COVID-19: Ministério da Saúde Viola Direito Fundamental

Até este momento, rigorosamente nada mudou para a família que vive o drama de se encontrar há mais de um mês retida na Clínica Girassol, em Luanda, sem saber se está ou não contaminada pelo novo coronavírus, tal como já aqui denunciámos há uma semana.

Trata-se de um casal e as suas duas filhas, de 1 e 9 anos de idade, transferidos pelas autoridades sanitárias da sua casa, no condomínio Golden, em Talatona, para a Clínica Girassol, no passado dia 5 de Abril.

As autoridades justificam esta medida com um “engano” do Ministério da Saúde (MINSA), que deu origem a que a família – que dias antes cumpriu a quarentena institucional no Hotel Vitória Garden, pois regressara de Portugal no dia 20 de Março – recebesse por engano alta da quarentena institucional. Apesar de a nota de alta se comprovar por meio de um documento atestando os resultados negativos dos testes à COVID-19, as autoridades de saúde alegam agora que, na verdade, o resultados foram positivos.

Trata-se de um imbróglio difícil de interpretar e cuja complexidade nos obriga a questionar a acção de uma das instituições públicas mais importantes no contexto actual, o Ministério da Saúde.

Quando se solicita aos cidadãos que cumpram cabalmente as orientações e medidas definidas pelas autoridades, é fundamental que as autoridades, por seu turno, não se descartem das suas responsabilidades essenciais: prestarem um serviço público à altura do exigível, num momento tão sensível como este que vivemos.

No contexto actual, se o Ministério da Saúde de um país emite um documento de alta institucional sem ter a certeza absoluta dos resultados que apresenta, então quer dizer que existem, aí sim, razões válidas para o pânico generalizado entre a população.

No caso desta família detida na Clínica Girassol, a acção incompreensível do MINSA agrava-se mais ainda pelo facto de as autoridades recusarem categoricamente – por motivos até aqui desconhecidos – apresentar os resultados que comprovam que esta família está infectada com a COVID-19.

Estar internado na cama de um hospital no pleno conhecimento de um diagnóstico pode funcionar, como facilmente se compreende, como factor de automotivação para a colaboração no tratamento. Algo muito diferente é a circunstância de quatro membros de uma família – cujas vidas estão completamente suspensas e confinadas às quatro paredes de um compartimento hospitalar – que não têm sequer a possibilidade de aceder aos seus próprios resultados, simplesmente porque as autoridades de saúde não permitem, nem justificam uma tal atitude.

Consultámos um jurista para saber se, no contexto de suspensão de liberdades e direitos fundamentais definida pelo estado de excepção, ou estado de emergência, a atitude do MINSA – impedir que a família tenha acesso aos seus próprios resultados laboratoriais – tem algum respaldo legal.

O jurista, que prefere não ser identificado, esclareceu-nos que, tendo em conta os decretos presidenciais que aprovam o estado de emergência, nas suas três fases, e os respectivos regulamentos, não há nenhuma suspensão ou limitação ao direito dos doentes de “serem informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado”, conforme estabelecido no artigo 13.º da lei n.º 21-B/29 de 28 de Agosto (Lei Base do Sistema Nacional de Saúde).

“Juridicamente, não havendo disposição em contrário nos decretos presidenciais do estado de emergência sobre estas questões, aplica-se a lei geral. Assim sendo, os pacientes têm efectivamente o direito de serem informados sobre a sua situação”, confirma o jurista.

“Este é um daqueles direitos fundamentais dos pacientes que, felizmente, não sofreram nenhuma alteração”, conclui.

Contactado pelo Maka Angola há uma semana, o secretário de Estado para a Saúde Pública, Franco Mufinda, assegurou a este portal que iria “interagir com a direcção do hospital para estar ao pé da família”. Uma “interacção” que, pelos vistos, leva algum tempo e não prioriza a angústia e o sofrimento de uma família presa no escuro por falhas da instituição que a protege.

Apesar de alguns tropeções, Angola esteve bem na tomada antecipada de algumas medidas de prevenção e combate à COVID-19, quando o país não tinha sequer registado oficialmente qualquer caso. Contudo, o que a história recente nos conta é que nesta batalha não podemos, jamais, até novas ordens, assumir-nos como vencedores. A imprevisibilidade da acção deste novo inimigo é tal, que o quadro pode alterar-se completamente de um minuto para o outro. O que significa que, se não houver consistência e rigor nas medidas e acções de hoje, de nada valerá o que fizemos ontem, pois é no amanhã que reside a grande incógnita destes tempos. Vale ainda a pena recordar que, até ao momento, o país regista 36 casos confirmados, 11 recuperados e 2 óbitos.

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