A Nacionalização Portuguesa da Empresa de Isabel dos Santos

A EFACEC é uma empresa portuguesa de referência na área da engenharia e da energia de que Isabel dos Santos detinha 71,3%. Foi nacionalizada pelo Estado português no princípio de Julho, em virtude da situação financeira difícil em que se encontrava desde o início dos processos criminais em Portugal contra Isabel dos Santos.

Sempre temos defendido que a nacionalização é a solução para as empresas de relevo económico e social de Isabel dos Santos que se vejam incluídas nos processos que a ela digam respeito.

A razão é muito simples. Os processos judiciais são longos e as medidas referentes às participações sociais de Isabel nas empresas são provisórias. Isto cria um clima de grande incerteza e, como se começa a perceber que as empresas de Isabel dos Santos tinham interligações intensas e o seu império assentava numa estrutura corporativa complexa e interdependente, torna-se difícil tratar isoladamente uma empresa de um universo concebido na mente de Isabel dos Santos, onde só ela sabe como as peças encaixam entre si. Assim, surgiram problemas na EFACEC, como também despontaram na cadeia de lojas CANDANDO, e poderão aparecer noutras empresas de Isabel dos Santos. Em qualquer desses casos, justifica-se a nacionalização para posterior reprivatização.

Note-se que a nacionalização não implica um juízo de culpabilidade sobre Isabel dos Santos, é um mero meio para assegurar a defesa dos trabalhadores e o interesse nacional, mantendo as suas empresas de grande porte viáveis e a funcionar. Os processos jurídicos contra ela seguem autonomamente.

Duas questões legais se levantam sobre a nacionalização da EFACEC. A primeira é o fundamento para que tal aconteça e a protecção do direito de propriedade de Isabel dos Santos. A resposta encontra-se na Constituição portuguesa (como se encontrará na Constituição angolana).

A possibilidade de nacionalização existe para assegurar a prossecução das tarefas essenciais do Estado destinadas a promover a qualidade de vida da população e a modernizar as estruturas da economia, bem como a proteger os direitos dos trabalhadores e demais stakeholders das grandes empresas. Essas tarefas essenciais e direitos fundamentais podem entrar em colisão com o direito fundamental à propriedade privada. É sabido que tal colisão de direitos fundamentais e normas essenciais da Constituição é um facto normal e usual, e deve ser resolvida segundo critérios de concordância prática, obedecendo ao princípio da proporcionalidade.

Neste caso concreto, parece claro que manter o direito de propriedade de Isabel dos Santos na EFACEC traz muitos mais prejuízos ao sistema produtivo, aos trabalhadores e à comunidade que rodeia a empresa do que o contrário. Há uma desproporção desfavorável ao direito de propriedade. E nesse sentido, do ponto de vista constitucional, justifica-se a nacionalização.

A segunda questão que tem sido colocada refere-se ao papel de Angola. O Estado angolano pediu a apreensão da participação social de Isabel dos Santos na EFACEC, porque aparentemente havia ilicitudes criminais neste processo, e pretendia que tal participação social revertesse favor de Angola. Com a nacionalização, essa reversão da participação social da EFACEC para o Estado angolano deixa de ser possível. O que passa a ser possível é a entrega da compensação pela nacionalização.

O governo português informou que iria pagar um valor pela participação social de Isabel dos Santos na EFACEC. O que não ia fazer era pagá-lo de imediato, pois aguardaria que se definisse quem de facto detinha a participação social: se Isabel dos Santos, se os bancos a quem ela terá dado as participações como garantia para obter um empréstimo para a compra parcial da empresa ou se o Estado angolano, que defende que Isabel dos Santos realizou uma ou várias operações ilegais para adquirir essas posições defraudando Angola.

Portanto, há um valor a ser pago. A quem será pago, depende da resolução do processo criminal contra Isabel dos Santos. Se, porventura, quando se chegar ao fim do processo, se concluir que Isabel dos Santos praticou ilícitos neste negócio e prejudicou o Estado angolano, é evidente que o negócio é nulo e o penhor subsequente realizado por Isabel a favor dos bancos será também nulo, porque baseado em acto ilegal prévio, e nessa medida será Angola a ter direito a receber o valor que o Estado português pague pela EFACEC. Se o processo criminal absolver Isabel, então será esta ou mais provavelmente a banca portuguesa a receber esse valor.

Consequentemente, tanto quanto é possível perceber da informação divulgada pelo governo português em relação à nacionalização da EFACEC, as perspectivas de Angola não ficam defraudas, mantendo-se como potencial credor do valor da participação de Isabel dos Santos na EFACEC.

A medida que foi tomada em Portugal – uma nacionalização com indemnização sujeita a condição suspensiva – deveria ser pensada para Angola. Poder-se-á afirmar que a Constituição angolana é mais exigente do que a portuguesa, pois exige que seja efectivamente paga uma indemnização para qualquer expropriação ser efectivada (artigo 37.º, n.º 2 e 3). Contudo, defendemos que expropriação e nacionalização são institutos diferentes: a primeira diz respeito a interesses administrativos correntes, enquanto a segunda se refere a decisões políticas fundamentais, pelo não pressupõe o pagamento imediato de indemnização.

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