Prepotência de Juiz da Lunda-Norte: O Caso Miguel Sombo

Na Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial da Lunda Norte há um juiz de Direito chamado Paulo Luís Despique. Esse juiz tem tido um comportamento pouco consentâneo com a Constituição e as normas legais que regem Angola, num caso que temos acompanhado, e que terá envolvido extorsão de dinheiro por parte do investigador do SIC Fausto Luhame e omissões graves na investigação por parte do procurador do Ministério Público, António Cândido.

António Cândido é o mesmo procurador que recentemente libertou o violador de uma menina de 10 anos, porque, segundo a sua própria justificação à mãe da criança, o órgão genital da vítima não foi danificado.

Miguel Sombo foi condenado pelo juiz Paulo Despique, no Tribunal da Lunda Norte, a mais de quatro anos de prisão efectiva por roubo qualificado de uma motorizada. O que começou por ser uma altercação depois de Sombo ter viajado como passageiro num mototáxi, na vila de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda-Norte, e ter faltado ao pagamento de 100 kwanzas (30 cêntimos de dólar, ao câmbio oficial), acabou como um roubo, da forma mais inaceitável possível.

Um dado que escapou à investigação inicial feita pelo Maka Angola, e bem explicada pelo condenado ao mandatário, tem a ver com a razão da altercação. Segundo Miguel Sombo, o mototaxista deixou-o muito antes do destino, sob pretexto de dar boleia a um seu amigo, e mesmo assim exigiu o pagamento integral da viagem, no valor de 200 kwanzas. O mototaxista e o tal amigo foram os primeiros a espancar Miguel Sombo, tendo depois gritado “gatuno!”, para que a turba se juntasse ao espancamento, sem saber o que tinha realmente acontecido.

O pior de tudo é ver a Polícia Nacional, o SIC, a PGR e o Tribunal alinhados com a ignorância popular, mas por má-fé e por corrupção, não por desconhecimento. Lembramos que o investigador do SIC, Fausto Luhame, extorquiu dinheiro à família para a libertação de Miguel Sombo, que nunca ocorreu, tendo por isso enganado deliberadamente os pais do ora condenado.

A acusação e respectiva condenação basearam-se numa suposta confissão de Sombo e somente nas declarações dos queixosos. O problema é que a confissão foi arrancada com um misto de pancadaria, ameaças e manobras astuciosas. Sombo conta que Fausto Luhame o obrigou a assinar um documento “para ser já libertado”, sem que lhe tivesse sido permitido ler o que lá estava escrito. Esse documento era, afinal, uma confissão “do roubo qualificado” da motorizada.

Não é possível condenar alguém com base numa confissão falsa e em afirmações de quem se queixa, quando Miguel Sombo desmente categoricamente o roubo. Ninguém assistiu, ninguém viu. O arguido nega. Isto somente seria suficiente para que o juiz tivesse dúvidas e decidisse pela absolvição. Mas não o fez. Pelo contrário, condenou.

A condenação torna-se ainda mais injustificável do ponto da técnica jurídica, quando não se vislumbra momento algum, na narrativa apresentada, em que a mota tivesse saído da posse do seu dono. Como é que há um roubo se não se leva o objecto? Não há qualquer subtracção nesta história. Portanto, mesmo que Miguel Sombo tivesse alguma intenção, o crime não se consumou, seria apenas punido por tentativa. Ora, a punição por tentativa é muito diferente da punição por crime consumado, como é óbvio.

Chocado com esta história, mas querendo comprovar os factos no processo judicial, em Outubro de 2019, um novo mandatário, que se interessou pelo caso por constituir uma injustiça claríssima, pediu para ter acesso aos elementos do caso, aquilo a que em Direito se chama ter a “confiança do processo”, isto é, conhecer o mesmo e poder levá-lo para o escritório ou para casa, para o estudar e preparar os requerimentos convenientes.

Ora, a 1 de Novembro passado, o juiz assina um despacho em que decide que, como o advogado não faz referência ao domicílio profissional dentro da jurisdição onde efectuará a referida consulta, não lhe permite ter acesso ao processo. Aparentemente, o juiz acha, com base em qualquer lei que não existe, que só os advogados com domicílio na província podem pedir processos confiados.

Para fundamentar esta estranha decisão, o juiz invoca o artigo 169.º do Código do Processo Civil. Curiosamente, este artigo possibilita a consulta do processo aos advogados em casa, sem distinções, sendo esta possibilidade tomada como um direito claro do advogado, e não algo sujeito à discricionariedade do juiz. Assim, não se percebe o fundamento da recusa, pois a morada do advogado constava na folha timbrada entregue nos autos. Portanto, temos um juiz que decide contra a lei, invocando a lei. É demasiado bizarro.

A justiça tem de ser igual para todos, e a lei deve ser aplicada do mesmo modo. Temos visto nos últimos meses advogados e juristas do mais alto calibre “rasgar as vestes” relativamente aos supostos desmandos que se verificam a olho nu nos processos e julgamentos dos “marimbondos” do regime eduardista. Lembram-nos aquele episódio bíblico contado em 2 Samuel 13:30-31: “Chegou a seguinte notícia ao rei: Absalão matou todos os teus filhos; nenhum deles escapou. O rei levantou-se, rasgou as suas vestes, prostrou-se com o rosto em terra, e todos os conselheiros que estavam com ele também rasgaram as vestes.” Pois rasguemos também nós as vestes e tomemos medidas, em primeiro lugar, relativamente aos mais pobres, aos mais frágeis, aos mais desprotegidos da sociedade, a quem nem sequer deixam os advogados exercer a sua profissão.

Interpelemos o juiz Paulo Luís Despique, da Lunda-Norte, e exijamos-lhe justiça e um comportamento imparcial em relação a Miguel Sombo.

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