Ministro Liberdade Deixa Crianças Sem Escola

No município do Alto Zambeze, província do Moxico, há 6241 crianças fora do sistema de ensino, que termina na 9.ª classe. Em 2013, o então governador provincial (1991-2017) e actual ministro dos Antigos Combatentes, João Ernesto dos Santos “Liberdade”, adjudicou-se a si próprio a construção de uma escola em Cazombo, a comuna-sede do município. Por 277,3 milhões de kwanzas (o equivalente a 2,8 milhões de dólares, ao câmbio de então), a empresa do ministro fez os cabocos, ergueu algumas fiadas de tijolo e abandonou a obra.

Quando se fala de corrupção em Angola, muitos pensam apenas na riqueza ilícita arrecadada pelos titulares de cargos públicos e seus cúmplices. Poucos são os que aprofundam as análises sobre as consequências de muitos desses actos ilícitos na vida do cidadão comum.

A 10 de Julho de 2013, o então governador Liberdade celebrou um contrato com a empresa Ebomex, respeitante à construção de uma escola com dez salas de aula na vila de Cazombo, município do Alto Zambeze – tratava-se do Contrato de Empreitada n.º 50/2013.

Dez anos antes, a 2 de Fevereiro de 2003, João Ernesto dos Santos “Liberdade” constituiu, na província do Moxico, a empresa Ebomex Lda., na qual passou a deter 70 por cento do capital. O seu cunhado Paulo Ngulita subscreveu a quota restante e assumiu a gerência da sociedade.

A esse nível, o Tribunal de Contas tem desempenhado um papel de branqueamento dos actos de nepotismo, conflito de interesses, negócios de dirigentes consigo próprios, etc. Mesmo sabendo que o governador era o dono da empresa, o Tribunal de Contas anexou o seu visto de aprovação ao contrato, a 16 de Dezembro de 2013.

O contrato é claro quanto ao seu incumprimento reiterado ou definitivo. De acordo com o n.º 4 do mesmo, o incumpridor tem a obrigação de ressarcir a outra parte.

Em resposta ao Maka Angola, Paulo Ngulita, sócio-gerente da Ebomex, passa a bola ao governo e diz assim: “Não estou em condições de responder às vossas questões. Vão ter com o gabinete jurídico do governo provincial sobre as razões por que não terminámos a obra, obrigado.”

José Jonati Augusto de Oliveira, director do gabinete jurídico do governo provincial do Moxico, devolve a bola a Paulo Ngulita, deste modo: “Não tenho nada a comentar. Contacte a empresa [Ebomex].”

Fonte da administração local lamenta que haja tantas crianças a estudar ao ar livre, no Bairro Tchipóia, onde a escola inacabada se situa. Se a escola estivesse pronta, “teríamos menos crianças a estudar ao ar livre [debaixo de árvores, sentadas em pedras e latas]”, explica.

“Esta seria também uma escola de formação profissional. No município, só temos até à 9.ª Classe. Com o seu funcionamento, teríamos jovens inseridos, com profissões para ganharem a vida, e essa escola permitiria a integração dos jovens na sociedade”, refere a autoridade local, que prefere manter o anonimato.

Já Lucas Mbuta, o coordenador do Bairro, nota que “a empresa [Ebomex] tem de reconhecer os seus erros e acabar a construção da escola, para os nossos filhos estudarem”.

Por sua vez, o líder da Associação Cívica Laulenu, Benedito Jeremias Dali, considera o abandono da obra “um acto repugnante”. Insta o ministro Liberdade a assumir a sua responsabilidade moral e a “pagar do seu bolso para entregar a escola concluída”.

A escola inacabada em Cazombo, pela empresa do ministro João Ernesto dos Santos.

“O Estado, preocupado com a situação das crianças que se encontram excluídas do sistema de ensino, resolveu construir mais uma escola. Mas a empresa [Ebomex] agiu de má-fé e o ex-governador [Liberdade] portou-se mal.”

Temos aqui um acto inadmissível, levado a cabo por parte de um ministro actual do presidente João Lourenço, que deixou milhares de crianças fora da escola, por conta da sua ganância pessoal.

João Ernesto dos Santos “Liberdade” detém o recorde nacional de governação de uma província: 26 anos! Nos anos loucos da corrupção institucionalizada, o então governador era dono e senhor da província, onde ele mesmo nasceu. Era proprietário de cerca de dez empresas que sorviam os contratos públicos e os cofres do Estado na província, e que serviam sobretudo para seu enriquecimento pessoal.

Como pode o ministro Liberdade manter-se no governo, sem qualquer vergonha ou pudor, deixando os filhos do Alto Zambeze sem a escola que ele se comprometeu a construir?

O Alto Zambeze tem uma área de 48,3 mil quilómetros quadrados, destinados a 100 mil habitantes. A sua extensão territorial é maior do que 15 países europeus, incluindo a Holanda, a Suíça e a Bélgica. Ora, este município dispõe apenas de 28 escolas de construção definitiva, mais 30 consideradas como provisórias, que incluem salas improvisadas ao ar livre e em capelas. A capital do Alto Zambeze nem sequer tem água potável.

Os actos lamentáveis de um actual ministro do Governo constituem o exemplo de um caso moral que exige uma expedita resolução política e social. João Ernesto dos Santos “Liberdade” é dono de uma considerável fortuna, e pode perfeitamente ser obrigado a tirar do seu bolso para terminar a construção da escola o quanto antes.

O presidente da República João Lourenço e todos os cidadãos preocupados com a educação e o futuro do país devem exigir ao ministro Liberdade a entrega da escola pronta a funcionar. O ministro não foi certamente obrigado a fazer negócios consigo próprio – pelo menos, não como estas crianças são agora obrigadas a frequentar escolas sem tecto, privadas das condições mínimas de ensino, que ilegitimamente o Estado não consegue assegurar.

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