Ainda as Confusões do Concurso para o Tribunal da Relação

O Conselho Superior da Magistratura Judicial publicou, com data de 8 de Agosto de 2019 e assinatura do seu presidente Rui Ferreira, a Resolução com a lista dos candidatos admitidos aos Tribunais da Relação de Luanda e Benguela, por terem obtido a classificação igual ou superior a Bom nos procedimentos seguidos. Temos acompanhado este concurso e denunciado as suas vicissitudes bizarras.

O problema é que estas vicissitudes bizarras continuam. Analisando as Resoluções referentes aos Tribunais da Relação de Luanda e Benguela, deparámo-nos com duas situações anómalas, embora de natureza diferente, que colocam em causa a seriedade do processo de admissão de juízes desembargadores.

A primeira surpresa está na admissão do juiz João António Francisco, com o n.º 24, para o Tribunal da Relação de Luanda. Este juiz é aquele, em recente acórdão do Tribunal Supremo, foi vivamente criticado pela decisão que tomou de absolver os pastores adventistas cujo caso temos reportado com detalhe. Este mesmo juiz está a ser investigado pelo Conselho Superior da Magistratura, é suspeito de corrupção e parcialidade processual. Mesmo que um dia se verifique que é inocente, é certamente indubitável que teve um comportamento totalmente incompetente e desconsiderador da lei e das boas práticas judiciais nesse caso. Quando confrontado com as provas de que João Dala fora selvaticamente torturado por agentes do SIC, o que viria a causar-lhe a morte, o juiz João António Francisco nada fez. Face a estes factos, não tem qualquer sentido nomear o juiz Francisco para o Tribunal da Relação.

Na verdade, João António Francisco deveria ter sido suspenso pelo Conselho Superior da Magistratura mal se tivesse iniciado o inquérito relativamente à sua actuação no processo dos pastores adventistas. Em relação a este concurso, a sua admissão deveria estar congelada até à conclusão do inquérito. Não se pode continuar a beneficiar o infractor, a premiar os prevaricadores.

A segunda surpresa não se liga ao perfil subjectivo de um juiz, mas às suas funções. Referimo-nos a Amadeu Manuel Carlos, o n.º 13 da lista do Tribunal da Relação de Benguela. Aqui não se trata, como dissemos, de discutir as capacidades do magistrado, mas de enfatizar que este juiz tem trabalhado na Comissão Nacional Eleitoral, não praticando actos jurisdicionais há muito tempo.

Não é que o exercício dessa função deva ser obstáculo à promoção para o Tribunal da Relação. A questão é que não se entende como é que o referido juiz foi admitido. Lembremo-nos, e criticámos isso na altura, que o Regulamento aprovado pela Resolução n.º 12/18 de 19 de Dezembro do Conselho Superior da Magistratura adicionou, através do seu artigo 4.º, uma norma que tornava obrigatória a necessidade de entrega de várias peças processuais por parte dos magistrados como acto imperativo para a qualificação como juiz desembargador, designadamente 10 sentenças e 10 despachos saneadores ou despachos de pronúncia elaborados no exercício de funções que constituiriam a avaliação curricular (artigo n.º 4, 1, a) do Regulamento mencionado).

Ora, a dúvida que surge é acerca das peças processuais que este juiz terá entregado, uma vez que não as produziu nos últimos anos. Como foi feita a sua avaliação curricular? Ou ter-se-á aqui aberto alguma excepção?

O ponto não é criticar o juiz, mas duvidar da linearidade com que este concurso foi decidido e fundamentado, pois torna-se claro que estas classificações levantam mais interrogações do que certezas. Posto isto, torna-se imperativo proceder-se a uma revisão de todo este processo, que parece estar a ser muito mal conduzido, pleno de arbitrariedades e com uma fundamentação altamente duvidosa. Apelamos aqui para que essa revisão sensata tenha lugar.

Comentários