Ufolo: o Papel-Chave da Sociedade Civil em Angola

A liberdade conquista-se. A liberdade não surge do nada, antes se constrói todos os dias, e num ápice pode ser arrasada. É preciso lutar por ela e pela sua preservação. Ora, o ponto de partida e de chegada do novo Centro de Estudos Ufolo para a Boa Governação é precisamente a liberdade, no sentido do não-domínio de uns pelos outros e da possibilidade de desenvolvimento da pessoa com dignidade, com meios de subsistência e sem obstáculos. A nossa actividade terá como grande objectivo contribuir para alcançar e manter essa liberdade.

Queremos acreditar que Angola vive um tempo novo, um tempo de novas possibilidades e oportunidades. O fosso entre os cidadãos e as instituições públicas tem de ser superado, e as organizações da sociedade civil, como o Centro Ufolo, podem e devem desempenhar um papel essencial para eliminar esse fosso e para introduzir mudanças sociais reais e positivas.

Há várias razões para lutarmos por mudanças. A maioria dos angolanos vive na pobreza, muitas pessoas passam fome, a educação, a saúde e os serviços sociais básicos têm-se degradado sistematicamente. Entre as principais causas de tudo isto estão a corrupção e a incompetência, que continuam a ser os maiores desafios na nossa sociedade.

Acreditamos que existem agora condições para a mudança. É tempo de criarmos e consolidarmos os espaços públicos que são tão urgentes para o exercício pleno da cidadania. A sociedade angolana e o conceito de bem comum foram retalhados por uma ditadura corrupta de mais de 40 anos. É tempo de os reconstruir. Durante décadas, assistimos ao triunfo da mediocridade, do medo e da demolição dos nossos valores morais. É tempo de dar lugar à solidariedade, à integridade e ao mérito.

Só assim, com o empenho livre, democrático e pró-activo dos cidadãos, poderemos contribuir para a boa governação, o progresso social, o desenvolvimento humano e económico.

Este tempo novo não depende apenas de um presidente da República ou do esforço de uma pequena elite. Deriva, sim, do movimento consentâneo de todo um povo, pois é entre a população que se forma a mentalidade de onde surgem as ideias para a liderança. Povo e governação estão indelevelmente ligados, e é fundamental transformar assertivamente as mentalidades.

A sociedade civil tem, portanto, um papel fundamental a desempenhar, servindo de mediador entre governantes e governados e de catalisador da mudança. A estruturação da sociedade civil é um imperativo da transição que se almeja.

Todavia, as organizações independentes da sociedade civil dependem quase exclusivamente de doadores internacionais, e contam com muito pouco apoio do governo para a provisão de serviços.

Infelizmente, a situação actual das organizações da sociedade civil demonstra que a escassez e a imprevisibilidade de recursos as impossibilitam de manter pessoal qualificado e de suportar os seus programas e parcerias a longo prazo. Isso tem um impacto negativo sobre milhares de cidadãos que dependem do apoio dessas organizações para defenderem os seus direitos e deveres.

Neste momento, as organizações da sociedade civil necessitam, mais do que nunca, de apoio multissectorial. Desde logo porque, como é natural, a sustentabilidade das organizações da sociedade civil angolana não é nem nunca foi prioritária para os doadores internacionais, cuja maioria abandonou o País. Não poderia aliás ser de outra maneira, tendo em conta a riqueza de Angola em recursos naturais. É portanto necessário que haja financiadores nacionais, sensíveis e corajosos, que se comprometam com projectos cívicos a longo prazo. Esses financiadores devem providenciar recursos às organizações da sociedade civil, de modo que estas possam produzir soluções locais e inovadoras para muitos dos desafios sociais enfrentados pelos cidadãos.

Em reposta à escassez de fundos internacionais em Angola, o governo, o sector privado e os angolanos mais ricos podem tornar-se fontes de apoio financeiro e material para as organizações da sociedade civil. Por exemplo, o governo deve dar passos significativos para a criação de mecanismos de financiamentos diversificados, que sejam transparentes e não sofram interferências políticas. É importante que os cidadãos entendam que também são parte do Estado, tanto quanto os governantes, pelo que devem poder aceder aos recursos financeiros do Estado para exercerem actividades cívicas que ajudem o País a alcançar a prosperidade e o bem-estar.

Durante anos, o governo, através do seu então presidente, promoveu activamente a acumulação primitiva de capital, ou seja, o saque de Angola. Eis chegada a hora de o governo, sob nova liderança, promover uma cultura filantrópica no país. Um caminho possível, por exemplo, seria o governo criar um Fundo Nacional para a Sociedade Civil, utilizando para isso alguns dos recursos desviados pela corrupção e agora sujeitos ao processo de repatriamento de capitais e recuperação de activos. Podem ainda ser criados incentivos fiscais, com regras transparentes e exigentes de responsabilidade corporativa social, para as empresas que contribuam para o desenvolvimento da filantropia em Angola.

Temos de assumir o devido lugar da sociedade civil. Esse lugar é em todo lado. O tempo da submissão e da entrega de todas as benesses e vantagens das riquezas do País a um núcleo reduzido terminou. Não podem ser apenas os dirigentes, os “marimbondos” ou os estrangeiros a usufruir de condições de excelência para realizarem o seu trabalho. Agora, o mérito de cada um deverá tornar-se relevante e consequente, mas é preciso que se atribuam recursos para que a sociedade civil se organize e funcione com eficácia. Independentemente do passado de cada um, agora é o tempo de todos pensarmos no bem comum. E não só o governo. Quem pode ajudar, quem mais beneficiou com as riquezas nacionais, tem de pensar nos seus concidadãos, e não mais em bens de luxo, offshores e investimentos na Europa. E essa prática do bem, mesmo por parte daqueles que têm tido um comportamento errante, irá sem dúvida contribuir para alterar a mentalidade dos angolanos, hoje presa à submissão, à chantagem e à intriga.

No Centro Ufolo propomo-nos, precisamente, contribuir para a criação de uma sociedade civil mais organizada, actuante e exigente, promovendo uma visão independente e arrojada do futuro de Angola. Para isso, temos de desenvolver, de forma simultânea, uma maior capacidade de diálogo e de crítica para o bem comum.

O Ufolo vai ocupar o seu lugar na sociedade civil e contribuir afirmativamente para a discussão e a concretização da sociedade que queremos: assente na dignidade e no desenvolvimento solidário dos homens e das mulheres de Angola, livre, democrática, bem governada e com progresso económico.

* Discurso proferido na abertura do Colóquio “Juventude em Acção”, organizado pelo Centro de Estudos Ufolo para a Boa Governação no Memorial Dr. António Agostinho Neto, Luanda, 22 de Janeiro.

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