A Jubilação do Presidente do Tribunal Constitucional

Manuel da Costa Aragão tem exercido as funções de presidente do Tribunal Constitucional por nomeação do presidente da República, João Lourenço, ocorrida em Novembro de 2017. Anteriormente, entre 2014 e 2017, presidira ao Tribunal Supremo, sob nomeação de José Eduardo dos Santos. Antes disso ainda, servira como embaixador na Argentina e em Marrocos, funções que José Eduardo dos Santos, segundo uma lógica insondável, pensou que o preparariam para ser juiz num tribunal superior. Foi também, em tempos mais recuados, ministro da Justiça, vice-ministro da Justiça e deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA.

A 16 de Abril de 2020, o Conselho Superior da Magistratura Judicial deliberou a sua jubilação, em cumprimento do Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 7/94 de 29 de Abril, no artigo 56, n.º 1, a), que determina que os magistrados judiciais cessam funções quando atingem os 70 anos de idade. Assim sendo, não há qualquer dúvida de que, nessa data, Manuel da Costa Aragão deixou de ser um magistrado judicial no activo. Em termos práticos, isto significa que, uma vez terminado o seu mandato no Tribunal Constitucional, se quisesse voltar ao Tribunal Supremo para continuar a exercer, já não poderia, uma vez que se tornou aposentado.

Mesmo sendo incontroversa esta questão, têm-se debatido os efeitos imediatos da jubilação de Manuel Costa Aragão, tendo em conta a sua posição de presidente do Tribunal Constitucional. Será que a jubilação como juiz conselheiro não implica a cessação de funções como presidente do Tribunal Constitucional?

Procurarei dar aqui um contributo para o debate, bem sabendo que as estrelas imperiosas do firmamento jurídico angolano poderão ter outra opinião. Mas os nossos pensamentos não subirão tão alto, antes permanecendo na terra simples e poeirenta.

Para aqueles que consideram que um juiz do Tribunal Constitucional é um magistrado judicial, como no passado fizeram o professor Raul Araújo e o professor português Jorge Bacelar Gouveia, o assunto estaria resolvido. Se o juiz do Tribunal Constitucional é um magistrado judicial, se os magistrados judiciais cessam obrigatoriamente as suas funções aos 70 anos, tendo Manuel Costa Aragão atingido os 70 anos, automaticamente cessa o seu trabalho como presidente do Tribunal Constitucional.

No entanto, a nossa posição, já noutro texto explicitada, é que um juiz do Tribunal Constitucional não é necessariamente um magistrado judicial. A natureza e o estatuto dos juízes do Tribunal Constitucional encontram-se, naturalmente, definidos na Constituição, cujo artigo 180.º, n.º 4, determina: “Os juízes do Tribunal Constitucional são designados para um mandato de sete anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes dos restantes Tribunais.” Está aqui consagrado o princípio básico sobre os juízes do Tribunal Constitucional, que é o princípio da equiparação aos outros juízes. Quer isto dizer que há uma equiparação expressa constitucionalmente entre os diferentes magistrados. Um juiz do Tribunal Constitucional, durante o seu mandato, iguala-se aos outros juízes.

É esta regra da igualdade entre os diferentes juízes que estrutura o estatuto de cada um deles. Neste sentido, o estatuto de um juiz do Tribunal Constitucional é compósito, pois além das regras directamente desenhadas para ele, absorve as regras que estão estabelecidas para os magistrados judiciais. Consequentemente, por imperativo constitucional, as normas sobre a inamovibilidade / mobilidade dos juízes do Tribunal Constitucional resultam de duas fontes: o Estatuto dos Magistrados Judiciais e a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Se representássemos matematicamente esta questão, apresentaríamos a seguinte igualdade EJC=EMJ+LOTC, em que EJC é o Estatuto do Juiz Constitucional, EMJ, o Estatuto dos Magistrados Judiciais e LOTC, a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Assim, para compreender os efeitos práticos da jubilação de Manuel Costa Aragão, não podemos tomar apenas como referência o artigo 40.º, n.º 3 da LOTC, que dispõe que os juízes do Tribunal Constitucional, antes do termo do mandato, só cessam as suas funções em caso de:

a) Morte ou impossibilidade física permanente;

b) Renúncia;

c) Aceitação de cargo legalmente incompatível com o exercício das suas funções;

d) Demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal.

Na verdade, temos de adicionar a estas causas de cessação de funções as previstas no artigo 56.º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, designadamente a alínea a), que determina que atingir o limite de idade de 70 anos também obriga a cessar funções.

Note-se que ambos os diplomas foram redigidos antes da Constituição de 2010, pelo que facilmente se percebe que é necessária uma interpretação actualista, de acordo com a lei fundamental.

Em resumo, por força do comando constitucional que procede à equiparação para efeitos de inamovibilidade / mobilidade entre o juiz do Tribunal Constitucional e o magistrado judicial, se queremos saber os termos em que um juiz do Tribunal Constitucional cessa as suas funções, temos de analisar de modo entrecruzado as normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

Por consequência, somos obrigados a concluir que a idade de 70 anos impõe a cessação de funções também a um juiz constitucional. Não se argumente com casos passados em que tal não ocorreu, pois tal pode ter acontecido antes da entrada em vigor da presente Constituição, ou pode ter resultado de uma deficiente aplicação da lei. Um erro passado não justifica erros futuros. Em suma, em nossa opinião, Manuel Costa Aragão cessou as funções como presidente do Tribunal Constitucional automaticamente a 16 de Abril de 2020.

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