INSS: Para Onde Vai o Dinheiro dos Contribuintes e Pensionistas (Parte 1)

Não há dinheiro do Estado: o que há é dinheiro do povo, das famílias e das empresas, o qual é arrecadado pelo Governo e depois utilizado em prol do bem comum. A história que aqui vamos contar descreve com minúcia e exactidão as formas e vias de utilização desse dinheiro do povo pelo Governo de Angola. Mais do que uma reportagem, os factos descritos constituem um apelo à reflexão sobre a sociedade que queremos e pela qual devemos lutar.

Entre 2004 e 2018, um conjunto de empresas ligadas ao empresário brasileiro-angolano Minoru Dondo monopolizou contratos de perto de dois mil milhões de dólares com o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).

Responsável pela gestão das contribuições dos funcionários públicos e do sector privado, o INSS é tutelado pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS). Durante quase 25 anos (1993-2017), António Domingos Pitra da Costa Neto liderou, como ministro, esta instituição. Actualmente, ele é deputado do MPLA e membro do seu Bureau Político.

Após meses de investigação, o Maka Angola traz a lume o que realmente se passou com esses contratos de prestação de serviços adjudicados a Minoru Dondo e supostamente destinados à melhoria do desempenho do INSS.

Esta investigação divide-se em três grandes blocos. A primeira parte esmiúça quatro grupos de contratos e os contratos de auditoria que os acompanham, também com empresas ligadas a Minoru Dondo.

Na segunda parte, a publicar amanhã, a investigação é dedicada aos negócios imobiliários do INSS, envolvendo, uma vez mais, Minoru Dondo.

Minoru Dondo, o cidadão brasileiro-angolano cujas empresas receberam perto de dois mil milhões de dólares do INSS

Por se tratar do dinheiro dos contribuintes, dos cidadãos que mensalmente descontam dos seus salários e rendimentos, a investigação terá ainda uma terceira parte, a publicar dentro de dias, abordando outros investimentos imobiliários do INSS. A leitura desta parte da investigação permitirá aos cidadãos acompanhar devidamente esta instituição fundamental para todos os contribuintes angolanos.

Planos, programas, adendas e extensões

Comecemos pelos quatro grandes contratos. Primeiro, vamos falar sobre o Plano de Modernização e Desenvolvimento do Instituto de Segurança Social (PMDI), que vigorou entre 2005 e 2009. A seguir, abordamos os contratos de serviços para corrigir as falhas na execução do contrato anterior, o mesmo PMDI. Em terceiro lugar, são analisados os contratos atinentes ao Plano de Qualidade e Sustentabilidade da Segurança Social (PQ3S), vigentes entre 2011 e 2013. Por último, falaremos sobre o Plano de Sustentabilidade e Gestão da Segurança Social (PSGSS), em vigor de 2014 a 2018. Todos estes contratos têm as mesmas pessoas individuais como responsáveis últimos das entidades outorgantes.

1. Plano de Modernização e Desenvolvimento do Instituto de Segurança Social (PMDI): 2005-2009

A 30 de Novembro de 2004, o INSS e a DGM – Sistemas Lda. assinaram um contrato no valor de 200 milhões de dólares para a implementação do PMDI, por um período de três anos. O então director-geral, Sebastião Mixinge, assinou pelo INSS, enquanto a DGM se fez representar pelos seus sócios-directores Gerson António de Souza Nascimento e Mauro Franco. Esta empresa tinha formalmente como sócios, até Dezembro passado, os brasileiros Valdomiro Minoru Dondo (34% do capital social), Gerson Nascimento (33%) e Mauro Franco (33%).

Este contrato dizia respeito à reestruturação e modernização do INSS. Incluía a elaboração do estatuto orgânico, de diplomas legais regulamentadores da Lei de Bases da Segurança Social, de normas e procedimentos. A adequação dos espaços físicos, equipamentos informáticos, estudos actuariais, gestão de activos e passivos e desconcentração de serviços também faziam parte do contrato. Na prática, o INSS entregava todo o seu trabalho a uma empresa privada.

Curiosamente, a 19 de Dezembro de 2008, o INSS e a DGM, representada por Mauro Ferreira Franco, assinaram a “Adenda de Prorrogação” ao Contrato de Prestação de Serviços e Fornecimentos, no valor de 10 milhões de dólares.

Qual era o objecto dessa adenda? “A definição das condições de prestação de serviços no domínio do Plano de Modernização e Desenvolvimento Institucional [PMDI] da Protecção Social Obrigatória, com vista à manutenção do projecto na área de Consultoria Operativa.”

Todos os contratos ora referidos foram homologados pelo ministro Pitra Neto. Conforme nota o jurista Rui Verde, “a homologação implica estar de acordo, aceitar; é uma confirmação do acto praticado

2. Planos de revisão e alteração

Após este conjunto inicial, surge uma nova leva contratual realizada entre as mesmas entidades, INSS e DGM, com data de assinatura de 19 de Outubro de 2009. Desta vez, tratou-se de quatro contratos, no valor de 38 milhões de dólares, que visavam identificar e corrigir as falhas deixadas na execução dos contratos anteriores.

O INSS decidiu, então, realizar novos contratos de levantamento e revisão de processos, alteração de sistemas e de desenvolvimento. O valor de cada contrato foi superior a 9 milhões de dólares cada. Estranhamente, nenhum destes contratos (além da sua natureza imprópria, já referida) tinha prazo de execução, mas todos foram assinados e homologados pelo ministro Pitra Neto no mesmo dia.

Apenas aqui, podemos já antecipar, sem mais investigação, um óbvio prejuízo do Estado. Na verdade, um duplo prejuízo. Em vez de exigir a reparação das falhas, o Estado vai pagar uma segunda vez aos que apresentaram um trabalho mal feito.

Em qualquer relação contratual, pretende-se que o cumprimento seja total e completo, “como aliás determinam as normas sobre contratos do Código Civil e da Contratação Pública”, enfatiza Rui Verde.

“Contratos mal-executados são contratos com cumprimento defeituoso e implicam que a parte prejudicada peça indemnização por danos emergentes. Ora, se porventura o INSS tinha identificado falhas na execução do primeiro grupo de contratos, não devia fazer uma nova contratação com as mesmas pessoas e pagar-lhes mais”, argumenta o jurista. “Pelo contrário, era imperativo obrigá-los a corrigir as falhas. Não foi o que aconteceu.”

3. Plano de Qualidade e Sustentabilidade (PQ3S): 2011-2013

Vejamos agora o terceiro grupo de contratos de prestação de serviços. A 2 de Dezembro de 2010, ainda entre o INSS e a DGM Sistemas, é assinado um contrato no valor de 390 milhões de dólares, com vista à implementação do Plano de Qualidade e Sustentabilidade da Segurança Social (PQ3S). O contrato, válido por três anos, foi homologado no mesmo dia pelo ministro Pitra Neto.

Na verdade, o objecto do contrato pretendia “consolidar e desenvolver” o PMDI, existindo apenas referências vagas e indeterminadas ao primeiro dos contratos, que servem de justificação para posteriores acordos muito genéricos.

4. Plano de Sustentabilidade e Gestão (PSGSS): 2014 a 2018

Findo o contrato do PQ3S, o INSS firma mais um contrato, desta feita com a empresa Angola Prev Lda., em substituição da DGM Sistemas Lda. Esta empresa foi constituída a 28 de Junho de 2011 pelos mesmos donos da DGM – Valdomiro Minoru Dondo, Gerson António de Souza Nascimento e Mauro Ferreira Franco.

O contrato de prestação de serviços, assinado a 1 de Abril de 2014 e válido por um período de dois anos, tem o valor total de 37,4 mil milhões de kwanzas, equivalentes a 384 milhões de dólares, ao câmbio oficial do referido dia.

As extensões do PSGSS

Por meio do despacho n.º 02/2016, de 28 de Dezembro de 2016, o então ministro determinou a extensão, por um ano, do Plano de Sustentabilidade e Gestão de Segurança Social (PSGSS), de modo a “dar continuidade à persecução dos objectivos” do referido plano. Do bolso dos pensionistas saíram mais 25,5 mil milhões de kwanzas (cerca de 154 milhões de dólares, ao câmbio de referência na altura) para a consultoria da Angola Prev.

Tal extensão destinava-se também a “garantir a transferência de conhecimento aos quadros nacionais afectos aos projectos”, bem como o “enquadramento, no INSS, dos quadros nacionais vinculados ao PSGSS”. A extensão incluía ainda a implementação da “componente tecnológica da nova sede do INSS e garantir a transição dos sistemas e bases de dados”. Esse projecto era coordenado pelo actual secretário de Estado do MAPTESS, Manuel de Jesus Moreira, tendo como adjunto o ministro da pasta, Jesus Faria Maiato, exonerado ontem.

Por sua vez, a 20 de Outubro de 2017, o ministro do MAPTESS, Jesus Faria Maiato exarou o despacho n.º 02/2017, nomeando uma nova comissão interna para dar continuidade à extensão do referido programa.

Em relação a esse programa, fonte do grupo de empresas de Minoru Dondo esclarece que a Angola Prev praticamente procurou “recapitular o PMDI”. “Isso deu problemas no INSS, fizeram ajustes mas, no final de contas, era tudo uma repetição.”

Com efeito, a 19 de Julho de 2018 – no governo de João Lourenço – o INSS e a Angola Prev assinaram um novo contrato-programa de “Prestação de Serviços e Fornecimentos para a Extensão do Plano de Sustentabilidade e Gestão da Segurança Social (PSGSS)”. Essa extensão teve um custo de 48 mil milhões de kwanzas (188 milhões de dólares). Nota-se que o INSS goza de autonomia financeira e, por conseguinte, não necessita da aprovação do Conselho de Ministros para vincular o Estado angolano na assinatura de contratos com a dimensão dos valores estratosféricos que validou no total.

Na sua apreciação do referido contrato, o Tribunal de Contas anotou, através da resolução n.º 178/FP/18 de 20 de Setembro, o seguinte:

“O presente contrato é simplesmente uma extensão ‘ex-novo’ dos contratos da mesma natureza, objecto e finalidade dos anteriormente celebrados pelo Instituto Nacional de Segurança Social, sob semelhante modalidade concursal, desde 2005, com a mesma empresa Angola Prev. Limitada em regime de quase   monopólio (exclusividade) e em prejuízo da livre e sã concorrência, sempre mais benéfica para a administração pública.”

Todavia, esse mesmo Tribunal de Contas verificou todos os contratos e deu sempre parecer favorável à sua execução. Porquê? Porque, segundo a resolução da 1.ª Câmara do referido tribunal, com a referência n.º 39/FP/2014 sobre o processo n.º 127/PV/14, este deu o “visto limpo” pelo facto de o mesmo ter sido autorizado por José Eduardo dos Santos. O então presidente dispensou a realização de concurso público a favor da contratação simplificada, e autorizou as despesas.

Na monopolização pelas empresas ora referidas dos contratos chorudos com o INSS, são recorrentes as autorizações presidenciais, que as exerceu na qualidade de chefe de Governo, ou titular do poder executivo.

Entre o apoio e a adenda ao apoio temos então um somatório de 63 mil milhões de kwanzas, equivalentes a 537,8 milhões de dólares.

O facto é que durante mais de dez anos o INSS passou o tempo a modernizar-se e a garantir a sua sustentabilidade. Que resultados se vêem na realidade?

A versão de Pitra Neto

Pitra Neto, que durante 25 anos tutelou o INSS

O ex-ministro Pitra Neto justifica os contratos assinados com o conjunto de empresas do universo de Minoru Dondo “pela expertise patenteada  e o contributo que deram aos resultados globais produzidos,  assim como o estado de robustez institucional e financeira em que deixou a Segurança Social”.

“Quando saímos, deixámos mais de 3,5 mil milhões de dólares de fundos da Segurança Social, além da qualidade e quantidade de quadros formados e a presença dos serviços locais (agências de atendimento) do INSS nas principais localidades do país”, diz o deputado do MPLA. 

“Seria injusto se disséssemos que os resultados  alcançados, fruto da execução, com legalidade e eficácia desses compromissos contratuais não foram positivos. Com humildade, estamos satisfeitos com o trabalho feito, porque  os resultados disso são prova”, afirma Pitra Neto.

Segundo o ex-ministro, todos os contratos assinados com as empresas de Minoru Dondo “foram ao abrigo de concursos públicos”. 

“Como  regra (interna) da nossa instituição os principais empreendimentos nas três esferas de actividade (administração pública, emprego, formação profissional e segurança social), uma vez concluídos, eram inaugurados pelo chefe de Estado, titular do Poder Executivo, ou pelos senhores governadores provinciais”, explica o interlocutor.

“Felizmente, pode-se constatar in loco junto dos serviços competentes nas distintas localidades. O INSS é uma referência de qualidade em todo o país”, assevera o ex-ministro.

De forma ilustrativa, Pitra Neto cita o Centro Integrado de Formação Tecnológica (CINFOTEC) e suas dependências, a Escola Nacional de Administração (ENAD), o CLESE, escolas rurais de capacitação, pavilhões de artes e ofícios entre outras unidades do sector que dirigiu como provas de sucesso.

“Felizmente, o rigor, a prudência e a responsabilidade individual e colectiva evitaram que o sistema de segurança social, apesar das adversidades, insuficiências e limitações não caísse na falência. E os programas e projectos adoptados tiveram o seu impacto positivo no terreno”, argumenta.

Afastando qualquer ideia de favorecimento, Pitra Neto justifica que as escolhas quer da DGM quer da Angola Prev para a prestação de serviços no INSS vinham na sequência de concursos públicos. “Não era nossa prática a adjudicação por via directa.”

O ex-ministro nota que a Angola Prev, já na vigência do governo saído das eleições de 2017, obteve um novo contrato  com o INSS. Trata-se da extensão (terceira fase) do Programa de Sustentabilidade e Gestão da Segurança Social (PSGSS), em curso entre 2018 e 2021. Com efeito, este negócio mereceu um despacho do presidente da República, João Lourenço, a 28 de Abril de 2018, que o autorizou “por via da adopção do procedimento de contratação simplificada entre as partes”. “Se há continuidade [de projectos estatais com as referidas empresas], é porque se reconheceu legalidade e utilidade nessa relação contratual. Há resultados positivos e, isso, num contexto em que os alicerces foram criados e os projectos se mantêm com a tendência de valores similares”, descreve o actual deputado do MPLA.

Para si, “o importante é verificar se houve legalidade ou não nos contratos e se os valores justificam os resultados não só físicos, mas sobretudo no aumento quantitativo e qualitativo do capital humano, na eficiência na prestação de serviços na instituição. E aqui nada melhor do que seguir o conselho de São Tomé…”

Acerca da sua relação com o empresário Minoru Dondo, Pitra Neto revela que a mesma “é profissional, normal  e de respeito. […] O Sr Minoru penso que tem uma vasta gama de pessoas conhecidas pelo longos anos em que presta o seu contributo empresarial no nosso país.  E julgo que a sua actividade empresarial é transversal”, reforça.

A versão de Minoru Dondo

Em reposta ao Maka Angola, Minoru Dondo afirma nunca ter exercido qualquer acto de gerência ou de administração de qualquer das empresas mencionadas nesta investigação. Sublinha ter funcionado “tão somente, como sócio durante algum período, tendo se retirado do quadro societário das empresas DGM Sistemas, Lda. e Angola Prev, Lda. desde 28 de Novembro de 2017, oportunidade em que se afastou de forma integral e definitiva do capital social da empresa”.

Minoru Dondo explica que a Angola Prev resultou de um “processo de cisão-fusão ocorrido na empresa DGM Sistemas, Lda.”.

Segundo o empresário, “a Angola Prev assumiu os activos e passivos da DGM no seguimento de prestação de serviços no âmbito da Segurança Social, sendo esta a única vocação da decisão de constituir um empresa vocacionada exclusivamente como o objectivo de prestar serviços à Segurança Social”. Logo, justifica não ter havido prestação de serviços ao INSS, em simultâneo por ambas empresas.

Quanto à contratação da Angola Prev pelo INSS, Minoru Dondo revela que “houve a autorização do titular do poder executivo para a sua celebração e execução”. Lembramos que a Angola Prev assinou contratos com o INSS tanto na era de José Eduardo dos Santos, como na vigência do poder de João Lourenço. Logo, está implícita a autorização de ambos.

Minoru Dondo discorre sobre a concepção, implantação e desenvolvimento do PMDI, do PQ3S e do PSGSS como sendo três programas autónomos, “cada qual com funções e actividades próprias com vista à busca de resultados distintos”.

O empresário destaca “a título meramente exemplificativo, sem a intenção de ser exaustivo, as seguintes actividades:

“Diagnóstico organizacional, planeamento estratégico, desenvolvimento de sistemas, gestão de recursos humanos e financeiros, gestão e formação de equipas dos seus clientes, elaboração de estudos actuariais, criação de infra-estruturas, implantação de redes de comunicação de dados, criação de produtos e serviços, informatização.”

Como prova do trabalho realizado, Minoru Dondo demonstra que o INSS tem apresentado um elevado crescimento. Cita, em 13 anos de actualização, “um crescimento acumulado de 1,810 por cento no número de contribuintes”. O gráfico ilustrativo regista 9 383 contribuintes em 2002 e um total de 179 219 em 2019.

Em relação aos contribuintes, os dados fornecidos indicam “um aumento no número de segurados e pessoas protegidas de aproximadamente 1 445 937 pessoas”. O gráfico demonstra a existência de 403 mil em 2002 e o seu crescimento para 1 849 583 em 2019.

Na sua correspondência, o empresário nota também o aumento de 105 350 pensionistas até 2019, somando-se aos 37 467 existentes em 2002. Frisa também a existência, hoje, de 42 unidades de atendimento do INSS em todo o país, “com vigência de leis das mais modernas, aplicáveis ao assunto”.

“Assim, pode-se afirmar que, além de oferecer um serviço cada vez melhor para a população, o sistema mantém um excelente índice de sustentabilidade, o que garante a plena funcionalidade da Segurança Social e a criação de novos e melhores benefícios para os seus segurados”, afirma.

O empresário explica que o seu Grupo Valdomiro Minoru Dondo (VMD) “não teve e não tem nenhuma relação com o Sr. Pitra Neto, em especial que possa ser configurada como conflito de interesses nas entidades públicas onde estes servidores públicos prestaram seus serviços”. Adianta que a sua relação com o ex-ministro “é meramente institucional”.

Quanto a Sebastião Mixinge, diz nunca ter estado com o mesmo.

Em relação a dinheiros e lucros? “Os lucros sempre estiveram dentro da margem praticada pelo mercado e em todos os exercícios fiscais foram declarados à administração [Geral] Tributária] conforme exigido legalmente”, conclui.

Auto-fiscalização

A fiscalização da execução da contratação tem cabido a empresas dominadas pelo mesmo grupo de sócios, como a Macrobyte, constituída a 29 de Maio de 2008, por Claúdio Filipe Almeida Barros Vinhas e Rui Carlos da Costa. A 20 de Abril de 2010, essa empresa passou a denominar-se Macroaudit Lda., mantendo os mesmos sócios, Cláudio Vinhas e Rui Carlos da Costa.

Cláudio Vinhas é o director financeiro do Grupo Valdomiro Minoru Dondo (VMD) e tem também exercido as funções de director financeiro do Comité Miss Angola, co-propriedade da ex-primeira-dama Ana Paula dos Santos e de Valdomiro Minoru Dondo, presidente do seu conselho de administração. Rui Carlos da Costa trabalha como relações públicas do Grupo VMD há mais de vinte anos. Também subscreve como accionista “laranja” da TV Sat. Estes dois personagens surgem associados ao escândalo de venda do direito de superfície de um pequeno terreno no Talatona, inicialmente pertença do Estado, por 152 milhões de dólares. A Sonangol, empresa estatal, pagou mesmo tal absurdo.

Armazéns do Centro Logístico do Talatona, alguns dos quais adquiridos pelo INSS

A 1 de Outubro de 2014, o INSS e a Macroaudit assinaram o contrato para auditoria e fiscalização do Programa de Prestação de Serviços e Fornecimentos para o Apoio e Assistência na Implementação do Programa de Qualidade e Sustentabilidade da Segurança Social, ou seja, o PPSFAAI do PQ3S. Rubricado por Sebastião Mixinge e Merval Jurema Filho, por parte da Macroaudit, o contrato tinha um valor de 11,6 mil milhões de kwanzas (119 milhões de dólares).

A 26 de Janeiro de 2015, em reunião extraordinária da Assembleia-Geral, Rui Carlos da Costa e Cláudio Vinhas cederam formalmente a totalidade das suas quotas ao brasileiro Hércules Barbosa dos Santos, que passou a ser o único proprietário formal da Macroaudit.

“Nós aparecemos na escritura desta empresa, mas depois disseram-nos que foi desfeita. Nunca recebemos um cêntimo dessa sociedade. Não temos conhecimento que foram gerados esses valores altos e foram feitos esses negócios”, afirmam Rui Carlos da Costa e Cláudio Vinhas.

“Soube que a empresa foi aberta e nunca foi usada. Surpreende-me que apareça nesse negócio a receber valores tão altos. Sou financeiro e nunca soube desses valores”, desabafa Cláudio Vinhas. “Fizemos a cessão de quotas sem saber que a empresa tinha feito esses negócios. Entregámos a quota que não era nossa, com orientação do Minoru [Dondo]”, sublinha o financeiro. Rui Costa enfatiza: “O patrão manda, tens de cumprir.”

Mas, então, quem eram os beneficiários últimos da empresa? Os sócios fictícios recordam apenas que foi o então gestor Merval Jurema quem lhes indicou, “com orientação de cima”, para transformar a Macrobyte em Macroaudit. E “foi o Hércules [Barbosa] quem nos informou, com orientação de cima, para entregar-lhe as quotas na totalidade”.

“Nunca houve uma reunião. Nunca nos deram a possibilidade de saber que negócios foram fechados com as empresas que estavam em nosso nome, abertura de contas, nada”, descreve Cláudio Vinhas. “No fim da história, não sabemos nada. Só assinámos os papéis”, lamenta o interlocutor. Rui Carlos da Costa e Cláudio Vinhas sabem apenas que Hércules Barbosa dos Santos trabalha com Gerson Nascimento, já acima devidamente referido. Por sua vez, Hércules Barbosa afirma ao Maka Angola que nunca foi sócio ou funcionário de Gerson Nascimento. “Fui prestador de serviços”, justifica. Refere estar em Angola há 32 anos.

Por sua vez, de forma generalista, Minoru Dondo responde que “a Macroaudit é gerida por pessoas independentes e sem qualquer relação com as empresas Angola Prev e DGM, pelo que não fazem parte do mesmo grupo DGM ou Angola Prev”.

O cidadão português Luís Coutinho, ex-auditor de processos da Macroaudit, denuncia que “quem realmente mandava na Macroaudit” era Gerson Nascimento, à época sócio de Minoru Dondo na DGM e Angola Prev. “O então director-geral Merval Jurema só tinha autorização para pagamentos de ‘petty cash’. Todas as outras despesas relevantes tinha de ser por despacho de Gerson Nascimento, como chefe máximo da Macroaudit.”

Já na era de João Lourenço, a 23 de Julho de 2018, o INSS, então dirigido por Hugo Brás, deu continuidade à monopolização. Assinou mais um contrato com a Macroaudit, no valor de cinco mil milhões e 448 milhões de kwanzas (21,4 milhões de dólares) para auditar e fiscalizar a execução da adenda ao contrato do PQ3S (Programa de Qualidade e Sustentabilidade da Segurança Social). O ex-ministro Jesus Faria Maiato homologou esse contrato passados quatro dias da sua assinatura.

Em conversa com o Maka Angola, uma fonte envolvida no trabalho da Macroaudit revela como o projecto inicial, o Plano de Modernização e Desenvolvimento do Instituto de Segurança Social (PMDI), “era muito interessante e fez muita coisa”.

“Antes da intervenção do PMDI, o INSS era um caos. Nada estava documentado ou estruturado. Ao nível da contabilidade não havia nada organizado. O INSS melhorou bastante. O projecto tinha mérito, mas pelo meio perderam-se os objectivos”, afirma o interlocutor.

“A partir do PQ3S deu-se a derrapagem completa. Às vezes nem se iniciavam os projectos e passava-se para o outro plano ou programa a seguir.”

De acordo com a mesma fonte, então activa nos processos de auditoria, o “PSGSS, implementado pela Angola Prev, tinha muitos elementos que deveriam ter sido concluídos no PMDI e PQ3S, implementado pela DGM”.

Como ponto positivo, a fonte destaca que os serviços do INSS nas províncias registaram melhorias significativas em termos de infra-estruturas e atendimentos aos pensionistas. Contudo, “a partir de 2016, os serviços do INSS começaram a piorar para os clientes. Surpresa!”.

Sobre as auditorias em si aos projectos da DGM e Angola Prev, a fonte é peremptória em afirmar que “eram uma fachada”. E revela: “Fazíamos relatórios a partir dos relatórios que a DGM nos entregava. Era assim as auditorias.”

Curiosamente, segundo dados prestados pelo interlocutor, a Macroaudit existia exclusivamente para o negócio de Minoru Dondo com o INSS. “Tirando um serviço pontual feito ao Ministério da Justiça, onde a DGM tem operado, não tínhamos carteira de clientes para além do INSS.”

“A direcção da Macroaudit instruía-nos a procurar apenas projectos acima de um milhão de dólares, abaixo disso nem pensar. Numa empresa normal de auditoria, os custos com pessoal rondam os 40 ou 50%. Na Macroaudit nem chegava aos 3%”, explica.

Quanto aos montantes astronómicos envolvidos nos contratos, o interlocutor diz apenas que não faz “ a mínima ideia se se justifica ou não o trabalho realizado”.

Por sua vez, Pitra Neto refere que a pessoa mais indicada para responder sobre o trabalho da Macroaudit é o actual secretário de Estado do MAPTESS, Manuel de Jesus Moreira, por ter sido o responsável interno pela fiscalização. “Este detalhe sobre os proprietários da Macroaudit não tenho”, explica o ex-ministro sobre a ligação da Macroaudit aos donos da DGM e Angola Prev. João Lourenço exonerou ontem Manuel de Jesus Moreira.

Em termos de domínio de facto, quem executa o contrato é quem fiscaliza a sua execução. Na verdade, tal impede que, no fim de contas, se saiba com clareza e haja qualquer credibilidade em relação a quais os serviços que foram ou não prestados.

Esta investigação não termina aqui. Em seguida, vamos falar sobre os investimentos imobiliários associados ao INSS.

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