Isabel dos Santos: O Arresto e o Comunicado

A notícia do arresto do património de Isabel dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e do seu gestor Mário Leite da Silva, por um tribunal judicial angolano, espalhou-se velozmente pelo mundo fora, sendo anunciada pela BBC, o Financial Times, a Reuters e a Bloomberg, entre outros.

Em Portugal, também fez manchetes em quase todos os jornais.

Rapidamente, como é seu timbre, Isabel emitiu um comunicado: “Tendo tomado conhecimento do despacho sentença proferido ontem, 30 de dezembro de 2019, contra si, por meio da sua divulgação nas redes sociais e comunicação social, Isabel dos Santos esclarece que nunca foi notificada pela Procuradoria Geral da República ou citada pelo Tribunal Provincial de Luanda. Desconhecendo o teor da acusação contra si, não teve oportunidade de apresentar defesa. Tão pouco conhece quando teve lugar a audiência de testemunhas referida no despacho sentença, a sua identidade ou quaisquer outros supostos elementos de prova trazidos ao processo.”

Daqui, Isabel dos Santos pretende transmitir a ideia de que se trata de um processo político, sem base legal ou judicial real, enfatizando que não foi notificada nem ouvida no tribunal e com isso procurando criar a dúvida na opinião pública sobre a validade dos procedimentos legais.

Ora, convém esclarecer que não há qualquer fundamento legal para apoiar a teoria de conspiração de Isabel dos Santos nem para que esta se vitimize. Não há razão jurídica para os seus lamentos. O meio legal que a Procuradoria Geral da República (PGR) angolana utilizou é o mais simples e habitual existente no processo civil. Nesta situação não estamos perante uma acção criminal, mas perante uma providência cautelar de arresto que tem natureza cível, por isso correu na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, e não na área criminal.

O arresto civil é uma apreensão de bens de um devedor decretada por um tribunal comum, mediante solicitação de um credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito. Quer isto dizer que o Estado entendeu que detém um crédito sobre Isabel dos Santos e tem medo de não receber o que esta lhe deve, por isso veio pedir que lhe fossem dadas garantias, e essas garantias são o património que lhe foi apreendido. O Estado acredita que Isabel lhe deve dinheiro e quer assegurar-se de que vai receber esse dinheiro. É disto que se trata nesta decisão.

O arresto está previsto nos artigos 402.º e seguintes do Código do Processo Civil em vigor em Angola. Aí se prevê que o arresto pode ter lugar quando o credor tenha justo receio de insolvência do devedor ou de ocultação de bens por parte deste. Mais à frente, no artigo 403.º, descreve-se o procedimento a seguir. O requerente, neste caso o Estado, deduzirá os fundamentos do pedido e fará uma lista dos bens que devam ser arrestados. Depois disso, o juiz examinará as provas e decretará o arresto sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem suficientemente justificados os requisitos legais.

Quer isto dizer que, pela sua natureza, o arresto civil é uma acção em que não se ouve a parte contrária. O juiz é exposto perante uma série de factos: a existência de um crédito, o perigo de desaparecimento do património para pagar esse crédito e a necessidade de agir prontamente. Ficando convencido destes factos, decreta o arresto. É só depois deste acto que a outra parte é informada e se pode opor (ver artigos 406.º e seguintes do Código do Processo Civil).

No caso presente, o Estado angolano considera que Isabel dos Santos, o seu marido e o gestor Mário Silva devem mais de mil milhões de dólares ao Estado e há o perigo de não pagarem essa dívida. Nessa sequência, apresentaram as suas provas a tribunal para decretar o arresto. O juiz ficou convencido e decidiu de acordo com o pedido do Estado.

Note-se que nesta situação não estamos perante um processo-crime, pelo menos ainda, nem perante uma decisão final. Trata-se apenas de garantir um pagamento futuro.

Agora, o Estado terá de propor uma acção de fundo contra os três para justificar o arresto e o seu crédito. E possivelmente, face aos factos elencados, terá de haver um processo crime bastante alargado.

Quer isto dizer que esta medida judicial não é o fim, mas o princípio de uma complexa actuação jurídica contra Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e Mário Leite Silva; é apenas um ponto de partida, e não de chegada. Agora começará todo um movimento. O Estado terá o dever de actuar judicialmente contra Isabel dos Santos e os seus associados, de forma a justificar este arresto inicial.

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