Em Defesa da Casa do Provedor de Justiça

A Provedoria de Justiça tem um mês para abandonar as suas instalações, junto ao Ministério da Defesa, na Cidade Alta. Tem de entregar o seu edifício ao Tribunal Supremo e mudar-se para o Palácio da Justiça.

Ontem, o provedor Carlos Alberto Ferreira Pinto comunicou aos funcionários deste órgão a decisão presidencial, que lhe foi transmitida no dia anterior no Palácio da Cidade Alta.

Essa decisão não obedeceu a qualquer consulta prévia com a Provedoria.

Desde a sua inauguração, a 28 de Agosto de 2012, o edifício de seis pisos (incluindo dois de cave) da Provedoria tem sido alvo de cobiça por parte das lideranças dos tribunais Constitucional, Supremo e de Contas.

“A maior movimentação de lóbis junto de José Eduardo dos Santos, na altura, foi da liderança do Tribunal Constitucional, mas o então presidente nunca se deixou convencer e manteve sempre a dignidade da Provedoria”, explica fonte deste órgão.

O primeiro provedor de Justiça, Paulo Tchipilica, teve a visão de construir um edifício de raiz, em vez de continuar nas instalações inicialmente cedidas pela Assembleia Nacional. Já os líderes dos tribunais superiores têm tido outra atitude.

Fonte do Tribunal Supremo confirma o processo em curso e revela que o edifício da Provedoria “não tem estrutura para aguentar 21 juízes e assessores”.

Funcionários da Provedoria dão conta da movimentação de magistrados do Supremo para escolha das salas onde se instalarão. Todavia, a mesma fonte do Supremo refere que o presidente da instituição, Joel Leonardo, “ainda não comunicou formalmente aos juízes conselheiros a decisão de mudança de instalações”.

O edifício da Provedoria da Justiça deve manter-se independente e próximo dos cidadãos.

Surpreende-nos a informação de que o executivo quer despejar o provedor de Justiça das suas actuais instalações e lá colocar o Tribunal Supremo. Surpreende-nos por duas razões. Em primeiro lugar, porque não lhe compete decidir sobre o provedor da Justiça, pois trata-se de um órgão independente eleito pela Assembleia Nacional. Em segundo lugar, pelo simbolismo, uma vez que as instalações onde a Provedoria neste momento funciona são separadas de quaisquer outras e de acesso fácil ao povo, o principal beneficiário do trabalho do provedor de Justiça. Assim sendo, colocar a Provedoria junto aos outros órgãos de administração de justiça é retirar-lhe o significado próprio e complicar a vida ao cidadão.

Dispõe a Constituição da República de Angola, no seu artigo 192.º, n.º 1, que “O Provedor de Justiça é uma entidade pública independente que tem por objecto a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade da actividade da Administração Pública.” E o n.º 2 do mesmo preceito determina que “O Provedor de Justiça e o Provedor de Justiça-Adjunto são eleitos pela Assembleia Nacional, por deliberação de maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.”

Destas duas normas resulta o óbvio: que o provedor de Justiça é um órgão independente cuja função máxima é defender os cidadãos, e que o órgão de poder de onde deriva é a Assembleia Nacional. O provedor de Justiça não é um auxiliar do executivo, nem um tribunal, é uma figura diferente que se situa fora do sistema normal de poderes, com a finalidade de ser um adjuvante do cidadão nas suas relações com a Administração Pública. Nessa medida, não deve obediência a ninguém senão à Constituição e à Lei, devendo prestar contas da sua actividade à Assembleia Nacional.

É neste contexto que não se percebe por que motivo o presidente da República, João Lourenço – que defende, e bem, o combate à corrupção e a transparência das decisões –, se imiscui em danças de instalações entre a Provedoria de Justiça e o Tribunal Supremo. É evidente que a questão das instalações da Provedoria não é da competência do executivo, mas sim de quem tem de acompanhar o trabalho do provedor, isto é, a Assembleia Nacional.

A esta questão jurídico-constitucional acresce que é fundamental que o povo sinta a visibilidade da Provedoria num edifício próprio, onde sabe que se pode encaminhar para apresentar as suas queixas. Colocar a Provedoria junto aos tribunais é meio caminho andado para evitar que o cidadão se dirija lá. É sabido o temor que o cidadão comum tem de se dirigir aos tribunais, evitando a presença, mesmo como testemunha. É um atavismo tradicional e normal. Ora, colocar a Provedoria no meio do edifício dos tribunais é confundir as populações e convidá-las a não se dirigirem lá para apresentar as suas queixas, enquanto ter um edifício facilmente reconhecível e independente garante um farol de defesa dos direitos de fácil acessibilidade.

Se porventura o Tribunal Supremo se sente pouco dignificado ou maltratado nas suas presentes instalações ou as pretende vagar, tem várias opções. Há edifícios vazios ou em reconstrução/recuperação, e muitos arrestados onde poderia ser colocado com toda a dignidade.

O Tribunal Supremo não deve, de forma oportunista, aproveitar o embalo dos casos de alta corrupção que tem em mãos para se sobrepor a uma instituição independente do Estado. É falta de respeito.

Efectivamente, acreditamos que é um pouco estranho colocar os tribunais de várias instâncias e o Tribunal Supremo no mesmo complexo. É necessário conferir um lugar à parte ao Tribunal Supremo, mas não deverá ser à custa do sacrifício do provedor de Justiça, que tem o seu posto permanente de defesa da população bem localizado.

Assim sendo, pede-se a devida consideração sobre o assunto, não esquecendo que no final são todos inquilinos do povo.

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