Os Dólares, Massano, Lobistas e Feiticeiros (Parte I)

A 18 de Junho passado, a presidência da República assinou um contrato, no valor de quatro milhões de dólares anuais, com a firma de lóbi norte-americana Squire Patton Boggs. O contrato, assinado pelo secretário do presidente para os Assuntos Diplomáticos e Cooperação Internacional, Victor Lima, define três objectivos. A saber: assegurar que o sistema financeiro angolano cumpre os padrões internacionais e, com efeito, que os bancos correspondentes possam retomar as transacções em dólares com a banca angolana; aumentar as trocas comerciais e o investimento norte-americano; e melhorar a imagem de Angola nos Estados Unidos da América.

Há um grave problema neste contrato. Nota-se claramente que a necessidade de reforma do sistema financeiro nacional tem como objectivo principal o regresso dos dólares a Angola, e não o bom governo do país.

Caso se empreendessem as reformas necessárias, e que muito contribuiriam para reavivar o estado moribundo da economia, Angola não precisaria nem de lobistas nem de feiticeiros. O país precisa de bom gestores comprometidos com a pátria, e não com interesses privados.

O que pode uma empresa lobista fazer pelo sistema financeiro nacional que o Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem Angola tem um acordo, não pode ou não deve?

Segundo fontes do Maka Angola, na sua última missão, o FMI insistiu junto das autoridades angolanas para que fosse implementada uma reforma efectiva do sistema financeiro e da banca pública. Essas reformas são a chave para uma relação normal com as instituições internacionais.

Se por um lado se destaca a vontade política do presidente João Lourenço em mudar, por outro sobrepõe-se a velha prática de colocar os interesses privados e de grupo acima de tudo.

Têm-se registado, nos últimos meses, algumas medidas que aparentam mudanças no sistema financeiro, como, por exemplo, o encerramento de três bancos por incapacidade de aumento de capital (Banco Postal, BANC e Banco Mais).

Desde a sua nomeação para o cargo de governador do Banco Nacional de Angola (BNA), em Outubro de 2017, José de Lima Massano suspendeu o processo de reforma do sistema financeiro que estava a ser implementado. Como consequência, quer as autoridades norte-americanas, quer as europeias têm revelado grande cepticismo face às mudanças prometidas pelo presidente João Lourenço. Com efeito, essas entidades condicionam o regresso dos bancos correspondentes e a normalização das transacções em dólares, o que muito tem afectado a economia.

José de Lima Massano tem um antecedente. No seu primeiro mandato (2010-2015), a Autoridade Bancária Europeia considerou o BNA como instituição sem equivalência de supervisão europeia. Essa nota deveu-se ao papel de liderança desempenhado por Massano no assalto do então triunvirato presidencial (Manuel Vicente, generais Kopelipa e Dino) ao Banco Espírito Santo Angola (BESA), então detido maioritariamente por um banco europeu.

Como consequência, as operações financeiras com Angola passaram a ter um risco elevadíssimo, e a economia sofreu com o pagamento de juros altos e a cobertura de garantias. Isto acarretou o aumento dos produtos e serviços importados, num país que vive praticamente de importações.

Cabe à Autoridade Bancária Europeia aprovar o regresso dos bancos correspondentes europeus, que são a maioria, ao sistema financeiro angolano. O Tesouro norte-americano também trabalha em conjunto com a autoridade europeia, e o lóbi contratado para convencer os europeus é a estratégia ideal de quem investe na cábula para passar num exame, em vez de estudar.

Suspensão das reformas

No que diz respeito às reformas, há três elementos importantes a destacar.

Em primeiro lugar, há falta de autonomia do banco central. O governador do BNA continua a ser membro do governo e da sua equipa económica, com assento no Conselho de Ministros. Participa na formulação integral da política macroeconómica do país. Segundo as boas práticas, adoptadas noutros países, os reguladores não compartilham nem participam nas decisões do governo, como forma de garantir a sua independência.

Em segundo lugar, o MPLA, partido no poder há 44 anos, detém o controlo partidário de parte do sistema financeiro. Dos 25 bancos que operam no sistema financeiro bancário, membros do Comité Central do MPLA são accionistas em 11. Do total, três são detidos exclusivamente por capitais públicos (Banco de Poupança e Crédito – BPC, Banco de Desenvolvimento de Angola – BDA e Banco de Comércio e Indústria – BCI) e há a representação do Banco da China, o banco central deste país. Logo, excluindo estes quatro bancos, a maioria dos bancos comerciais tem membros do Comité Central do MPLA na sua estrutura accionista, e estes detêm capital maioritário, directa ou indirectamente, em três bancos: Banco Yetu, Banco Sol e Banco de Crédito do Sul (BCS). Há ainda o caso do presidente do Conselho de Administração do Banco Sol, Coutinho Nobre Miguel, que é ao mesmo tempo membro do Comité Central do MPLA. Essa promiscuidade, de partidarização das instituições bancárias, atingiu o seu ponto mais alto durante o mandato de Valter Filipe como governador do BNA (2015-2017), quando também vestia a camisola do MPLA, na qualidade de membro do seu Comité Central.

O controlo político-partidário dos bancos continua a ser um obstáculo a uma efectiva supervisão por parte do BNA, condição fundamental para o combate ao branqueamento de capitais e, por conseguinte, à redução dos níveis de corrupção institucional que usam o sistema bancário. A falta de supervisão efectiva aos bancos comerciais retrocedeu aos níveis dos anos compreendidos entre 2010 e 2015 (primeiro mandato de Massano).

O actual governador extinguiu a Provedoria Bancária e a Direcção do Controlo do Sistema Financeiro.

Finalmente, em terceiro lugar, trata-se do boicote à restruturação, iniciada em 2016, dos bancos comerciais de capitais públicos, nomeadamente o Banco de Poupança e Crédito (BPC) e o Banco de Comércio e Indústria (BCI). Estes bancos tinham e continuam a ter graves problemas de gestão corporativa, de transparência e de ingerência de Pessoas Expostas Politicamente (PEP) na sua liderança. Neste âmbito, foram determinantes as decisões de compadrio do ministro das Finanças Archer Mangueira na nomeação de figuras incompetentes – Ricardo Viegas D’Abreu, Zinho Baptista e Alcides Safeca – para a restruturação.

No caso do BCI, basta lembrar que, em Março passado, o seu PCA, Filomeno Ceita, foi constituído arguido pela PGR e colocado sob termo de identidade e residência. É suspeito de conluio no saque de cerca de 270 milhões de dólares efectuado pelo então porta-voz de José Eduardo dos Santos e actual deputado do MPLA, Manuel Rabelais. Quer o Ministério das Finanças (representante do accionista Estado) quer o supervisor, o BNA, assobiaram para o lado e mantêm a idoneidade de Filomeno Ceita e a sua manutenção no cargo de PCA.

Archer Mangueira, mais uma vez, assume a responsabilidade pela escolha do novo PCA do BPC, António André Lopes, que até há semanas exercia o cargo de presidente da Comissão Executiva (PCE) do Banco Yetu. Em menos de três anos, o BPC teve quatro PCAs.

Essa transferência é bastante problemática, na medida em que 90 por cento do seu capital é detido por Pessoas Expostas Politicamente (PEP), em particular pelo deputado do MPLA Elias Piedoso Chimuco. De acordo com a lista dos principais devedores do BPC, vazada em 2017, nessa altura a dívida do deputado a esse banco ascendia a 400 milhões de dólares. Agora, cabe ao seu anterior empregado, António André Lopes, cobrar-lhe a dívida.

O actual governador do BNA, e o grupo de interesses privados que representa, capitalizou com a situação de degradação descontrolada do BPC, então o maior banco comercial do país. Por um lado, facilitou o agravamento da crise, através do boicote à restruturação do BPC, do congelamento de operações de crédito (redesconto) e da venda de divisas. Por outro, contribuiu para transformar o Banco Angolano de Investimentos (BAI) no principal banco comercial do país a partir do primeiro trimestre deste ano. Os bloqueios ao BPC causaram uma grande migração de clientes e empresas deste para o BAI, onde têm maiores possibilidades de obtenção de divisas, créditos ou facilidades em kwanzas. O BAI passou a ser o banco que mais recebe divisas do BNA, e que mais recebe depósitos das empresas públicas e das multinacionais petrolíferas.

Ademais, sobre as operações do BAI não há controlo cambial, nem supervisão do BNA.

Continuaremos esta nossa exploração no próximo capítulo, dedicando especial atenção à política de desdolarização da economia, à fuga desabrida de capitais e às suas consequências actuais. Também nos debruçaremos sobre o papel da Unidade de Informação Financeira (UIF), a “polícia” do BNA, cuja actuação se tem resumido a facilitar a vida das “ordens superiores”. b

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