INSS: Para Onde Vai o Dinheiro dos Contribuintes e Pensionistas (Parte 2)

A segunda parte desta investigação dedica-se aos investimentos imobiliários. Porquê? Porque os investimentos realizados pelo INSS no sector imobiliário em Luanda, em negócios envolvendo Minoru Dondo, até aqui apurados pela investigação do Maka Angola, atingem os 275 milhões de dólares.

Como forma de rentabilizar o dinheiro dos contribuintes, a partir de 1999 o INSS passou a investir no mercado imobiliário. Tornou-se pioneiro ao financiar a construção dos primeiros condomínios no Talatona, em Luanda: nomeadamente Flores e Mirantes de Talatona, a cargo da MFPV.

“O Fundo de Segurança Social nunca teve prejuízos com o mercado imobiliário. Avaliámos a oportunidade em que podíamos entrar, bem como o momento em devíamos sair dessa esfera de investimento. Na área imobiliária, felizmente, fizemos investimentos com racionalidade”, afirma Pitra Neto.

Condomínio Atelier dos Sonhos

De forma significativa, a 3 de Junho de 2008, o INSS contratou a empresa Investe Grupo – Desenvolvimento Imobiliário e Participações, Lda. para a construção do Condomínio Atelier dos Sonhos. A construção de 78 apartamentos foi orçamentada em 66,5 milhões de dólares. Ou seja, o valor da obra por cada apartamento cifrava-se em cerca de 854 mil dólares.

De quem é a Investe Grupo? Valdomiro Minoru Dondo constituiu esta empresa a 9 de Maio de 2006, dois anos antes do contrato multimilionário. Como sócio testa-de-ferro, inscreveu o seu director financeiro, de nacionalidade angolana, Cláudio Filipe de Almeida Barros Vinhas.

Ora, todo o dinheiro é sempre pouco, e por isso a empresa de Minoru Dondo fez mais um contrato à parte com o INSS, e recebeu mais de 60 milhões de kwanzas para a legalização do Condomínio Atelier dos Sonhos, sendo que pelo mesmo processo já havia recebido um milhão de dólares, através da Investe Grupo. A estrutura accionista da empresa usada para esta operação, a Direccional – Desenvolvimento Imobiliário e Participações Lda., é a mesma: Minoru Dondo e, como testa-de-ferro, Cláudio Vinhas.

Luanda Medical Center

O Luanda Medical Center (LMC) é um edifício de 16 andares, situado na Rua Amílcar Cabral, n.º 3, dando nome a um centro médico privado de referência. De certo modo, o INSS pagou pela construção do edifício e detém 11 dos 16 andares. Identificámos, até à data, o pagamento total, por parte do INSS, de 45,7 milhões de dólares por nove andares.

Comecemos a 16 de Novembro de 2009, data da assinatura do primeiro contrato promessa de compra e venda de andares entre o INSS e a empresa Investe Grupo, pertencente a Minoru Dondo. Por 10,2 milhões de dólares, o INSS adquiriu dois andares não especificados. Pagou 8,2 milhões de dólares (80% do valor total) logo após a assinatura do contrato, “a título de sinal e início de pagamento”, e o restante na data de entrega dos andares.

A 24 de Janeiro de 2011, o então director de INSS, Sebastião Mixinge, solicitou autorização ministerial para a aquisição de um piso no Edifício LMC, pelo valor de 4,5 milhões de dólares. O INSS pagava 80% “à vista” e 20% após a conclusão da obra. “Esta proposta surge na sequência de termos constatado a existência de vários interessados na sua aquisição”, justifica Sebastião Mixinge.

A 17 de Outubro de 2014, Sebastião Mixinge procedeu ao pagamento de 3000 milhões de kwanzas (31 milhões de dólares) para a aquisição de seis andares no referido edifício. Os fundos foram pagos à empresa Health Finance – Gestão de Empreendimentos, Lda.

E quem aparece na Health Finance? Minoru Dondo.

Constituída a 4 de Junho de 2007, a Health Finance resultou da associação de duas empresas: a Midras, de Minoru Dondo e Ramon dos Santos, e a Starmed.

Inaugurado em 2015, o LMC é apresentado como sendo propriedade do Grupo Mitrelli, pertencente ao israelita Haim Tlaib.

Curiosamente, a 30 de Junho de 2016, Sebastião Mixinge solicitou à LMC a regularização da aquisição, pelo INSS, de nove andares no referido edifício. Em resposta, o LMC remeteu o contrato referente aos seis andares adquiridos e pagos dois anos antes. No entanto, o contrato assinado por Sebastião Mixinge tem a data de 30 de Outubro de 2015, sendo que os pagamentos foram feitos um ano antes. Pela LMC, assinaram Ari César de Carvalho e Ener Magalhães da Silva.

Pitra Neto recorda como o LMC teve a sua origem fora do âmbito das suas responsabilidades institucionais. Foi erguido no terreno onde se situava um Centro Médico de pequena dimensão do MPLA. “Propus, em 2004-2005, ao presidente José Eduardo dos Santos que poderíamos ter um estabelecimento de assistência médica, essencialmente vocacionado para a saúde preventiva, de qualidade mais elevada”, diz.

Aprovado o projecto, o ex-ministro conta que obteve financiamento para a construção do projecto por parte do Banco Angolano de Investimentos (BAI).

“Na fase final da construção, apresentei uma carta ao presidente a propor a passagem do edifício à fundação que representava os interesses do titular do espaço onde se ergueu o empreendimento [MPLA]. O presidente da República orientou então que encontrasse um modelo de solução que se ajustasse à natureza e exigências do funcionamento e actividade do Luanda Medical Center”, revela Pitra Neto.

Com essa solução ditada por José Eduardo dos Santos, qual foi a alternativa encontrada?

“Tivemos de fazer diligências, nos termos da lei e junto de eventuais parceiros nacionais e internacionais interessados, cujo objecto de actividade e tecnologia se mostrassem adequados, para garantir a gestão mais eficiente e eficaz do empreendimento”, afirma.

Segundo Pitra Neto, o projecto inicial do edifício sofreu alterações profundas “conforme parecer de entidade especializada convidada para o efeito”. “Uma vez que o financiamento obtido da instituição bancária já estava totalmente absorvido, e havendo disponibilidade nas reservas técnicas do Fundo de Segurança Social, este adquiriu alguns pisos do referido imóvel, em propriedade horizontal”, esclarece o ex-ministro.

“Não temos tido um cêntimo de benefícios no LMC”, justifica Pitra Neto, reportando-se aos custos elevados de funcionamento e actividade da referida instituição. Cita o objecto social da mesma e “o actual contexto económico, financeiro e social por todos conhecido”.

“Realçamos e valorizamos mais a responsabilidade e utilidade social que hoje o LMC representa para os cidadãos, empresas e famílias”, acrescenta.

O antigo titular do MAPTESS admite haver pressão do BAI [credor] e do INSS [co-proprietário] e confirma estar em curso o acerto de rendas pelo aluguer dos pisos do Instituto “por parte das entidades promotora e proprietária do projecto e do empreendimento, assim como a gestora do negócio-saúde, o Grupo Mitrelli”.

Sabe-se, sem mais detalhes, que ao MPLA estão reservados 20 por cento do LMC, através de um veículo legalmente constituído, enquanto o sempre presente Minoru Dondo detém 10% da sociedade.

A 5 de Julho de 2019, o director-geral do INSS solicitou à direcção da LMC o controlo dos dez andares por si adquiridos. “Sustentamos a nossa posição no sentido de as fracções [pisos] serem entregues ao INSS, provisoriamente, até à finalização da legalização das mesmas.”

“Finalmente, importa referir que de um tempo a esta parte o Tribunal de Contas questionou o INSS sobre os rendimentos do LMC, pois segundo o seu conhecimento este edifício já funciona há mais de três anos sem qualquer retorno do investimento”, revela Hugo Brás na mesma correspondência.

Edifício Consolação

Para apoiar, em termos de parque de estacionamento e alojamento para parte do staff do LMC, ao seu lado, na Rua Assalto de Moncada, construiu-se um segundo edifício de 14 andares, o Consolação. Este projecto envolveu também um investimento inicial do Fundo de Segurança Social de mais de 66 milhões de dólares. Segundo Pitra Neto, “após realizadas a ampliação e alterações de fundo do projecto inicial, procedeu-se à adopção de uma adenda”. O valor total da construção do edifício passou a ser de 84 milhões de dólares.

“Refira-se que este projecto, aquando da cessação das funções governativas, encontrava-se com um nível de execução de 35 por cento, aproximadamente, estando a ter a continuidade necessária”, ressalta o deputado.

Sobre o uso de recursos do Fundo de Segurança Social, Pitra Neto é peremptório em afirmar que “não é errado usar fundos públicos quando a lei o permite, fazendo-o de forma legal, racional, útil e eficaz, com resultados”.

“Desse modo, estando o edifício em fase final de construção, será definido contratualmente a titularidade das fracções do mesmo, atendendo ao facto de o mesmo ter sido erguido em terreno propriedade de entidade particular, e o Fundo de Segurança Social ter contribuído com a totalidade dos recursos financeiros”, avança.

O aumento do custo inicial do projecto, segundo consta, deveu-se ao facto de ter sido considerada necessária a mudança de escopo do edifício, de comercial para residencial.

O promotor imobiliário deste projecto foi nada mais nada menos que Minoru Dondo, através de um outro veículo empresarial, o Investe Grupo – Desenvolvimento Imobiliário e Participações.

Já o descritivo de custos para a construção do edifício Consolação, enviado por Minoru Dondo a Sebastião Mixinge, então director do INSS, cobra cinco milhões de dólares pelo terreno que já havia sido comprado por uma fracção. Esse documento data de 5 de Dezembro de 2013.

King’s Tower (Torre do Rei)

Homologado por Pitra Neto, a 3 de Setembro de 2011 o INSS e o Grupo Investe, de Minoru Dondo, assinaram o Contrato de Empreitada por Preço Global e Prestação de Serviços de Gestão e Planeamento Imobiliário, no valor de 61,8 milhões de dólares, para a construção de um edifício de 18 andares, com uma área total de 22 mil metros quadrados.

Denominado King’s Tower, o edifício situa-se junto às sedes do MAPTESS, do INSS e do Instituto Sapiens, nas cercanias do Largo do Ambiente.

Esse contrato resultou da proposta da Investe Grupo, que “identificou e concebeu uma nova oportunidade de negócio imobiliário”, coincidentemente no terreno contíguo ao do INSS e do ministério visado.

Centro Logístico do Talatona

Tendo identificado ainda outra oportunidade de negócio, a Investe Grupo empreendeu a construção do Centro Logístico do Talatona (CLT), com 14 lojas e 64 armazéns. Foi ao INSS, em 2011, vender sete armazéns e uma loja, com uma área total de 2760 metros quadrados, por 16,3 milhões de dólares. Basicamente, o Estado angolano comprou o metro quadrado de armazém por seis mil dólares. A 28 de Abril de 2013, o Investe Grupo vendeu mais uma loja ao INSS, pelo valor de 14,7 milhões de kwanzas (1,4 milhões de dólares).

Nas referidas propriedades, o órgão estatal acomodou um balcão de atendimento, centro de dados e de arquivos inteligentes e o seu centro de documentação e informação.

De forma extraordinária, a 5 de Março de 2017, o então director do INSS, Sebastião Mixinge, propôs o pagamento de um milhão de dólares ao Investe Grupo, de Minoru Dondo, para “a regularização jurídica dos armazéns e lojas no CLT. Passados dois meses, Pitra Neto concordou com a proposta e despachou para que se procedesse “nos termos da lei”.

Esse contrato milionário de regularização dos imóveis, por parte do Investe Grupo, consistia no “levantamento de toda a documentação do promitente vendedor” [o próprio Investe Grupo] e promitente comprador [INSS] para o acto de escritura de compra e venda. Inclusas estavam também as diligências junto das Finanças, “para comprovação de isenção do INSS relativa ao pagamento de SISA e demais emolumentos”. E ainda diligências ao cartório notarial “para instrução da elaboração da minuta de escritura de compra e venda”, elaboração da escritura de compra e venda e “coordenação com o notário para colher a assinatura do director-geral – Sr. Sebastião Mixinge – na sede do INSS”. Havia mais trabalho previsto para o recebimento desse milhão de dólares: a coordenação junto do cartório notarial para a emissão de duas certidões “de cada escritura de promessa de compra e venda, sendo uma para arquivo do INSS”, e a diligência para depósito da segunda cópia no Cartório de Registo de Imóveis e averbação de cada matriz predial; finalmente, era necessário juntar esses documentos todos em dossiês por cada armazém e loja.

A investigação sobre o INSS não termina aqui. Amanhã revelaremos o caso de três investimentos imobiliários com um custo total de 115 milhões de dólares.

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