Comissão Nacional Eleitoral à Deriva a Um Ano das Autárquicas

O juiz conselheiro Joel Leonardo, quando chegou à presidência do Tribunal Supremo, encontrou uma instituição padecendo de vários e graves problemas de irregularidades e ilegalidades endémicas e sistémicas, em boa parte devidos ao comportamento dos seus antecessores, mas sobretudo agravados por Rui Ferreira, seu imediato antecessor.

Hoje, trataremos apenas de um desses problemas, escolhido em virtude da natureza e pertinência que assume no quadro actual do desenvolvimento do processo de estruturação do sistema organizacional e funcional dos tribunais da jurisdição comum: o concurso de provimento do cargo de presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).

No concurso para a presidência da CNE, está em causa – e não é pouco – o processo de preparação, organização e realização das eleições autárquicas previstas para o próximo ano. Cabe à CNE, enquanto entidade administrativa independente, coordenar, conduzir e executar os diferentes processos eleitorais em todo o espaço nacional.

Como se sabe, o actual presidente da CNE, Silva Neto, está demissionário. Em Fevereiro passado, entregou o seu pedido de demissão ao presidente da Assembleia Nacional. Há nove meses que Silva Neto aguarda pelo seu sucessor.

Ora, já a 25 de Fevereiro deste ano, o Plenário do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) abriu o concurso curricular para o provimento dos cargos de presidente da CNE e de presidentes das Comissões Municipais Eleitorais (CME), bem como dos respectivos regulamentos.

Nos termos do regulamento do referido concurso, os magistrados interessados deviam, no prazo de 20 dias, apresentar as candidaturas ao CSMJ, acompanhadas de todos os documentos requeridos.

A 15 de Maio seguinte, o júri do concurso curricular para a presidência da CNE aprovou a lista definitiva dos candidatos admitidos. Passados cinco dias publicou, no Jornal de Angola, a lista dos candidatos. É notória a desistência do então juiz conselheiro do Tribunal Constitucional, Raul Araújo, com o fundamento de que não se tratava de um magistrado judicial, como a lei exige.

Assim, figuraram na lista dos candidatos: Agostinho António Santos, Avelino Yululu, Manuel Pereira da Silva e Sebastião Jorge Diogo Bessa.

A pergunta que neste momento se coloca é: se foi estipulada uma lista definitiva de candidatos apurados, por que razão o concurso não prosseguiu e continua sem qualquer avanço até à data?

Segundo fontes próximas do CSMJ, a demora na discussão e aprovação do candidato vencedor deve-se à apreciação de uma providência cautelar interposta contra a admissão do candidato Manuel Pereira da Silva “Maneco” pelo júri do concurso.

O autor da providência cautelar é um dos restantes candidatos, e contesta a apresentação de uma “acta de defesa do seu doutoramento”, por parte de Manuel Pereira da Silva, que alega ter acontecido de forma extemporânea. O sistema de pontuação para a escolha do presidente da CNE atribui 20 valores a quem apresente um certificado de habilitações de doutoramento e 15 pontos a quem tenha um mestrado. A queixa argumenta que a “acta de tese de doutoramento” não confere, por si só, o grau de doutoramento ao seu proponente. Logo, Manuel Pereira da Silva deveria ter sido classificado pelo seu mestrado apenas.


Ao ter sido admitido esse documento, o queixoso considera que o júri violou o regulamento do próprio concurso, aprovado pelo plenário do CSMJ, atribuindo assim cinco pontos indevidos a um dos candidatos.

A mesma providência cautelar conclui pela violação das regras estabelecidas no próprio regulamento do concurso, uma vez que Manuel da Silva Pereira excedeu o seu prazo de permanência nos órgãos da CNE.

Conforme documentação submetida ao CSMJ, o candidato Manuel Pereira da Silva nunca deveria sequer ter sido admitido a concurso. De acordo com o termo de sua posse, desde 7 de Outubro de 2005 até ao presente tem exercido ininterruptamente funções na Comissão Provincial Eleitoral (CPE) de Luanda. A 7 de Outubro último, Manuel Pereira da Silva completou 14 anos de mandato como presidente da CPE de Luanda.

Estranhamente, a legislação competente determina que “o mandato dos membros da Comissão Nacional Eleitoral é de cinco anos, renovável por igual período de tempo”, o que revela que há quatro anos que Manuel Pereira da Silva deveria ter abandonado o cargo.

Regressando ao concurso para a presidência da CNE, importa dizer que as providências cautelares são processos de natureza urgente. É incompreensível que, a apenas meses de se organizarem as eleições autárquicas, estas queixas não tenham sido ainda dirimidas.

Joel Leonardo, presidente do Supremo, tem aqui uma batata quente, escaldante, para resolver. Será anunciado o novo presidente da CNE sem que antes seja apreciada a providência cautelar? Ou o processo continuará a ser arrastado? O mesmo é perguntar: haverá mais respeito pela Constituição e pela legislação em vigor, ou tudo continuará na mesma?

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