Moçambique em Perigo

Moçambique é, neste momento, quase um Estado falhado e pode deixar de existir na extensão total do seu território.

“Os bandidos chegaram e saíram da vila da Mocímboa da Praia em apoteose e partiram por sua livre e espontânea vontade, sem que confronto nenhum se registasse. As forças de defesa de Moçambique, desde o começo até ao fim da tomada de Mocímboa, sempre estiveram ausentes, segundo relatos pungentes das nossas fontes.” Assim escreveram Nazira Suleimane e o destemido e aguerrido jornalista Estácio Valoi sobre uma incursão dos grupos armados, habitualmente chamados BAs (Bandidos Armados), na vila de Mocímboa, no Norte de Moçambique, no passado mês de Março.

Trata-se de grupos islâmicos, e estes assaltos têm vindo a ser levados a cabo desde 2017. Ultimamente, intensificaram-se.

Soldado moçambicano na aldeia de Naunde, depois de um ataque em 2018.

Agora, já não são meros aglomerados rurais que sofrem os ataques, mas sim zonas urbanas. Nos tempos mais recentes, estas forças terroristas têm aumentado enormemente o ritmo das suas investidas, tal como têm diversificado os métodos das operações. Neste momento, chegam a ocupar temporariamente sedes de distrito nas localidades de Mocímboa da Praia, Muidumbe e Quissanga.

É muito provável que esta mudança de estratégia obedeça a uma velha táctica de conquistar e ocupar terreno. Foi a estratégia que os imperadores bizantinos, por exemplo, utilizaram no século X para voltar a tomar conta da Síria islâmica. Primeiro, lançam-se raides para avaliar a capacidade e as forças do inimigo, e estas incursões sucedem-se, não acabando na conquista definitiva do território, mas sim em conquistas e saques provisórios, infundindo o medo nas populações e desgastando o inimigo. Até que, um dia, se calibra bem a força do inimigo e se lança o ataque final que permite ocupar o espaço e só então exercer aí a soberania.

Na metodologia dos terroristas islâmicos vislumbra-se o mesmo propósito: desgastar as forças oficiais de Defesa e Segurança, avaliar o seu grau de resistência, ver como reage a população. Os ataques vão-se suceder e aumentar, até que os terroristas se sintam seguros e ocupem o território, muito provavelmente acabando por declarar a República Islâmica do Norte de Moçambique.

Este cenário é muito plausível, porque até ao momento a reacção das forças de Defesa e Segurança moçambicanas tem sido somente fugir. Muitas vezes, aparentemente, os soldados despem as fardas e misturam-se com os civis, para não serem identificados, e não oferecem resistência. Por outro lado, e infelizmente, as populações acabam por se adaptar à situação, como se vê no relato acima transcrito.

O Norte de Moçambique é rico em gás natural e em rubis, e a verdade é que faz a fortuna de alguns. No entanto, a maioria da população vive na miséria. Este cenário é, obviamente, campo fértil para o cultivo da indignação e da revolta islâmica contra o poder central.

Ora, tendo em conta a fragilidade demonstrada pelas forças de Defesa e Segurança, bem como a miséria e exploração a que a população tem sido submetida, não se torna difícil compreender que estamos perante terreno fértil para o sucesso de uma insurreição com base islâmica que divida o país e se apodere desta região.

De Maputo, as notícias que chegam são geralmente más e de incapacidade. O presidente Filipe Nyusi não consegue controlar a corrupção devastadora que domina o país, nem a situação militar no Norte do país. Aparentemente, socorreu-se de mercenários russos da companhia Wagner, ligada ao antigo chefe de cozinha preferido de Putin, Prigozhin, para combater os insurgentes. No entanto, o que várias fontes afirmam é que esta iniciativa não correu bem e que os russos sofreram pesadas baixas. Na verdade, em termos militares, eles estão mais habituados às zonas do Médio Oriente e não à África tropical. Em Setembro de 2019, pouco depois de esses mercenários terem chegado a Moçambique, começaram a surgir os primeiros relatos de que os russos eram facilmente emboscáveis, e depois mortos e decapitados. Certo é que a sua intervenção não diminuiu a actividade terrorista, pelo contrário. Agora, fala-se também de outras empresas de mercenários ligadas ao Zimbabué ou à África do Sul. Parece que o Estado moçambicano não tem força para resolver por si o problema, e tem de recorrer a mercenários; mas esta estratégia tem-se revelado sem sucesso até ao momento.

O problema adicional é que Nyusi é um líder fraco. Ao contrário de João Lourenço, não foi capaz de se libertar da influência de Guebuza e da clique que congeminou o famoso escândalo das “dívidas ocultas”. A FRELIMO está dividida entre os que, por um lado, vêem em Angola um modelo a seguir e reconhecem a necessidade de “cortar” definitivamente com o passado e, por outro, aqueles que apostam no imobilismo, não percebendo que assim estão a condenar o país.

Nyusi tentou colocar os seus aliados em pontos-chave, mas perdeu as eleições internas para os próximos do grupo de Guebuza, e por isso o país anda em círculos, sem progredir verdadeiramente.

Vários factores externos concorrem igualmente para esta situação.

Note-se que a União Europeia continua sem apoiar Moçambique. “Não haverá retomada de apoio orçamental nem novo dinheiro directo ao Governo”, garantiu o representante da UE em Maputo, António Sanchez-Benedito.

Ao mesmo tempo, a ExxonMobil voltou a adiar a sua decisão final sobre o investimento no grande projecto de gás natural em Rovuma.

Não haja dúvidas de que a desagregação do Estado em Moçambique é uma consequência possível deste estado de coisas. Estamos perante uma perigosa conjugação: terroristas islâmicos com ideais expansionistas e territorialistas, como aliás é timbre da ideologia do Estado Islâmico a que poderão estar ligados, e uma liderança fraca que não se consegue libertar dos fumos de corrupção nem colocar ao seu serviço um exército inoperante.

É justamente aqui que Angola poderá servir de apoio, e em duas frentes. Em primeiro lugar, pode fornecer forte auxílio num efectivo combate à corrupção, transmitindo ao presidente de Moçambique os ensinamentos e as práticas que tem vindo a recolher no seu próprio país. Em segundo lugar, pode colaborar no treino e aconselhamento das forças moçambicanas para agir contra os terroristas.

A situação neste país é mais grave do que parece, e necessita de rápida intervenção por parte dos aliados africanos de Moçambique.

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