Justiça Suprema: a Absolvição de João Alfredo Dala e dos Restantes Adventistas

Sopram ventos de mudança no poder judicial, e começam a surgir algumas decisões dos tribunais que confirmam as alterações positivas e alimentam a esperança relativamente à criação de uma magistratura independente e imparcial que garanta o Estado de Direito. Daqui não se segue que tudo tenha mudado, apenas se segue que algo pode vir a mudar.

Em concreto, reportamos que, com data de 14 de Junho de 2019, a 13.ª secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda mandou notificar que a 1.ª secção da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, em acórdão, absolveu, por falta de provas, Garcia José Dala, Adão António Dala Hebo, Teixeira Mateus Vinte, Passmore Hachaling e Burns Mussa Sibanda dos crimes pelos quais foram pronunciados, julgados e condenados. O mesmo acórdão também extinguiu a responsabilidade criminal de João Alfredo Dala por morte.

Há mais de dois anos que noticiamos e pugnamos por justiça no processo que designámos como o “caso dos pastores adventistas” (ver aqui, aqui e aqui).

A história resume-se rapidamente. No âmbito de uma tentativa de permanecer no poder e abafar auditorias à sua gestão, o pastor Daniel Cem, de 62 anos, então presidente da região norte da Igreja Adventista do Sétimo Dia, acusou os réus, hoje absolvidos, de vários crimes, designadamente rapto. O mais grave desta situação não foi a acusação propriamente dita. Como dizia o juiz norte-americano Solomon “Sol” Wachtler, “até uma sandes de fiambre pode ser acusada”. O problema é que Daniel Cem contou com a completa conivência do SIC e do juiz de primeira instância, acabando por instaurar um processo não menos que bárbaro.

Já aqui relatámos a forma selvagem como o SIC agiu, torturando os supostos criminosos, assaltando as suas casas de forma violenta e no fim acabando por matar um deles, João Alfredo Dala.

Vale a pena repetir o relato que a vítima fez antes de morrer, em homenagem a todas as vítimas de assassinato pelas forças policiais corrompidas: “João Alfredo Dala foi pessoalmente torturado – até o deixarem mutilado – por alguns dos principais chefes do SIC, durante 15 horas seguidas, para o obrigarem a repetir, em vídeo, uma confissão que lhe tinham preparado. O pastor Daniel Cem e familiares seus também torturaram o ‘escolhido’ na 48.ª Esquadra Policial, em Viana. [Nas palavras do próprio:] O pastor Cem ordenou ao superintendente Fernando Receado que me amarrassem no formato de tortura do avião ‘Kadiembe’. Mas o chefe de operações do SIC optou antes pela tortura do pénis. O Pinto Leite retirou os atadores dos seus ténis Converse, amarrou os atacadores um ao outro, para o fio ficar comprido. O chefe Fernando Receado foi quem pessoalmente amarrou o fio no meu pénis e foi o primeiro a começar a puxar e a correr comigo à volta da sala, enquanto o pastor Daniel Cem e o irmão diziam que eu falaria rápido e todos se riam.”

Depois disto, foi a vez da conivência do magistrado António Francisco, da 13.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, no Kilamba Kiaxi. Este juiz condenou os réus sem quaisquer provas, como o Tribunal Supremo veio agora confirmar, e nós sempre escrevemos. Este juiz teve ao longo do processo um comportamento arbitrário e manifestamente desconhecedor, ou malevolamente ignorante, das mais elementares regras do Direito. Refira-se que António Francisco, não contente com a absurda conduta que teve neste julgamento, ainda tentou perseguir João Sonhi, em julgamento paralelo sobre o mesmo caso, obrigando-o, sob ameaça de emitir um mandado de captura, a comparecer no tribunal de ambulância, mesmo sabendo que este se encontrava internado numa clínica.

Agora o Tribunal Supremo vem dizer que não há provas que justifiquem qualquer condenação. Do ponto de vista técnico, é o pior que se pode dizer sobre o processo. Não foi uma questão processual, nem um erro de Direito, mas sim uma grosseira atitude por parte dos anteriores órgãos de justiça que intervieram neste caso: SIC, Ministério Público e juiz.

Temos de lembrar a morte por tortura de João Dala e o sofrimento dos pastores, em particular dos estrangeiros.

Na verdade, só haverá justiça quando os reais perpetradores dos crimes, neste caso, forem investigados e julgados. Deste modo acusamos:

  • O juiz António Francisco, pelo seu comportamento corrupto e pela farsa a que presidiu;
  • Os torturadores do SIC, oficiais superiores Fernando Receado, Ngola Kina e Pedro Lufungula, agentes Quizanga e Elifaz, por tortura que conduziu à morte.
  • Daniel Cem, o ex-pastor que evoca o nome de Deus para as maiores perfídias, e que desencadeou os eventos que acabariam por assassinar João Alfredo Dala; além dos seus parceiros nos actos de tortura que conduziram à morte de Dala: Carlos Cem e o tenente-coronel Domingos Terça Massaqui.

Só com a investigação e o julgamento das figuras acima expostas haverá justiça suprema neste caso, revelador do grau de corrupção e privatização das funções públicas a que o sistema de justiça, como outros, chegou em Angola.

Não pode haver impunidade para juízes corruptos e torturadores sádicos.

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