Evolução e Controlo da COVID-19 em África

O continente africano poderá conhecer, nos meses de Maio e Junho, um período crítico da pandemia do novo coronavírus, coincidente com a época do cacimbo, segundo o epidemiologista angolano Filomeno Fortes.

Actualmente, este médico dirige o Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal. Em Angola, já exerceu, entre outros, os cargos de director nacional de Controlo de Endemias e de director do Programa de Controlo da Malária.

De acordo com Filomeno Fortes, com a diminuição da temperatura regista-se um aumento natural das doenças respiratórias e, eventualmente, da capacidade de sobrevivência da COVID-19. A esta conjuntura vem juntar-se o relaxamento das actuais medidas de contenção, o desgaste social das populações, sujeitas a várias semanas de confinamento, e a retoma dos movimentos migratórios.

O epidemiologista nota que o mês de Maio “é crucial para a Europa, porque a temperatura está a subir [Verão] e os casos estão a diminuir”. Fortes acredita que a estabilização da pandemia nos países de maior transmissão pode reduzir o risco de disseminação no continente africano em termos de carga viral, mas um risco aumentado na movimentação de infectados assintomáticos.

“Vamos entrar numa movimentação migratória que pode ser perigosa para o nosso país. Tem de se adoptar uma política de maior contenção [em Maio e Junho], porque pode haver um grande fluxo migratório para África caso se abram as fronteiras internacionais”, enfatiza Filomeno Fortes.

Existem dois factores que, de acordo com o epidemiologista, com medidas adequadas podem contribuir para estancar a disseminação da pandemia em Angola, e em África de um modo geral. Primeiro, os níveis de infecção em África: embora o conhecimento dos números seja deficitário, a taxa “não aparenta ser muito elevada”. Segundo, a própria população africana é demograficamente jovem e, portanto, “menos susceptível às complicações da COVID-19, para além de outros determinantes ainda discutíveis, como o nível de imunização com BCG, etc”. No prato negativo da balança, encontra-se o elevado índice de malnutrição crónica nas crianças e em idosos em Angola e o elevado risco de se afectar essa franja da população, caso se generalize a contaminação comunitária. “Embora as crianças sejam resistentes ao vírus, as nossas têm diminuição da resposta imunológica (facto que por sua vez também pode contribuir para uma menor agressividade do vírus para evoluir na fase inflamatória). Daí a necessidade de medidas de maior protecção”, conclui Fortes.

Com efeito, o médico aconselha as seguintes medidas:

1. Relaxamento das medidas de contenção interna, com reforço das medidas de protecção individual.

2. Contenção do movimento migratório internacional.

3. Manutenção das medidas de quarentena de forma mais organizada e reforço

do sistema de busca activa de casos e controlo de contactos.

4. Reforço da capacidade de diagnóstico do vírus em Luanda e, pelo menos, em

Benguela e na Huíla, com técnicas específicas de RTPCR (se possível, também no

Uíje e em Malanje).

5. Reforço das medidas de protecção individual nas unidades sanitárias.

6. Organização de uma estratégia para distinção de casos leves, moderados e

complicados, e estabelecimento de áreas para os respectivos tratamentos, sendo

que os casos leves devem ficar em casa, com medidas de apoio e de controlo adequadas, para não sobrecarregarem o sistema de saúde.

7. Organização de unidades sanitárias com meios de cuidados avançados, incluindo ventilação assistida reforçada com acções de refrescamento e/ou capacitação de quadros em medicina intensiva.

8. Reforço da comunicação social, sobretudo no sentido da mobilização social

para as medidas de protecção individual e colaboração da população na detecção e notificação de casos suspeitos e vigilância do cumprimento das regras de quarentena domiciliar.

Para além destas medidas, Filomeno Fortes aconselha os serviços de saúde a não perderem o controlo das doenças negligenciadas e das grandes endemias: malária, VIH/SIDA, tuberculose. “Os doentes tuberculosos desenvolvem quadros respiratórios que podem confundir a doença”, nota o médico.

“É preciso ter em conta que à semelhança dos diabéticos, dos hipertensos, dos portadores de doenças degenerativas, os drepanocíticos são doentes de alto risco. No caso da situação epidemiológica se complicar, não se devem adoptar muitos esquemas variados de tratamento, porque vão confundir os profissionais, e ter em conta que cada doente é um caso”, conclui.

O combate a mais uma epidemia em África obedece, também desta vez, a elevados padrões de compromisso e de responsabilidade. A aliança das forças políticas, o engajamento do governo e a parceria com o sector privado e não governamental como as igrejas e as ONG, são elementos fundamentais para a implementação eficaz do Plano Global de Combate à Pandemia.

Uma última referência para a importância do acarinhamento de todos quantos se engajam nesta nobre missão, incluindo os trabalhadores da saúde independentemente da categoria profissional, e das forças da ordem.

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