Universidade em Angola: como Chegar ao Topo

Nos últimos dias, instalou-se uma celeuma em Angola pelo facto de nenhuma universidade do país surgir nos primeiros cem lugares de um ranking que estabelecia a classificação das universidades africanas.

O ranking em causa é o da Webometrics, e nele os dez primeiros lugares estão atribuídos a oito universidades da África do Sul e duas do Egipto.

Contudo, este ranking – como aliás todos os rankings – não reflecte uma verdade absoluta. Para percebermos exactamente o que está a ser medido, temos de olhar para a metodologia que foi adoptada. O objectivo deste ranking é, através de indicadores web, avaliar o desempenho global da universidade, levando em consideração as suas actividades e os seus produtos. Portanto, o que este ranking faz é analisar os links web de cada universidade para avaliar a sua qualidade. Os indicadores que servem para realizar essa avaliação são a presença na web, medida através do Google; a visibilidade, aferida através do Ahrefs Majestic; a transparência com referência ao número de investigadores citados, com base no Google Scholar Profiles; e a excelência, baseada na citação de estudos de acordo com a plataforma Scimago.

Consequentemente, o ranking que deixa as universidades angolanas para trás não é mais do que uma compilação de dados disponíveis em determinadas plataformas na internet, o que só em muito pequena medida corresponde à realidade. Não vale a pena conferir demasiada importância a este tipo de análise quantitativa em baseada em elementos digitais.

Dito isto, há que não desprezar completamente os rankings, e entender que eles são uma espécie de alerta, de aviso, que as universidades devem ter em conta. E, obviamente, as universidades angolanas têm um longo caminho pela frente para se tornarem centros de excelência.

Muito mais do que a presença na internet, há dois indicadores essenciais para aferir a qualidade de uma universidade: o ensino e a investigação. Mesmo tratando-se de uma evidência, nunca é demais repeti-lo.

Tomemos o caso do ensino do Direito para analisar de forma impressionista o que se passa em Angola. O ensino do Direito em Angola obedece a cânones clássicos antiquados, que mesmo em Portugal foram abandonados a partir de 2005/2006, com a implementação do Processo de Bolonha, que no âmbito da União Europeia generalizou um padrão em grande medida emulado do sistema inglês.

Os cursos são longos e a leccionação escolástica. Os professores preleccionam algumas teorias e alguns denominados casos práticos serão resolvidos, mas o trabalho dos alunos é mínimo, são receptores passivos e não tomam contacto com realidades práticas, nem são incentivados a criar e a inovar.

É fundamental reformar o ensino no curso de Direito, ligando-o à realidade angolana, e deixando para trás a exagerada imitação de Portugal. Ao mesmo tempo, os alunos devem ser o centro do ensino. Isto quer dizer que os alunos deveriam deixar de ser meros receptores vagamente adormecidos, mas desenvolverem eles o seu trabalho, investigando, produzindo trabalhos, indo ao encontro da realidade. Além disso, o curso deveria ser mais leve e ter mais opções à disposição dos estudantes. Mas o essencial é mesmo focar a aprendizagem no trabalho do aluno, e não do professor.

No que diz respeito à investigação científica, a tarefa que a universidade angolana tem pela frente é ciclópica, uma vez que sem manteve até aqui extremamente incipiente e sem condições mínimas de concretização.

Dois exemplos: há uns tempos, devido à confusão que é a legislação angolana, com leis dos tempos coloniais misturadas com constantes modificações, fui procurar adquirir em Luanda vários códigos básicos actualizados: Código Penal, Processo Penal, Processo Civil e Código Civil. O básico. Depois de alguma frustração nessa busca, encontrei finalmente uma livraria bem-apetrechada junto de uma universidade, onde existiam esses códigos. Quis aproveitar a ocasião para obter alguns textos de autores angolanos sobre os vários temas de direito que me interessam. Não encontrei absolutamente nada. A doutrina publicada e disponível provinha de autores portugueses sobre Portugal… Não quer isto dizer que nenhum angolano tenha escrito sobre direito angolano. Há várias obras. Mas não são as suficientes e a sua disponibilização ao público é mínima.

Não é possível aprender, ensinar, investigar direito angolano quando não há produção nacional que constitua uma massa crítica. Tem de haver uma muito maior produção intelectual dos juristas angolanos sobre o seu direito, ou dos juristas estrangeiros sobre o direito angolano. Pode acontecer que alguma dessa produção inicial não tenha qualidade, mas quanto maior for a quantidade maiores serão as probabilidades de surgir também a qualidade. É por isso importante acelerar e colocar os intelectuais juristas a escrever e a publicar sobre direito angolano.

E chegamos assim ao segundo exemplo, o das revistas científicas de direito. Em princípio, é nas revistas científicas de direito, além dos livros, que se apresentam as novas investigações e os novos conhecimentos daí resultantes.

Uma busca por revistas online de direito em Angola não apresenta quaisquer resultados. Se existem, e não se pode afirmar que não existem, a sua divulgação não está assegurada nos sistemas normais da internet.

A única excepção é a revista da Universidade Católica de Angola, denominada Juris. Esta revista parece consistente e bem elaborada, mas apenas é possível o acesso online ao índice. O último número disponível é de 2019, e dedica-se ao direito privado, com coordenação de Márcia Nigiolela e Benja Satula. Aparentemente, a revista é editada em Portugal, não se sabendo em que condições chega a Luanda. Fica desde já a sugestão de disponibilizarem a revista online, contribuindo para a divulgação do direito angolano e o incremento da investigação. Aparentemente, há também uma Revista de Estudos Jurídico-Económicos da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, dirigida pela hoje juíza conselheira Elisa Rangel Nunes, mas o último número anunciado é de 2017. Definitivamente, era importante haver pelo menos uma revista de direito angolano disponível em linha, com periodicidade aceitável e publicação sistemática.

Além destes exemplos, há que fazer referência a mais dois instrumentos fundamentais de investigação que carecem de desenvolvimento em Angola. O primeiro é a disponibilização pública da jurisprudência. O Tribunal Constitucional já disponibiliza na web os seus acórdãos. Isso é um grande avanço. No entanto, a sua consulta torna-se difícil, porque os acórdãos não estão sumariados e não existe sequer uma lista de palavras-chave referentes às matérias abordadas em cada acórdão; portanto, ou se sabe qual é o acórdão concreto que se procura ou ter-se-á de ler todos os acórdãos até encontrar o pretendido. Seria muito útil que, por iniciativa do Tribunal Constitucional ou de qualquer faculdade de direito, haver um site em que os acórdãos fossem precedidos de um sumário ou contivessem palavras-chave.

O Tribunal Supremo parece estar mais à frente do que o Tribunal Constitucional, e já tem uma ligação para sumários de acórdãos. No entanto, o trabalho parece estar muito desactualizado, sendo o último sumário de meados de 2018.

Estudar direito sem jurisprudência, sem conhecer as decisões dos tribunais, não é verdadeiramente estudar direito, é apenas estudar teorias que podem ou não ser direito. É portanto fundamental promover a disponibilização dos acórdãos dos tribunais superiores.

Finalmente, uma palavra muito rápida para a necessidade de promover seminários e conferências, de preferência internacionais, sobre o direito angolano. É do encontro dos estudiosos do direito e da discussão das suas ideias, muitas vezes opostas, que surgem as inovações e o progresso da ciência. Por isso, é fundamental organizar estes encontros.

Acredita-se que as considerações feitas a propósito do direito são válidas para outros ramos do conhecimento científico, mas, como escreveu o filósofo austríaco Wittgenstein, sobre aquilo que não sabemos, fazemos silêncio.

Ficam assim expostas algumas ideias para colocar as universidades angolanas no lugar a que têm direito: entre as dez melhores de África.

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