A Gestão Criminosa do BPC (2010-2018)

O Banco de Poupança e Crédito (BPC) constitui um dos casos descarados de saque de fundos públicos por aqueles que seriam os principais responsáveis pela sua boa administração: os presidentes dos Conselhos de Administração e principais executivos. Nenhum desses saques foi até agora punido, apesar das provas que se amontoam. É tempo de revelar alguns factos e de exigir uma investigação criminal com consequências sérias e visíveis.

A 21 de Maio de 2020 foi terminado o relatório de auditoria do Tribunal de Contas, levado a cabo por uma equipa de seis auditores. Esse relatório debruçou-se sobre os actos de gestão do BPC ocorridos entre 2017 e 2018, embora envolvendo anteriores actos provenientes da administração de Paixão Júnior, mas já englobando os mandatos de Ricardo Abreu e de Alcides Safeca.

São 30 os ilícitos graves ou muito graves apontados pela auditoria, abrangendo situações que vão desde apropriação privada de viaturas públicas, aquisições inexplicáveis de imóveis e terrenos rurais, pagamento de empreitadas não realizadas, pagamento de dívidas sem factura e negócios complexos com empresas ligadas a Paixão Júnior.

A regra da gestão do BPC era a falta de regras: o desregramento e a devassidão financeira abundaram.

De entre os vários ilícitos apontados pelo relatório de auditoria, vamos destacar um pequeno número daqueles que parecem ser os mais graves e mais custosos.

Há um grupo de factos cujo valor total ascende a mais de 70 milhões de dólares. Trata-se de pagamentos de empreitadas que não estão concluídas ou que pura e simplesmente pararam.

Entre Julho de 2015 e Maio de 2016 foram pagos 20 milhões de dólares referentes a uma empreitada de construção do edifício Microfinanças, no Huambo. Esse pagamento foi realizado antes sequer de ter sido assinado o contrato, e, entretanto, as obras estão paralisadas desde Setembro de 2017. Portanto, este negócio, efectuado no tempo de Paixão Júnior, tem todo o aspecto de ter sido uma maneira de fazer sair 20 milhões de dólares do banco para bolsos privados. Noutra empreitada, o BPC pagou 21 milhões de dólares para a construção do condomínio Joseph, em Luanda. Estranhamente, o condomínio estava orçado em 18 milhões de dólares, por isso, à partida pagaram-se mais três milhões de dólares do que o custo oficial declarado! Contudo, mesmo assim a obra não foi concluída e encontra-se parada; das 200 habitações, apenas foram construídas 150. Este contrato ocorreu em 2011, também  sob a alçada de Paixão Júnior.

Finalmente, ainda no âmbito de empreitadas mirabolantes, temos o pagamento de 29 milhões de dólares, entre Outubro de 2010 e Fevereiro de 2013 – mais um milagre edificante de Paixão Júnior –, para a construção do condomínio Malanje, em Luanda. Também neste caso se pagou mais de um milhão de dólares acima do valor oficial declarado, mas, mesmo assim, as obras estão paralisadas desde 2013, e das 85 residências previstas para construção no projecto, apenas 25 foram edificadas.

Facilmente se percebe que estas empreitadas (inacabadas e paralisadas) serviram como falsos fundamentos para fazer sair quantias milionárias do banco, constituindo todo este negócio uma burla sofisticada que lesou a instituição de forma incomensurável.

Outro grupo de factos relaciona-se com a aquisição de terrenos a uma empresa denominada Mazaratti, pertencente ao cidadão de origem libanesa Helme Kassim Antar. Nesses terrenos, o banco gastou mais de 60 milhões de dólares.

Num primeiro caso, Paixão Júnior mandou, no dia da sua exoneração como PCA do banco, comprar um terreno de 300 hectares na Barra do Dande por 40 milhões de dólares. Para realizar esse acto, Paixão Júnior assinou sozinho o contrato e não pediu autorização a ninguém. Um banco não se obriga só com uma assinatura.

Anteriormente, entre Maio de 2015 e Maio de 2016, o BPC havia comprado mais dois terrenos à Mazaratti, por um total de quase 20 milhões de dólares. Sobre estes terrenos pendia um litígio judicial, e a auditoria nem sequer conseguiu ter acesso aos mesmos, por estarem na posse de terceiros. Portanto, o banco sob a orientação de Paixão Júnior deitou 20 milhões de dólares pela janela. Nem sequer consegue aceder aos terrenos adquiridos.

Aliás, o relatório revela outros comportamentos censuráveis por parte de Paixão Júnior, que foi, recorde-se, PCA do banco entre 2010 e 2016. É o caso de uma situação de conflitos de interesse e negócio consigo mesmo relativamente a um terreno no Zango III, de 3300 metros quadrados. De acordo com os auditores, em 2016, o banco comprou esse terreno, herança familiar de Paixão Júnior, por um milhão e 600 mil dólares, um valor cinco vezes superior à média praticada. Como se não bastasse o facto de o terreno não ser necessário à actividade do banco, o negócio ainda foi firmado sem a transmissão do direito de superfície.

Além destes negócios que se dedicam a fazer sair de forma ilegal avultados montantes do banco, existem outros que merecem atenção. É o caso da aquisição, entre 2010 e 2014, de vários prédios rústicos em Luanda, não havendo evidências de qualquer construção em algum deles, e acontecendo que muitos estão ocupados por terceiras pessoas.

Outra situação bizarra diz respeito à trabalhadora Ana Maria de Oliveira, que, por motivos não apurados, desde 2010 ocupa quatro vivendas na Rua Américo Boavida, em Luanda. Estas vivendas foram compradas pelo BPC. Perante tudo isto, não é excessivo repetir que o quadro descrito pelo Tribunal de Contas referente ao BPC é de total descontrolo e de falta de mecanismos de fiscalização interna, sendo evidente que os gestores máximos do banco utilizaram o BPC como se fosse sua propriedade pessoal, firmando contratos sem autorização, realizando negócios multimilionários consigo mesmos e sangrando de dinheiro os cofres do banco, até este ficar exangue. As autoridades judiciárias devem investigar e acusar criminalmente os responsáveis por tudo isto.

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