As Picadas do “Banco” Sonangol: o Caso Mosquito

A Falcon Oil, S.A. apresentou, a 3 de Dezembro passado, uma queixa contra a  Sonangol no  Tribunal Provincial de Luanda. Queixa-se de ter sido arbitrariamente excluída do Bloco 15/06, operado pela multinacional ENI, onde detinha uma participação de cinco por cento. E exige uma indemnização de 743 milhões de dólares.

De que se queixa a Falcon Oil, S.A., empresa detida pelo empresário angolano António Mosquito?

Tudo começa com o uso da Sonangol como banco privado.

O Banco Sonangol

Não há, formalmente, um Banco Sonangol, mas é sabido que esta empresa funcionou como financiador ilegal de muitos dirigentes angolanos. O caso do empréstimo/doação a Isabel dos Santos para adquirir as acções da companhia petrolífera portuguesa GALP é conhecido e já foi amplamente divulgado. Outros casos existem em que a Sonangol financiou entidades privadas, como na Unitel.

Sobre estas actividades bancárias da Sonangol é urgente fazer um levantamento exaustivo e perceber quem delas beneficiou. Aqueles que receberam os empréstimos da Sonangol, que reputamos como ilegais, têm de fazer duas coisas muito simples: devolver o dinheiro emprestado, acrescentado de juros; devolver todos os dividendos que receberam por conta desse dinheiro, uma vez que esses dividendos pertenciam à Sonangol. Há de facto muitos biliões de dólares que têm de ser devolvidos à Sonangol.

Quem não teve a mesma “sorte” que outros foi o empresário António Mosquito e a sua Falcon Oil. A incursão de Mosquito no sector dos petróleos foi desastrada, atribuindo o empresário responsabilidades à Sonangol. Vejamos a história.

Em Novembro de 2006, foi aprovado por Decreto n.º 84/06 um Contrato de Prospecção e Partilha de Produção do Bloco 15/06, do qual Mosquito, através da Falcon Oil, detinha 5%. Para fazer face às suas responsabilidades nesse contrato, a empresa avançou, até 2012, com 84 milhões de dólares americanos. No entanto, a queda do preço do petróleo, que a partir de 2014 nunca mais retomou os valores apreciáveis anteriores, impediu que a empresa tivesse fundos para continuar a participar na exploração do bloco e a investir como era obrigada contratualmente. Foi nessa altura que se iniciaram negociações entre a Falcon Oil, instituições bancárias nacionais e internacionais e a Sonangol, para que esta concedesse um financiamento de forma que a Falcon Oil pudesse manter a sua exploração petrolífera.

Por carta datada de 28 de Março de 2014, assinada por Francisco de Lemos José Maria, então presidente do Conselho de Administração da Sonangol, era assumido que “no seguimento de negociações mantidas entre a Sonangol, E.P. e a vossa empresa no que se refere a solicitação de financiamento, vimos confirmar a disponibilização do montante correspondente às obrigações vencidas e vindouras até ao início da fase de produção do Bloco 15/06”. Assim, a Falcon Oil poderia fazer cumprir com as suas obrigações.

Depois disto, nada mais aconteceu, a não ser o protelar do compromisso anteriormente registado. Depois, numa reunião realizada na sede da Sonangol a 23 de Dezembro de 2014, Francisco de Lemos José Maria impediu a participação de Horácio Mosquito, director-geral da Falcon Oil, não lhe dando acesso a qualquer informação ou justificação.

A quebra com a Falcon Oil

Posteriormente, a 2 de Dezembro de 2015, a Sonangol comunicou à Falcon Oil a sua exclusão da exploração do bloco petrolífero por falta de pagamento. À data, os pagamentos (cash calls) que a Falcon Oil devia pelas suas obrigações financeiras mensais no Bloco 15/06 ultrapassavam os 243 milhões de dólares.

A Sonangol, claramente, teve duas posições. Primeiro, prometeu apoio, depois declinou esse mesmo apoio e “deixou cair” a Falcon Oil, para usar uma expressão popular. Seria interessante perceber o contexto político das negociações desta época.

O facto é que o bloco petrolífero em causa é hoje um dos blocos petrolíferos mais rentáveis. O que a Falcon Oil estranha é que não era a única com obrigações em atraso, e que o seu afastamento se tenha dado na véspera de o bloco começar a ser rentável.

Os aspectos jurídicos deste caso estão em discussão em tribunal numa acção que opõe a Falcon Oil à Sonangol. Para um estudioso de Direito, a questão é muito interessante, pois envolve a aplicação do princípio da boa-fé e da responsabilidade pré-contratual. Na verdade, não se estava perante o incumprimento de um contrato ou mesmo de um contrato promessa. Tratava-se apenas de um compromisso para a realização de um contrato no futuro, mediante o qual a Sonangol emprestaria dinheiro à Falcon Oil. Aguardamos com expectativa as conclusões do tribunal.

No entanto, não é isso que nos faz reflectir sobre este caso, mas sim, a questão do papel que a Sonangol desempenhou e desempenha. Quais as razões que levaram a Sonangol a tornar-se no banco dos mais importantes empresários do país? Não sendo a actividade da Sonangol financeira, mas sim petrolífera, nunca deveria ter emprestado dinheiro, a não ser que se tivesse criado um braço financeiro com regras específicas, o que não aconteceu. Sabe-se hoje quais os montantes emprestados pela Sonangol? Onde estão registados? Existe alguma iniciativa, alguma acção concreta para receber de volta esses montantes?

No caso concreto, por que motivo a Falcon Oil não recebeu o financiamento, quando outros milhões ou biliões saíram arbitrariamente da petrolífera para outras figuras influentes e dirigentes? A situação de António Mosquito, então empresário bem relacionado com o palácio presidencial, é demonstrativa da forma caprichosa como o poder funcionava. Uns recebiam, outros não recebiam, dependendo da vontade de um chefe. Nada disto faz sentido.

A história da exclusão da Falcon Oil do bloco 15/06 é exemplificativa do que não pode acontecer: a Sonangol ser um banco privado sem controlo, nem cumprimento de regras, as combinações opacas e obscuras, as promiscuidades políticas e económicas. Como lição singela e fundamental deste caso, conclui-se que a Sonangol tem urgentemente de fazer um inventário e ir buscar onde quer que estejam os empréstimos milionários realizados por si a empresas de dirigentes, familiares, amigos e testas-de-ferro.

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