BPC: Lima Massano e a Justificação de Testa-de-Ferro

O ainda governador do Banco Nacional de Angola, José de Lima Massano, veio a público justificar a sua participação como sócio do Banco de Poupança e Crédito (BPC) por via de várias empresas subsidiárias da instituição, em resposta à nossa investigação de 23 de Outubro.

Aos órgãos de informação, Lima Massano não negou os factos noticiados pelo Maka Angola, mas justificou-os. Segundo afirma, apesar de o seu nome constar da lista de accionistas na Fénix – Gestão de Activos, na Mundial Seguros e na BPC Imobiliária, a verdade é que terá passado as suas acções ao BPC. Lima Massano assumiu-se como testa-de-ferro, “laranja” do BPC.

Quando é que o governador do BNA entregou as acções que detinha? Que procedimentos formais e legais levou a cabo que possam confirmar a transferência das acções? Sobre essas questões fundamentais, que clamam por resposta, Lima Massano nada disse.

A justificação dada por aquela que é a figura cimeira do Banco Nacional de Angola não colhe. Lima Massano sabe muito bem como se constitui uma sociedade comercial: por escritura pública, sendo o registo das participações e seus titulares realizado em documento público devidamente formalizado. A existência de publicidade oficial para estes actos é exigida por forma a garantir a confiança e boa-fé públicas nos agentes económicos que interagem no mercado.

Se quando participou nestes actos não o estava a fazer de facto, tal significa que estava a defraudar a lei, utilizando formas legais para alcançar objectivos que não os estabelecidos por estas. Violar estas regras implica violar a confiança no mercado.

Ademais, Lima Massano sabe, ou devia saber, que enquanto governador do BNA impende sobre si a obrigação da formalização da sua exoneração das sociedades comerciais em causa. O mesmo deve acontecer com a cessão da titularidade das suas participações.

A verdade é que Lima Massano não prova ter formalizado a sua exoneração e a cessão das participações em seu nome ao BPC. Não existe qualquer registo conhecido, nem acta, nem qualquer documento conhecido nas referidas sociedades que confirmem qualquer formalização ocorrida neste sentido. Compete-lhe comprovar inequivocamente a realização de tais actos. Está lançado o desafio.

Não se sabe o que será pior, se Lima Massano ser sócio de um banco sob sua própria supervisão, se assumir-se como seu testa-de-ferro. Num caso e noutro, estamos sempre perante a promiscuidade, o desrespeito pela lei e a confusão que tem caracterizado o rumo dos assuntos públicos nas últimas décadas.

Como pode o governador de um banco central não saber o que deve ser feito para não se comprometer com a participação societária de empresas tituladas pela instituição bancária da qual ele é o regulador?

Por um lado, as empresas em causa têm um potencial forte para enriquecer qualquer sócio. E essa será a razão para Lima Massano não ter formalizado a sua saída dessas empresas.

Por outro lado, os prejuízos dessas empresas têm reflexo directo nas contas negativas do banco que ele devia ter o cuidado de vigiar prudentemente.

Ignorância ou desconhecimento da lei e dos procedimentos não colhem nas justificações de Lima Massano. Não se trata aqui do motorista ou da empregada doméstica de um dirigente, cujo nome aparece sem seu conhecimento numa escritura pública. Trata-se de um dos mais conhecedores quadros em Angola, detentor de um cargo de elevadíssima responsabilidade.

Lima Massano deve apresentar os actos que comprovem que ele efectivamente passou as suas acções ao BPC. Senão, passará por mentiroso. Lima Massano não pode nem deve ser tomado como alguém que não só engana a opinião pública, mas que também engana o presidente que o nomeou e nele confiou.

A acrescentar aos parcos esclarecimentos de Lima Massano, surgiu uma intitulada Nota de Esclarecimento do BPC. Esta Nota do BPC é bizarra, primeiro, porque se vê que é apressada e confunde mais do que esclarece, depois, porque, em vez que apartar as suspeitas das ligações entre Lima Massano e o BPC, aprofunda-as, pois não se percebe a que título vem o BPC a terreiro defender Massano, quando a questão não é com o banco.

A nota de esclarecimento do BPC repete a justificação de Lima Massano. As acções pertencem ao banco, e a entrega a Massano e a outros administradores aconteceu de modo a cumprir a regra dos cincos elementos obrigatórios para cada sociedade anónima prevista na Lei das Sociedades Comerciais. Também adianta que Lima Massano há mais de cinco anos entregou algumas dessas acções já ao BPC, designadamente as que detinha na Fénix e na Mundial Seguros, e que está em curso a fase de formalização das que detinha em nome da BPC Imobiliária.

Neste como em outros casos, o silêncio é de ouro, e ao falar atabalhoadamente o banco só enterrou Massano. Em primeiro lugar, confirmou que as sociedades anónimas foram constituídas, com a participação de Lima Massano, numa operação de fraude à lei.

Em segundo lugar, afirma que algumas das participações de Massano já foram devolvidas há cerca de cinco anos. Há aqui um pequeno problema… Em 2014, Massano já era governador do banco central desde 2010.

E coloca-se imediatamente uma questão: onde está a formalização de tal transmissão? Porque, logo a seguir, a mesma Nota afirma que em relação à BPC Imobiliária é necessária a formalização que está a decorrer… Para esta última é, e para as anteriores não é? Percebe-se facilmente que esta foi uma redacção pouco pensada e inconsistente com a realidade.

Podemos assumir que todas as sociedades tinham a forma anónima e eram constituídas por acções ao portador. Mesmo assim, há formalidades a cumprir. Desde logo, a emissão das acções e a inscrição das mesmas no Livro de registo de acções ou similar. Só a partir desse momento elas podiam ser transacionadas. Terão sido emitidas e registadas? Em caso negativo, não poderiam ser transmitidas e ainda pertencem a Lima Massano. Se admitirmos que foram emitidas e registadas, a sua transferência poderia ser feita sem formalidades. Contudo, essa transmissão acabaria por estar reflectida nas listas de presença das Assembleias Gerais, nos Livros de Actas das mesmas, ou, eventualmente, no registo accionista da sociedade.

Além do mais, o Relatório e Contas do BPC de 2018 na sua página 24 confessa que o banco não tem 100% do capital em nenhuma das três sociedades. Na Fénix existe 1% em mãos alheias, na BPC Imobiliária, 8% e na Mundial 28%. Possivelmente, uma parte deste capital fora do banco, mas sócio do banco, ainda reflecte os seus accionistas iniciais como Massano.

Finalmente, numa nota lateral, o então deputado do MPLA e actual vice-presidente da República, Bornito de Sousa não era membro do Conselho de Administração do BPC, e tem 5% na Mundial Seguros, e Ricardo Sambimbi, que representa na sociedade a família dos Santos e interesses do MPLA também não era membro do Conselho de Administração do BPC. Então, o argumento sobre terem sido administradores do BPC a ocupar o lugar dos cinco membros necessários não se verifica

Em resumo, temos mais uma das trapalhadas típicas do passado, em que tudo era misturado, público e privado, lei e fraude à lei.

Quanto aos argumentos de Lima Massano acolitados pelo BPC, aguardamos pelas provas!

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