Economia em Crise: o Contra-Ataque

“O meu centro está a desmoronar-se, o flanco direito em retirada; excelente situação. Vou atacar.” Assim, pensou o marechal Ferdinand Foch, um dos grandes cabos-de-guerra franceses da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), nas vésperas da primeira batalha do Marne que travou as forças imperiais alemãs e as impediu de ocupar Paris.

Não está muito diferente a situação da economia angolana. As más notícias circulam diariamente. Os habituais profetas da desgraça, que se auto-intitulam de especialistas, as consultoras de vão de escada com nomes ingleses – geralmente financiadas por algum marimbondo – todos se deleitam em fazer previsões catastróficas sobre o rumo do país. Não ficam sequer de fora algumas entidades reputadas, como a revista The Economist ou a agência de rating Standard & Poor’s. O tom consensual é que, entre a recessão provocada pelo Covid-19 e a queda do preço do petróleo, a economia angolana está condenada.

Sobre o real valor das análises e previsões, há que lembrar aquilo para que em 2019 alertaram os Prémios Nobel da Economia Abhijit Banerjee e Esther Duflo: para o período entre 2000 e 2014, as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), talvez a mais reputada instituição nesta área, erraram sistematicamente em mais de 2,5 de pontos percentuais. Quer isto dizer que, quando previram uma recessão de 1,5, pode ter havido um crescimento de 1, ou quando anteciparam uma estagnação de 0, pode ter havido um desenvolvimento de 2,5 ou uma recessão de 2,5…

As previsões e análises podem ser opiniões válidas, mas não seguramente uma ciência definitiva. Nas palavras de William Shakespeare, “há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.

Ora, uma das coisas que as análises não têm em conta é a especial inserção de Angola na economia mundial: o país não depende de nenhum bloco, antes actua como plataforma giratória entre vários sistemas e regiões do mundo. Apesar de manter relações com os países ditos ocidentais (Estados Unidos, União Europeia, etc.), Angola também desenvolve fortes ligações com a China, a Rússia, Israel ou a Índia, além de ter um imenso potencial na Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC). Fruto deste posicionamento geoestratégico económico, a nação dispõe de oportunidades muito diferentes das que se verificam nas economias abertas do ocidente, a partir das quais nascem as análises teóricas dominantes.

A relevância das análises e dos prognósticos deve, portanto, ser relativizada. É tempo de agir como o marechal Foch e atacar de frente os problemas da economia, com vigor e determinação, respeitando – mas não temendo – as análises calamitosas.

Para isso, há que implementar algumas medidas essenciais. A primeira diz respeito aos generais da economia. É fundamental concluir a renovação da equipa económica que acompanha o presidente, libertando-a dos indivíduos que durante 20 anos conduziram o país ao descalabro. Desde 2015 que a crise se arrasta, pois têm sido sempre os mesmos a dirigir os temas económicos, sem apresentarem quaisquer soluções e muitas vezes arrastando-se pelas capitais europeias a derramar pessimismo e dúvidas sobre a política anticorrupção do presidente. O generalato económico tem de ser substituído por agentes aguerridos, determinados, sem compromissos com o passado e sem medo do futuro. É necessária uma equipa pequena, coesa e dinâmica.

Em seguida, há que espoletar um Big Bang económico. Sendo difícil resumir em poucas linhas os principais aspectos dessa reforma económica, seguem-se alguns eixos primordiais.

Ao Estado cabem duas grandes missões. No Relatório do Banco Mundial “Doing Business 2020”, que afere as condições de cada país para criar empresas e fazer negócios, Angola encontra-se em 177.º lugar, num total de 190 economias, portanto, quase no fim da linha. Se a dificuldade em fazer negócios em Angola se mantiver, a economia não recuperará. Consequentemente, é fundamental que o Estado melhore o ambiente de negócios no país. Vejamos um exemplo concreto: segundo o mesmo relatório, demora-se entre 14 e 45 dias para obter um alvará do Ministério do Comércio para iniciar actividades empresariais no país. Possivelmente, a exigência de alvarás para os negócios deve ser um resquício das políticas de condicionamento industrial do regime colonial salazarista português, complementado pelos dirigismos soviéticos que pontificaram nas décadas de 1970 e 1980. A solução é muito simples: com excepção de indústrias muito específicas e excepcionais, devem ser abolidas todas as exigências de alvará. Outra tarefa do Estado consiste em concentrar os seus recursos no apoio à criação de empresas de futuro, como por exemplo fábricas de dessalinização ou de energia solar que assegurem o abastecimento de água e electricidade à população. A principal missão do Estado deve portanto ser esta: apontar e investir em caminhos de futuro, apostar em indústrias estratégicas, desburocratizar e liberalizar, criando bom ambiente de negócios, de modo a relançar a economia.

Depois, temos as privatizações. É tempo de avançar com um programa sério de privatizações. Não nos referimos, obviamente, às fazendas de galinhas ou às fábricas de sacos de cimento, que até agora têm constituído uma espécie de caricatura das privatizações. É preciso chamar a atenção do mundo com a privatização de 30% da Sonangol, 30% da Endiama, 50% da Unitel, 100% dos bancos comerciais todos, etc.

Ao mesmo tempo, é urgente criar mercados funcionais, sem barreiras à entrada e à competição. Provavelmente, tal passará por derrubar monopólios e oligopólios instalados, levando à cisão obrigatória das firmas existentes que dominam os mercados. Há que estudar cada mercado de bens e serviços, identificar aqueles em que há firmas dominantes que fixam preços altos, e obrigar essas firmas a dividirem-se e/ou a deixarem outras firmas entrar.

É igualmente importante criar zonas de mercado único efectivo, que permitam a livre-circulação com países vizinhos, como os Congos, e abrir realmente as fronteiras internas da SADC.

A solução para a economia angolana está num Big Bang generalizado, e não em medidas tímidas de carácter financeiro; numa reforma global e intensa, e não em abordagens paliativas. Agora que a situação é grave, sigamos o exemplo do marechal Ferdinand Foch e contra-ataquemos com determinação.

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