Em Defesa das Zungueiras e da Economia Informal

Faz parte dos compromissos assumidos pelo governo de Angola face ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a tomada de medidas para integrar o sector informal da economia, tendo em vista, sobretudo, o aumento da receita fiscal. A leitura do Memorando sobre Políticas Económicas e Financeiras, anexo à Carta de Intenções que o governo remeteu ao FMI, deixa isto absolutamente claro.

Um tal compromisso envolve o combate às zungueiras e à venda ambulante, entre outros operadores informais da economia. O governo já tinha tomado medidas nesse sentido através da chamada Operação Resgate, lançada no final de 2018, e que visava, segundo os promotores, “reforçar a autoridade do Estado em todos os domínios, reduzir os principais factores que geraram desordem e insegurança, bem como os da violência urbana e da sinistralidade rodoviária, aperfeiçoar os mecanismos e instrumentos para a prevenção e o combate à imigração ilegal, e proibir a venda de produtos não autorizados em mercados informais”. Na verdade, o resultado foi uma repressão excessiva, chegou mesmo a haver mortos e feridos, como foi o caso de Júlia Kafrique, assassinada em Março de 2019.

O discurso público do Ministério das Finanças e de diversos responsáveis económicos vai todo no mesmo sentido: integração da economia informal na formal. Por exemplo, em 2018, o então ministro da Economia e Planeamento, Pedro Luís da Fonseca, afirmava que “o Executivo se propõe promover a sua [da economia informal] integração progressiva na economia formal, tendo para o efeito identificado as políticas e os programas que concorrem para a sua materialização”.

Há uma lógica subjacente a este combate à informalidade na economia, que é a da necessidade de receber impostos das actividades dessas pessoas e de colocar todos os agentes económicos a concorrer nas mesmas condições. Por isso, os modelos económicos abstractos costumam exigir o fim da economia informal ou a sua integração na economia formal.

E, no entanto, do ponto de vista da economia do desenvolvimento, esta política está errada. A política do governo devia ser justamente a oposta.

Devia ser uma política de apoio ao sector informal da economia, nomeadamente às zungueiras, que são um verdadeiro absorvedor de trabalho, até que um dia a economia formal já disponha de lugares para todos. A isto acresce que o sector informal é um incubador de potenciais pequenas e médias empresas de sucesso (cfr. Alain de Janvry e Elisabeth Sadoulet, Development Economics, 2016, p. 19).

Na África Austral, o sector económico informal constitui um elemento crucial de sobrevivência, até porque, nesta região, 72% de todo o emprego não agrícola reside no sector informal. Além disso, quase todos os novos postos de trabalho surgem nesse sector.

A vantagem da economia informal é que ela fornece rendimento e emprego a todas as pessoas, independentemente da sua escolaridade ou experiência. Em Angola, a maioria das pessoas empregadas está igualmente envolvida na economia informal, pois de outro modo não seria capaz de suportar todas as suas despesas.

Quer isto dizer que a economia informal ajuda, e muito, o governo angolano a resolver o problema da falta de emprego, e pode até promover o surgimento de novas empresas de sucesso. A economia informal não é uma inimiga do Estado, mas sim uma colaboradora do Estado e da paz social.

É a partir desta perspectiva que as zungueiras devem ser vistas e acarinhadas pelo governo: como auxiliares da acção governativa, pois representam uma das soluções práticas para que a situação económica e social não se deteriore.

É um erro combater e hostilizar as zungueiras.

Aqui fica, portanto, o apelo a uma mudança de política em relação às zungueiras e à economia informal. Este ainda é um tempo de apoio e incentivo a estas actividades, e não de repressão. A repressão tem custos sociais directos, e ainda desencadeia graves e sérios problemas económicos.

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