Sabotagem: O Caso de Mário Leite Silva no BFA

O gestor da fortuna de Isabel dos Santos, o discreto cidadão português Mário Leite Silva, surgiu recentemente nas notícias a propósito do julgamento em Sintra, Portugal, que opõe a sua patroa a Ana Gomes, a antiga eurodeputada portuguesa.

Mário Silva afirmou que as declarações de Ana Gomes acerca de Isabel se afiguravam “de uma gravidade extrema”, haviam tido “um impacto profundamente negativo”, e que desde então se notava “maior nervosismo e ansiedade dos parceiros de negócios. Temos de andar constantemente a explicar que não é assim. Teve impacto ao nível financeiro, em auditorias, com clientes e fornecedores”. Não vamos aqui discutir a irrelevância das declarações de Silva. Na verdade, dizer o que disse ou dizer o seu contrário sem qualquer evidência concreta é igual a zero.

A questão é que Mário Leite Silva não é, como lhe chamou tenuemente o jornal digital português Observador, “o economista […] que representa a empresária angolana na Efacec e em outras empresas”. É muito mais do que isso. É o seu homem-chave, braço direito, elemento fundamental em toda a esquemática isabelina. É o gestor da sua fortuna.

Entre outras funções, Mário Leite Silva é o presidente do Conselho de Administração do Banco de Fomento Angola – BFA. O BFA tem a sua sede em Luanda, Angola.

Ora, segundo as nossas fontes, o presidente do Banco não está em Angola há mais de um ano. Não entra na sua instituição desde 2018. Isso tem alguma lógica na perspectiva pessoal de Mário Leite Silva. Como reportámos em 2017, Mário Leite Silva, embora não ocupasse nenhum cargo formal na Sonangol, foi o gestor de facto da companhia durante o consulado de Isabel dos Santos e terá beneficiado de algumas das transferências polémicas ocorridas durante o mandato da filha de José Eduardo dos Santos. Portanto, não admira que, quando Isabel dos Santos levantou apressadamente voo do Aeroporto 4 de Fevereiro para entrar no seu auto-exílio, Mário Silva também tenha resolvido não voltar mais a Luanda. Contudo, à lógica pessoal opõe-se a lógica empresarial e o interesse público do funcionamento transparente da banca.

A lei das Sociedades Comerciais (lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro) que, naturalmente, nas questões organizatórias se aplica às empresas bancárias, determina no seu artigo 429.º n.º 1 que o Conselho de Administração deve reunir pelo menos uma vez por mês. O mesmo articulado contém disposições referentes a essas reuniões e aos livros de Actas necessários para comprovar a existência de reuniões. Depreende-se da leitura desses preceitos, designadamente do número 6 do artigo 429.º, que as reuniões são presenciais. Torna-se evidente que o presidente do BFA tem estado ausente dessas reuniões obrigatórias por lei. Eventualmente, pode-se alegar que a moderna tecnologia permite que o presidente assista às reuniões em videoconferência e que se deve fazer uma interpretação actualista da lei. Propendemos a aceitar essa visão legal, mas não como regra absoluta.

Não é concebível que um presidente de uma instituição não se desloque a essa instituição durante todo um ano. Não será possível acompanhar de forma diligente e adequada a gestão da empresa. Um presidente ausente é um presidente demissionário.

É altura de perguntar o que faz o Banco Nacional de Angola (BNA)? Mais uma vez, a lei. Neste caso, a Lei n.º 16/10, de 15 de Julho, Lei do Banco Nacional de Angola. Não é preciso aprofundar muito. Basta invocar o artigo 21.º, n.º 1 b), que estabelece competir ao BNA “apreciar a idoneidade e aptidão dos administradores e dos directores das mesmas instituições” (sublinhado nosso). Torna-se evidente que, em termos objectivos, Mário Silva não tem aptidões, neste momento, para desempenhar o cargo de presidente do Conselho de Administração do BFA. Não tem essa aptidão porque não está no banco. Não vai ao banco. Na prática, o BFA é um banco sem líder. É, consequentemente, dever do BNA confrontar o BFA com esta irregularidade e exigir que Mário Silva desempenhe as suas funções efectivamente ou se demita. Presidente ausente não é diligente. Não cumpre a lei.

Obviamente, a situação exige a intervenção rápida e urgente de Lima Massano. A omissão do banco central será, evidentemente, mais um sinal da sabotagem que muitos dos altos cargos reciclados e transitados do eduardismo intentam em relação aos desígnios reformistas do presidente João Lourenço.

Ficamos, mais uma vez, à espera.

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