Superar a Tormenta: Um Novo Modelo de Desenvolvimento para Angola

Angola, de acordo com números divulgados recentemente, deixou de ser a terceira maior economia da África subsaariana para passar a quinta, tendo sido ultrapassada pelo Quénia e a Etiópia. Estes números pouco significariam se não viessem aliados a uma generalidade de más notícias na frente económica. A verdade é que a recessão iniciada a partir de 2014/2015 não terminou, mantendo-se presente no quotidiano angolano.

As variadas medidas de política económica encetadas pelo presidente João Lourenço não inverteram a crise, e é até possível que muitas delas, pelo seu carácter recessivo, a tenham aprofundado. O problema essencial é que se tem enfrentado a crise económica com os remédios que os manuais universitários norte-americanos costumam receitar para estabilização de economias desenvolvidas, quando a situação angolana é essencialmente estrutural e precisa de outra abordagem.

Vamos analisar o assunto por partes. A crise económica angolana começou em 2014, fruto da baixa acentuada do preço do petróleo que ocorreu nesse ano. Depois de 2014, o petróleo nunca mais voltou a atingir os 100 dólares por barril. Este foi o “gatilho” da crise. 

A questão é que o modelo económico angolano estava montado para o puro consumismo assente no valor alto do petróleo. Não foram criados mercados livres nem concorrência em Angola. Entregou-se tudo a uma pequena elite, que viveu do dinheiro do Estado e da criação de espaços fechados para os seus negócios, onde mais ninguém entrava. Portanto, enquanto os preços do petróleo se mantiveram altos, o Estado teve dinheiro para distribuir pelos seus dirigentes, os quais, por sua vez, faziam os seus negócios protegidos. Não havendo dinheiro do petróleo, o Estado deixa de distribuir dinheiro e os negócios vão-se afundando.

Ora, para este género de modelo económico oligárquico e fechado, as soluções não podem passar pela aplicação das receitas que estão a ser propostas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional): cortes nas despesas, cortes nos subsídios, aumentos de impostos e desvalorização da moeda. Algumas destas medidas são fundamentais e importantes, mas dentro de um projecto mais alargado de reforma da economia.

Esse projecto de reforma da economia corresponde ao instinto do presidente quando, em 2017, disse que queria ser o Deng Xiao Ping de Angola, isto é, o responsável pela grande reforma económica que lançaria o país no desenvolvimento sustentado para todos.

A reforma económica de Deng Xiao Ping adaptada a Angola não diverge muito daquilo que se passou da China, um misto de liberalização dos mercados acompanhado de um reforço das instituições estatais e muito pragmatismo, virando-se a economia para a exportação.

Em primeiro lugar, há que criar mercados livres e competitivos, o que passa por duas medidas: 1) acabar com os monopólios e oligopólios das Isabeis, dos Dinos, dos Kopelipas e dos demais; e 2) permitir a entrada fácil e sem obstáculos de novos empresários nos mercados.

Em segundo lugar, é preciso reduzir o peso do Estado produtor e privatizar. O ProvPriv, programa de privatização aprovado pelo presidente, é ambicioso, mas pouco tem saído do papel. Em 2019, foram privatizadas 5 empresas, quando estavam previstas mais de 50 privatizações… O ritmo é lento e pouco informado. Para ultrapassar este marasmo, seria útil nomear um líder forte, conhecedor e pragmático que dirigisse com dinamismo e transparência o programa de privatizações.

Reduzindo o peso do Estado produtor, reforçava-se o Estado estratégico, apostando na criação de nichos de desenvolvimento em áreas específicas onde se reconheça que Angola possa ter vantagens. Neste âmbito, o Estado apoiaria e promoveria a criação de empresas especializadas, destinadas a mercados concretos.

Ao mesmo tempo, o Estado promoveria o clima social adequado para o crescimento económico com burocracia reduzida, administração simplificada, facilidade de abertura de empresas, estímulo ao crédito bancário, rapidez nos tribunais.

É sabido, desde a análise schumpeteriana, que um processo de desenvolvimento assenta em três vectores fundamentais: o empresário, o clima social e o crédito bancário.

É neste perspectiva estrutural que a reforma económica angolana deve assentar: criar verdadeiros empresários com liberdade de inovar, entrar nos mercados e agir, promover as instituições para apoiarem o trabalho empresarial e colocar os bancos a emprestar produtivamente.

Só num segundo passo podem entrar as chamadas políticas de estabilização do FMI. Primeiro, há que lançar o crescimento, e não prolongar a recessão.

Por sua vez este programa tem de ser apresentado de forma focada e clara à população, para que todos percebam qual é o caminho. Neste momento, é uma confusão, existem vários ministros a falar de economia e finanças, inúmeros programas com siglas bonitas, mas que não servem para nada. Na realidade, a comunicação da política económica é uma confusão. E a confusão gera caos. Há que inverter esse rumo. O presidente da República não deve delegar a condução geral da política económica. Ele é o responsável e deve informar a população de forma objectiva e incisiva sobre a sua visão e os meios para alcançar o sucesso. Há que perceber que o percurso é comprido e difícil, pois trata-se de desmantelar um modelo económico falhado criado em 2002 e criar um novo modelo económico, assente num Estado estratégico e num mercado livre e competitivo. Não se faz num ano, mas tem de se começar já.

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