Os Novos Oligarcas e a Privatização da Sonangol

Apesar da emergência climática e da necessidade de “energias verdes”, apesar dos apelos à diversificação da economia angolana, a verdade é que, nos próximos tempos, a Sonangol continuará a ser o coração e o motor do desenvolvimento de Angola.

Sendo a principal empresa e fonte de receitas do país, a Sonangol tem vivido uma série de constantes e graves problemas. Em 2016, quando Isabel dos Santos assumiu a presidência da empresa, foi comunicado que esta se encontrava tecnicamente falida e que era necessário reestruturá‑la e pôr fim aos gastos descontrolados. Contudo, Isabel dos Santos saiu da presidência no final de 2017, e continua‑se a afirmar repetidamente que é preciso reestruturar a empresa e pôr fim aos gastos descontrolados.

No ProPriv, o Programa de Privatizações para o período 2019-2020, aprovado pelo decreto presidencial n.º 250/19, de 5 de Agosto, a Sonangol está identificada como empresa de referência nacional que será objecto de privatização. Todavia, não se sabe em que termos será efectuada essa privatização, nem quando.

Não à privatização total

A integral privatização da Sonangol não se afigura como a melhor opção, atendendo à dependência umbilical da República relativamente a esta empresa. No fim de contas, uma operação desta envergadura poderia condenar a viabilidade do Estado angolano ou criar uma nova classe de oligarcas ainda mais poderosos do que os do passado. Actualmente, a Sonangol ainda é um instrumento de soberania e afirmação estratégica do Estado em Angola.

As dificuldades da Sonangol são acima de tudo estruturais, e não conjunturais. Na realidade, a petrolífera padece de três grandes males.

Em primeiro lugar, uma gritante falta de foco: quis-se fazer de tudo e acabou por não se fazer quase nada. O facto de a Sonangol ter sido responsável pelas concessões e licitações do petróleo em Angola retirou‑lhe o estímulo para ser uma empresa eficiente: ao contar com receitas garantidas, deixou de ter à partida um incentivo para se organizar de acordo com regras eficazes e fazer face à concorrência. Uma empresa com receitas garantidas torna-se, habitualmente, preguiçosa, lenta e pouco inovadora.

Afortunadamente, neste aspecto, já se estão a tomar algumas medidas importantes, como o estabelecimento da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, instituída pelo decreto presidencial n.º 49/19 de 6 de Fevereiro, e a decisão de alienação de património e empresas não ligadas à essência da actividade da Sonangol.

Em segundo lugar, a petrolífera angolana possui uma estrutura organizativa e burocrática muito complexa e com diferentes escalões de gestão, o que lhe retira flexibilidade e capacidade de adaptação. Neste âmbito, assume especial relevo o recurso sistemático a consultores externos, o que acarreta duas consequências negativas: é dispendioso, por um lado, e não contribui para a formação e especialização de recursos humanos próprios, por outro. A Sonangol foi deixando de ser uma “escola” de excelência, para passar a ser um receptor de relatórios externos mal-amanhados. A aposta numa estrutura de gestão simples e assente no pessoal da casa é fundamental na estratégia de reestruturação que tarda em ser efectivamente implementada.

O terceiro mal, e talvez o mais relevante, é a falta de dinheiro para investimento. Tem-se percebido nos últimos tempos que a uma subida do preço do petróleo não se segue uma subida directamente proporcional das receitas da empresa, porque a sua produção efectiva diminui. Significa isto que a Sonangol não está com capacidade para aproveitar a bonança de mercado. Por exemplo, em 2018, a produção de barris de petróleo desceu 9% em relação a 2017. De acordo com a própria administração da empresa, tal desempenho explica-se por vários motivos, designadamente: “Maturidade dos reservatórios, entrada de novos projectos de desenvolvimento com baixo desempenho e degradação das instalações de produção devido a não realização de trabalhos de intervenção nos poços, bem como a falta de perfuração de novos poços por falta de unidades de perfuração nos blocos.” Facilmente se conclui que a maior parte destas razões se deve à falta de investimento e a um uso ineficiente dos recursos.

Modelo de privatização

Consequentemente, a principal medida a tomar é sem dúvida a privatização da Sonangol: esta operação, além de trazer receitas para o Estado, proporcionará os investimentos e a capacidade de gestão adicionais que são fundamentais para a sobrevivência da petrolífera. Contudo, não se defende aqui a privatização de 100% da empresa, mas sim uma privatização de 33% do seu capital, de forma a trazer investimento internacional, envolvimento do capital angolano e a motivação dos trabalhadores da própria empresa.

Estes três objectivos seriam atingidos através do seguinte modelo de privatização parcial:

Dos 33% de capital social a ser privatizado, 15% destinar-se-iam a investidores estrangeiros e seriam objecto de uma OPV (Oferta Pública de Venda), numa bolsa internacional de referência mundial com liquidez abundante.

Uma parcela de 10% seriam destinada a investidores nacionais, e seria objecto de uma OPV em Luanda.

Finalmente, os restantes 8% seriam destinados aos trabalhadores da Sonangol, que se tornariam também donos da empresa por meio da propriedade das suas acções.

Através deste modelo, a Sonangol entraria nos mercados internacionais com mais liquidez, conseguindo obter dinheiro e conquistar investidores experientes, e ainda estimularia o mercado financeiro em Luanda. E, no fim de contas, dois terços da empresa continuariam a pertencer ao Estado angolano.

Caso seja bem estudada e estruturada, de modo a evitar os “golpes” habituais nestas operações, a privatização faseada da Sonangol teria a grande vantagem de abrir de novo Angola ao mundo financeiro e ao capital internacional, lançando a empresa novamente numa senda de progresso. Por um lado, a presença numa capital mundial global obriga à eficiência, à transparência e a boas práticas de gestão. Por outro lado, estar em Luanda e pertencer, em parte, aos trabalhadores, renova o compromisso da empresa com o Estado e o povo angolano, e demonstra que, apesar da privatização parcial, os donos do petróleo continuam a ser os angolanos.

Nos tempos turbulentos que se vivem, as empresas têm de se modernizar e investir. Para isso, precisam de uma gestão competente e de obter fundos. Esse tem de ser o destino da Sonangol, ao invés do processo a que temos vindo a assistir até agora, em que a petrolífera não é mais do que uma coutada de uns poucos. Por isso se defende que o processo de privatização tem de começar parcial e faseadamente, através de um procedimento internacional, transparente e competitivo. Por algum tempo, o futuro de Angola continuará ligado à Sonangol. Nessa medida, a mudança no país começa também por esta empresa.

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