquico for ilegal, o funcionário tem o direito de não a cumprir e tem o dever de denunciar”. É simplesmente criminoso os profissionais de saúde terem consciência de estarem a infectar os pacientes com doenças contagiosas, com os instrumentos médicos, quando há recursos para aquisição de material de esterilização.

Angola continua a ser um país especial. Actualmente, é possível distinguir com clareza quatro categorias de cidadãos.

Primeiro, os que se acham impunes. Para estes, os cargos públicos são apenas um veículo para o exercício do seu poder pessoal e para enriquecimento fácil e ilícito.

Segundo, os cidadãos do medo e do oportunismo. São os que se remetem ao silêncio, à espera de benefícios de quem detenha o poder ou de uma oportunidade para fazer parte desse círculo.

Terceiro, os cidadãos – em número crescente – que usam a sua voz e o seu saber para, de forma crítica, contribuírem para as mudanças que se impõem e criam elos de solidariedade a favor do bem comum.

Quarto, o povo em geral – sofredor, “heróico e generoso” –, cada vez mais despojado e desesperançado, vivendo à mercê dos desmandos de quem governa as instituições.

É fundamental contribuirmos para que todos os cidadãos, independentemente da sua condição social, tenham voz e possam exercer os seus direitos de cidadania, fiscalizando directamente os actos da administração pública que afectam o quotidiano de todos. Os gestores que não têm noção de serviço público, os incompetentes e corruptos que tomam o poder e o usam como bem lhes apetece, devem ser denunciados, com sentido de responsabilidade e dever cívico. O Estado é de todos nós. O Estado somos todos nós, cidadãos angolanos.

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