A Incompreensível Existência do Banco Kwanza

A 23 de Abril passado, o principal accionista (80%) do Banco Kwanza Invest (BKI), Jean-Claude Bastos de Morais, realizou um aumento de capital de 500 milhões de kwanzas com fundos transferidos pelo comprador do banco. Na sequência dessa operação, a Bamarros S.A. tentou transferir o equivalente a 19 milhões de dólares para a aquisição de 80 por cento das acções. A operação foi bloqueada pela Procuradoria-Geral da República, por suspeita de branqueamento de capitais.

No mesmo dia, a Assembleia-Geral Extraordinária do BKI deliberou sobre o aumento de capital social do banco, conforme exigência do Banco Nacional de Angola (BNA), bem como a alteração da estrutura accionista do banco.

O referido aumento de capital foi realizado pela Bamarros S.A., que procedeu a uma transferência de 500 milhões de kwanzas, a partir do Banco Sol, para a conta pessoal de Jean-Claude Bastos de Morais no seu banco. Com os fundos adiantados pela empresa de Pedro Miguel de Barros, os accionistas do BKI aumentaram o capital social de 7,5 mil milhões para oito mil milhões de kwanzas.

Na altura, Jean-Claude Bastos de Morais, através do seu primo e representante Sandro Morais, assumiu o pagamento das acções não subscritas pelos outros accionistas, de forma a assegurar a realização total do aumento de capital. Com efeito, a referida assembleia informou sobre o contrato de compra e venda que assinou com a Bamarros S.A. a 23 de Abril passado, para a venda da totalidade das suas acções, pelo valor equivalente, em kwanzas, a 19 milhões de dólares.

Como já reportámos, esse valor seria pago imediatamente, numa conta que ficaria bloqueada (escrow account) até que o BNA aprovasse a transmissão do banco aos novos sócios. O Maka Angola sabe que esta conta se encontra domiciliada no Banco Keve, e pertence a Sérgio Raimundo, o advogado de Jean-Claude Bastos de Morais.

Jean-Claude Bastos de Morais, um dos homens que mais enriqueceram à custa do erário público angolano, ainda hoje impune.

A transferência do equivalente a 19 milhões de dólares, a partir da conta da Bamarros S.A. no Banco Sol, conforme dados em nossa posse, foi reportada à Procuradoria-Geral da República (PGR) por suspeita de branqueamento de capitais. A operação foi congelada e abriu-se um inquérito sobre o incidente.

Conforme o contrato de compra e venda, a sociedade Bamarros S.A. ficará com 76 por cento do capital de Jean-Claude Bastos de Morais, enquanto Pedro Miguel de Barros encaixará pessoalmente dois por cento do capital e Amorbelo Vinevala Paulino Sitôngua terá 2,1 por cento do capital. 

As mesmas fontes, familiares com o dossier, revelam que o banqueiro Coutinho Nobre é uma das figuras por detrás da suspeita robustez financeira da Bamarros S.A., uma empresa que, apesar do empenho na aquisição do BKI, não tem qualquer registo de actividade tributária.

Em Junho passado, a Assembleia-Geral do Banco Sol destituiu Coutinho Nobre do cargo de presidente do seu Conselho de Administração, que exercia desde 2012, por alegada má gestão. O MPLA, a cujo Comité Central Coutinho Nobre pertence, é o accionista principal do banco, através da GEFI S.A., enquanto este Coutinho Nobre detém 3,91% das acções.

Este portal teve acesso a informações segundo as quais Amorbelo Vinevala já renunciou à sua participação no negócio. As acções seriam o seu pagamento por ter estruturado e facilitado a transacção, na sua qualidade de homem de negócios, e não como advogado, ao contrário do que anteriormente reportámos.

A ilegalidade e a reputação de Angola

De acordo com um especialista do sector bancário, “não se deve receber antecipadamente dinheiro de um comprador, para a realização de aumento de capital, sem autorização prévia do regulador, o BNA, que deve investigar previamente o histórico e a idoneidade do comprador, bem como a proveniência dos seus recursos”.

Fonte do BNA mantém que não tomou conhecimento prévio da operação de compra e venda do BKI e que até ao momento não recebeu qualquer informação oficial a esse respeito. Mas, como este texto demonstra, o comprador concedeu um crédito a Jean-Claude Bastos de Morais para a realização do aumento de capital.

“Depois do que aconteceu com o Fundo Soberano, sob gestão financeira de Jean-Claude Bastos de Morais, a manutenção do BKI é no mínimo estranha. Os critérios das autoridades não casam. O Estado diz-se burlado por um cidadão que detém uma licença bancária e o seu banco de fachada continua no sistema financeiro”, diz o especialista sob anonimato.

No total, conforme dados em posse deste portal, 750 milhões dos cinco mil milhões de dólares do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) foram parar aos bolsos de Jean-Claude Bastos de Morais, como honorários e comissões de gestão. Como se sabe, grande parte do dinheiro investido pelo FSDEA foi aplicado em empresas-fantasma criadas pelo mesmo Jean-Claude Bastos de Morais.

Ademais, durante 10 anos (2009-2019), Jean-Claude Bastos de Morais manteve sob sua gestão mais de três mil milhões de dólares do BNA, em outra sangria dos cofres do Estado. Coube ao mesmo Jean-Claude Bastos de Morais – tal a facilidade com que dispunha do poder político – fornecer o sistema informático de controlo da Unidade de Investigação Financeira (UIF), por 15 milhões de dólares, e com o servidor sob seu domínio na Suíça.

A UIF, uma dependência do BNA, tem a missão de “recolher, centralizar, tratar e difundir, a nível nacional, a informação respeitante à prevenção e repressão dos crimes de branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e do financiamento do terrorismo”. Com efeito, emite “normas regulamentares e orientações gerais às entidades sujeitas, nos termos da Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo.”

Para o nosso interlocutor, a existência do BKI baixa a classificação de Angola no sistema bancário internacional. “O BKI é uma licença que foi atribuída para sugar fundos públicos – na altura da sua criação, José Filomeno dos Santos, o filho do então presidente Dos Santos, era o accionista maioritário”, diz.

“O propósito do BKI não era servir o mercado, mas controlar os fundos públicos e as operações obscuras dos seus donos. Agora é um banco sem clientes e sem depósitos. A principal actividade bancária é transformar poupanças – depósitos dos clientes – em créditos ao mercado. Então, o que faz este banco?”, questiona-se.

Ainda de acordo com o entrevistado, os investidores internacionais sérios prestam especial atenção a indicadores como o funcionamento do sistema financeiro.

“O sistema financeiro é o que garante a soberania económica de um país. O nosso sistema é actualmente considerado pária a nível internacional pela Reserva Federal dos Estados Unidos e pelo Banco Central Europeu. Apesar dos esforços do executivo, dificilmente Angola terá permissão para regressar ao sistema financeiro internacional com situações anómalas como as do BPC e BKI”, avisa.

BNA: um peso e duas medidas

O BKI é um banco de fachada que, durante anos, foi usado exclusivamente para as operações obscuras de Jean-Claude Bastos de Morais e a sua teia de empresas-fantasma. Uma dessas operações, que capitalizava o banco, era a gestão do Fundo Activo de Capital de Risco Angolano (FACRA), do Estado angolano, que lhe havia sido entregue de bandeja.

Praticamente, o único activo que o banco detém é a sua própria licença, sendo de sublinhar que o BNA não tem concedido novas licenças bancárias. O BKI não é sequer dono do edifício onde está instalado.

Por que motivo se mantém em actividade o BKI, continuando a causar sérios problemas ao sistema financeiro nacional? Por muito menos que isso, o BNA decidiu, em Janeiro de 2019, encerrar o Banco Postal e o Banco Mais.

Na altura, os accionistas do Banco Postal reclamaram que a sua instituição não se encontrava em situação de falência, argumentando que a Assembleia-Geral Extraordinária do banco, realizada a 17 de Dezembro de 2018, havia aprovado um plano de injecção de 3,8 milhões de kwanzas para cumprir com o capital mínimo de 7,5 mil milhões de kwanzas exigidos à data pelo BNA.

Segundo os accionistas, “parte deste plano envolvia um financiamento internacional”,  e “foram os trâmites necessários à formalização deste financiamento que atrasaram o cumprimento à data de 31 de Dezembro. Com esta solução e durante a primeira quinzena de Janeiro seria possível suprir o montante mínimo exigido”, referia a nota de esclarecimento do Banco Postal. Toda essa conversa de nada serviu. O BNA encerrou o banco e revogou a sua licença em definitivo. Todas as evidências de pouco ou nada têm servido no caso do Banco Kwanza, que se mantém aberto, sem qualquer actividade digna de um banco, por mais problemático que seja. Mais uma vez, o vigarista suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais brinca com as autoridades como se nada fosse.

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