Seca no Sul: Alterações Climáticas e Oportunidades para Angola
É anunciado na imprensa com grande destaque que o presidente da República João Lourenço se desloca nos dias 3 e 4 de Maio ao Cunene e ao Namibe para uma visita de trabalho com vista a tomar medidas concretas para minorar os efeitos da terrível seca que tem vindo a assolar aquelas províncias angolanas.
Já pelo menos desde 2015 que o Maka Angola tem vindo a reportar a existência de seca no Cunene, alertando para os seus efeitos devastadores.
Num artigo sobre a economia angolana de 2016, alertávamos para os problemas decorrentes do estio prolongado, escrevendo “no Sul o governo vê-se impotente para combater a seca, no Namibe falta o arroz, os supermercados vêem-se com as prateleiras vazias”.
É inevitável que daqui decorra a necessidade de reflexão acerca de vários aspectos. No que diz respeito ao presidente João Lourenço, é de aplaudir a sua iniciativa, desejando que não se trate de mais uma operação de relações públicas. Como se costuma dizer, “mais vale tarde do que nunca”. No entanto, em termos governamentais, é mesmo tarde, pois o problema da seca no Sul já tem anos: anos seguidos em que a seca sucede perante a passividade geral do governo central. Talvez o despertar de João Lourenço coloque um ponto final na apatia do poder político.
No entanto, a questão da seca recorrente no Sul faz-nos temer que esteja em curso algo mais grave do que a normal sucessão de períodos climatéricos. O IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, uma organização científica criada em 1998 para avaliar a existência e os impactos das alterações climáticas no âmbito das Nações Unidas, divulgou estudos muito preocupantes em relação a África. Esses estudos afirmam que nenhum continente será atingindo tão gravemente pelos impactos das alterações climáticas quanto a África. Dada a sua posição geográfica, o continente encontra-se particularmente vulnerável, devido à sua capacidade de adaptação consideravelmente limitada, exacerbada pela pobreza generalizada. As mudanças climáticas representam uma ameaça particular ao crescimento económico contínuo e à subsistência de populações vulneráveis.
Até 2020, previa-se que entre 75 e 250 milhões de pessoas no continente sofreriam com o aumento da seca devido às alterações climáticas. Nesse mesmo ano de 2020, em alguns países, os rendimentos da agricultura de sequeiro podem ser reduzidos em até 50%. O aquecimento global de 2ºC colocará mais de 50% da população do continente em risco de desnutrição. As projecções estimam que, até 2040, as mudanças climáticas levarão a uma perda anual equivalente a 2%-4% do PIB na região.
É no âmbito deste contexto que João Lourenço deve encontrar as respostas à seca. Não se trata de um problema localizado, mas sim, muito possivelmente, de uma tendência que se está a manifestar de forma perturbante no Sul de Angola.
Muitos argumentarão que a preocupação com as mudanças climáticas é um tema de países ricos, e que cabe aos países ricos resolver, uma vez que são os principais responsáveis pelo fenómeno. No entanto, a verdade é que os países ricos têm os seus orçamentos demasiado pesados para poderem enfrentar a questão a nível global. É sempre bom lembrar que a revolta dos “coletes amarelos” em França tem na origem um imposto lançado pelo presidente Macron para financiar o combate às alterações climáticas. Isto diz tudo. Sendo os países pobres os mais afectados por essas alterações, não deverão estar à espera de que outros, mesmo sendo responsáveis, ajam.
Estas considerações surgem a propósito daquelas que parecem ser as propostas de João Lourenço para combater a seca: desvio de rios e construção de barragens. Isto é demasiado custoso, e provavelmente não resolve os problemas.
É evidente que, numa situação de emergência, se falta água, deve ser transportada água para onde falta, mas numa estratégia de médio prazo tem de se procurar soluções agrícolas e de desenvolvimento que sejam sustentáveis e consentâneas com as condições climatéricas vigentes.
Israel constitui um bom exemplo de combate à seca com sucesso. Em 2005, o país estava quase sem água, com as fontes hídricas doces esgotadas. Lançou-se então um plano que assentou no reaproveitamento de águas residuais e na dessalinização das águas do mar. E hoje Israel é auto-suficiente, mesmo durante as secas. Angola pode estudar o que Israel fez, e adaptar ao seu próprio contexto e às suas necessidades específicas.
O salto do desenvolvimento em Angola não pode assentar na repetição de antigos modelos, mas sim numa actualização de acordo com as circunstâncias actuais. Este é o tempo das energias renováveis, das soluções small is beautiful (“pequeno é bonito”), da reciclagem dos recursos naturais e do combate às alterações climáticas. Angola pode perfeitamente estar na vanguarda destes movimentos e dar o salto qualitativo, transformando a seca no Sul do país numa oportunidade de futuro.