O Comunicado Oco de Isabel dos Santos sobre Ana Gomes

Quem lida há algum tempo com Isabel dos Santos já sabe que ela, quando se sente particularmente afectada por algum comentário ou opinião, emite longos comunicados. Regra geral, esses comunicados não passam de relambórios confusos e vagos de supostos factos que não resistem a uma análise cuidadosa.

É o que acontece com a longa peça tornada pública a propósito da entrevista em que Ana Gomes (ex-deputada portuguesa ao Parlamento Europeu), no canal de televisão SIC, acusa Isabel dos Santos dos Santos de lavagem de dinheiro (15 de Outubro de 2019). O comunicado de resposta emitido por Isabel levanta demasiadas questões e produz afirmações descaradamente insustentáveis, que têm de ser confrontadas e contraditadas.

Vejamos apenas os pontos essenciais, para não nos perderemos na floresta caótica de pormenores que Isabel dos Santos lança para confundir os tolos entre as brumas da perplexidade.

Afirma o comunicado que é falso que Isabel dos Santos tenha deixado de ser accionista do BPI por imposição de autoridades nacionais e internacionais de supervisão financeira, e que a sua saída foi um movimento accionista normal. É evidente que não foi assim. Lembremos a carta de 16 de Dezembro de 2016, em que o líder da ABE (Autoridade Bancária Europeia, organismo europeu de supervisão bancária), Andrea Enria, se dirigia à então eurodeputada Ana Gomes e seus colegas. Na missiva, Andrea Enria manifestava as suas preocupações relativamente à intervenção de Isabel dos Santos na banca europeia. Nesse documento, primeiramente, a ABE reportou que durante o ano de 2016 tinha trabalhado em estreita colaboração com o Banco de Portugal, e que podia informar que Isabel dos Santos já não fazia parte de qualquer Conselho de Administração de nenhum banco europeu. Percebe-se, da leitura atenta do documento, que a ABE estabelecera como objectivo afastar Isabel dos Santos da administração de qualquer banco na Europa. A carta anunciava aos deputados europeus a consecução desse objectivo.

Ana Gomes, ex-deputada portuguesa ao Parlamento Europeu que acusou publicamente Isabel dos Santos de lavagem de dinheiro.

Uma segunda preocupação da ABE era a detenção, por parte de Isabel dos Santos, de posições accionistas na banca europeia. A ABE reconhecia que Isabel dos Santos detinha posições relevantes no BPI e no BIC portugueses, e que obteve essas posições devido a deficiências portuguesas na implementação de directivas europeias. Foram essas anomalias que impediram o Banco de Portugal de recorrer às variadas fontes de informação a que era obrigado, em virtude da lei europeia, para averiguar a reputação, o conhecimento e a experiência da accionista Isabel dos Santos.

A ABE, ao mesmo tempo, poupava o Banco de Portugal à desonra de ver instaurado um processo por violação da lei europeia no caso de Isabel dos Santos, e obrigava-o a rever os seus procedimentos, e em especial a atentar à posição de Isabel dos Santos no BIC. Quanto ao BPI, a ABE considerava que a venda da posição de Isabel dos Santos resolvera o problema.

Fica então bastante claro, a partir de tudo o que se referiu, que a ABE via com suspeita a participação de Isabel dos Santos como accionista de bancos na Europa, sendo bastante óbvia a posição da máxima entidade reguladora europeia quanto à presença de Isabel dos Santos na banca da União Europeia.

O EuroBic

Em Maio de 2016, foi tornado público um relatório do Banco de Portugal sobre a má gestão do BIC, o banco de Isabel dos Santos em Portugal, de cujo Conselho de Administração esta fazia parte. O supervisor português arrasava a gestão do BIC. Na altura, escrevia o Banco de Portugal, o “BIC apresenta um conjunto de fragilidades relevantes na estrutura de governo interno, nomeadamente ao nível do funcionamento dos seus órgãos sociais, do envolvimento dos mesmos na definição, discussão e acompanhamento da estratégia e da actividade corrente do banco e da adequação dos recursos alocados às funções de controlo”. E criticava expressamente Isabel dos Santos: “Isabel dos Santos, a maior accionista do BIC com 42,5% do capital, apenas compareceu em uma reunião realizada em 2013. Em nenhuma das reuniões do Conselho de Administração de 2014 ou de 2015 a empresária esteve presente, e em nenhuma delas se fez representar.”

Em Junho de 2016, depois deste relatório, Isabel dos Santos demitiu-se da administração do BIC; afirmando o próprio Banco de Portugal que não havia controlo no banco, dificilmente se poderá garantir que não houve séria e variada actividade de branqueamento de capitais.

EFACEC

Sobre o negócio da EFACEC, também referido no comunicado, começamos por fazer uma pergunta: o que levou o presidente João Lourenço a ordenar a saída da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) da parceria com a Efacec Power Solutions? Basta relembrar os factos: em Junho de 2015, foi anunciado que Isabel dos Santos ia comprar a EFACEC. O preço da compra seria de 200 milhões de euros. Também em Junho de 2015 circularam notícias segundo as quais a EFACEC, depois de comprada, seria a fornecedora de material eléctrico para três barragens em construção em Angola, incluindo Cambambe e Laúca. A compra seria efectuada por uma empresa-veículo com o nome de Winterfell Industries.

Torna-se público, em 18 de Agosto de 2015, que o pai-presidente José Eduardo dos Santos tinha exarado um despacho presidencial segundo o qual uma empresa pública angolana de electricidade compraria 40% da Winterfell por preço desconhecido. Em Setembro de 2015, a compra já se tinha concretizado e a Winterfell Industries, pertencente a Isabel dos Santos, já detinha 65% da EFACEC. O resultado da elencagem dos factos aparenta ser simples, o Estado angolano foi sócio de Isabel dos Santos na compra da EFACEC e preparava-se para lhe entregar várias obras de grande porte. O pai alavancou a filha, por via do nepotismo e do abuso de poder, em circuito fechado.

UNITEL

A arbitragem que decorreu em Paris refere-se a um processo que opõe a PT Ventures (antiga Portugal Telecom, entretanto fundida com a OI) à Vidatel (empresa que detém a participação de Isabel dos Santos na Unitel). Além de a arbitragem ter sido decidida contra a empresa de Isabel dos Santos, o mais caricato foi a presença desta em audiência. No depoimento que prestou em França, embora protegida pelo seu exército de advogados portugueses, vieram ao de cima as fragilidades de Isabel. Perante cinco juízes arbitrais internacionais, Isabel foi confrontada com variadas questões durante mais de cinco horas. As suas respostas refugiaram-se demasiado nos vagos “não me lembro”, “não sei”. Isabel utilizou esta estratégia pelo menos 40 vezes.

No quarto dia, quando questionada acerca da atribuição de bónus em dinheiro na Unitel a si própria e confrontada com a acta relativa a essa decisão, começou por dizer que não sabia se tinha comparecido em tal reunião: “Eu não sou muito boa com datas”, afirmou. Depois, leu a acta e confirmou que tinha estado presente na reunião. Porém, quando questionada sobre o conteúdo da acta que se referia ao pagamento de bónus em dinheiro a ela e a outros administradores, respondeu: “Eu não me lembro de pagamentos de bónus. Não me lembro disso.” No mesmo quarto dia, Isabel também foi questionada sobre o facto de a Unitel ter transferido para a sua empresa Tokeyna o direito a receber 465 milhões de dólares que haviam sido emprestados para outra empresa sua, a Unitel International Holdings, por 150 milhões de dólares, gerando assim uma perda para a Unitel de 315 milhões de dólares. Isabel assinou os contratos, mas não sabe os detalhes.

O diálogo que se segue entre o inquiridor e Isabel é hilariante:

“Pergunta: Reconhece a assinatura no contrato mostrado na página 23 como sendo sua?
Resposta de Isabel: Sim.
Pergunta: De acordo com este contrato, a Unitel entregava à Tokeyna o direito de ser ressarcida de sete empréstimos da UIH? Correcto?
Resposta de Isabel: Sim.
Pergunta: E em troca desse reconhecimento a Tokeyna tem de pagar 150 milhões de volta à Unitel?
Resposta de Isabel: Não sei os detalhes.
Pergunta: Tem conhecimento de que os valores devidos à Unitel eram superiores a mais de 150 milhões de dólares?
Resposta de Isabel: De novo, não sei os detalhes.
Pergunta: Sabe que este contrato causou elevados prejuízos à Unitel?
Resposta de Isabel: Eu não preparo as contas da Unitel. São os contabilistas e os serviços que as fazem. (…) Eu só aprovo as contas, não as faço.”

Esta última afirmação sintetiza a incongruência das afirmações de Isabel. Quem assina as contas é responsável por elas e deve saber o que nelas consta. Isabel dos Santos nunca sabe, nunca conhece, nunca se responsabiliza.

A Galp

Uma nota final sobre a Galp. É hoje claro que foi a Sonangol que adiantou o dinheiro a Isabel dos Santos para a compra da sua participação pessoal na Galp, e não é claro, sequer, se esta já devolveu à empresa estatal esse dinheiro. Aparentemente, queria devolvê-lo em Kwanzas, o que não foi aceite, pois recebeu-o em divisas. Sobre a Sonangol e a origem da fortuna de Isabel dos Santos, não nos alongaremos por agora mais. Apenas informamos que está em curso uma profunda investigação sobre o tema, a qual trará à luz novos e dramáticos elementos.

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