BCI: A Lavandaria de Manuel Rabelais

Até 2016, o então porta-voz de José Eduardo dos Santos, Manuel Rabelais, mantinha um bem-sucedido esquema de drenagem de divisas do Banco Nacional de Angola, o que lhe permitiu, com efeito, saquear mais de 270 milhões de dólares através do Banco de Comércio e Indústria (BCI), de acordo com investigações do Maka Angola.

O BCI é um banco detido em 93,60 por cento pelo Estado angolano, enquanto o restante capital se encontra distribuído por nove empresas públicas, incluindo Sonangol, TAAG, Endiama, ENSA e Porto de Luanda.

Agora, é hora de fazer contas com a justiça.

Segundo apurou este portal, Manuel Rabelais, para a compra de divisas, usava o argumento de aquisição de equipamentos para a modernização dos órgãos de comunicação social do Estado e periféricos.

Nessa altura, Rabelais era director do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing (Grecima), para o qual havia sido nomeado em 2012. Com esta, acumulava a função de secretário do presidente da República para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa (2014-2017).

O Grecima era o estado-maior da propaganda e do controlo da comunicação social de José Eduardo dos Santos. Os seus tentáculos estendiam-se ao exterior do país, e tinha ao seu serviço diversos mercenários da comunicação oriundos de Portugal e do Brasil.

Enquanto director do Grecima, Manuel Rabelais praticamente geria os orçamentos e conselhos de administração dos órgãos de informação estatais, segundo fontes do Maka Angola. Os mais de 200 milhões de dólares destinados à compra de equipamentos para a modernização dos referidos órgãos, segundo as mesmas fontes, acabaram por ser desviados através de uma rede de empresas indicadas por Rabelais para efeitos de branqueamento de capitais. Parte dos fundos tinha como destino final uma empresa-fantasma por ele usada nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos paraísos de eleição da elite corrupta do MPLA.

Alguns equipamentos importados, cujo valor é irrisório para o total da verba em questão, serviram para a montagem da estação privada de Rabelais, a TV Palanca, para o apetrechamento do Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA, e para a TV Zimbo do então triunvirato presidencial (general Dino, general Kopelipa e Manuel Vicente).

Mas é na segunda operação, no valor de 70 milhões de dólares, entre 2015 e 2017, que Manuel Rabelais dispensou quaisquer veleidades. Segundo apurou este portal, Rabelais usou a sua influência e o argumento da cota reservada aos organismos de Estado, por aprovação da presidência de José Eduardo dos Santos, para a compra de divisas ao BNA.

Foi o saque puro e duro. Fontes bancárias referem que o Grecima não dispunha dos contravalores em kwanzas na sua conta domiciliada no BCI para pagar a compra dos 70 milhões de dólares ao BNA.

Mesmo sem o contravalor em kwanzas na conta do Grecima, Rabelais fazia movimentos de compra de divisas e posterior transferência com a conivência do presidente do conselho de administração do BCI, do gestor de conta, da subserviência do BNA e da Unidade de Informação Financeira (UIF). O PCA, revelam especialistas, autorizava as operações por via de descobertos, que os avisos do BNA proíbem.

Como forma de obter o contravalor, a posteriori, Manuel Rabelais envolveu vários empresários e endinheirados, que depositavam altos valores na sua conta pessoal, no BCI, para recebimento em dólares ao câmbio do mercado paralelo, através do qual tinha uma margem de lucro de cem por cento.

Já nas vestes de cambista de rua, ou seja, de kinguila de fraque, Rabelais concedia então um crédito em kwanzas ao Grecima para a compra das divisas ao BNA, as mesmas que ele próprio vendia no mercado paralelo. Os lucros da diferença entre o câmbio oficial e o de rua permaneciam na sua conta bancária pessoal.

Depois, Manuel Rabelais cobrava juros de mora pelo “crédito” que concedia ao Grecima e, quando esta entidade recebia a sua dotação orçamental, o seu gestor procedia aos ajustes necessários para a engorda da sua própria conta bancária. Pagava-se a si mesmo o empréstimo, e com juros.

Como se vai tornando hábito de surdina, a campanha eleitoral do MPLA tem sido uma espécie de maná para as práticas corruptas de alguns dos seus dirigentes. Os pagamentos destinados às campanhas de propaganda do regime de José Eduardo dos Santos na Euronews, um órgão de comunicação social financiado pela União Europeia, também passaram por este esquema montado por Manuel Rabelais.

A 13 de Fevereiro passado, a Procuradoria-Geral da República emitiu um comunicado sobre o facto de Manuel Rabelais ter sido constituído arguido. Informou que o deputado do MPLA responde por seis crimes: peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais. Todavia, não foram adiantados mais detalhes sobre os crimes imputados ao deputado.

Uma semana depois, a 19 de Fevereiro, a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) solicitou a comparência do PCA do BCI, Filomeno Ceita, para interrogatório no âmbito do processo n.º 68/2018, relativo à gestão do Grecima. Na mesma nota, exigia-se também a comparência do gestor de conta do Grecima, cujo nome não foi revelado.

A 28 de Fevereiro, o conselho de administração do BCI emitiu um comunicado interno aos seus trabalhadores, tendo explicado que o PCA esclareceu que “o banco observou na realização das operações todas as normas e procedimentos existentes”.

O referido conselho de administração regozija-se por não ter sido aplicada nenhuma medida de coacção a Filomeno Ceita, excepto o termo de identidade e residência. “Por outro lado, a condição de arguido [do PCA do BCI] será removida brevemente no âmbito do processo e comunicado ao advogado do banco”, antecipa o mesmo comunicado.

Essa referência do BCI é no mínimo estranha. Em circunstâncias normais e de boa conduta e dignidade profissionais, Filomeno Ceita deveria ter apresentado a sua demissão. Não se compreende também o silêncio dos accionistas, em particular do Ministério das Finanças (representante do accionista Estado) e do supervisor, o BNA, quanto à idoneidade de Filomeno Ceita e a sua manutenção no cargo de PCA de um banco estatal, ao mesmo tempo que é arguido num processo que envolve a instituição.

O Maka Angola junta as pontas e antevê que o destino dado às centenas de milhões de dólares saqueados do BNA venham a ser parte importante do caso contra Rabelais. Para já, prevê-se que Manuel Rabelais possa chamar ao processo comensais importantes, como Aldemiro Vaz da Conceição, antigo porta-voz de José Eduardo dos Santos e actual director do Gabinete de Acção Psicológica e Informação da Casa de Segurança do presidente João Lourenço.

Alguns arguidos, ligados à pilhagem desmedida do país, começam a ganhar consciência de que a mesma solidariedade que animava vários dirigentes no saque colectivo deve animá-los também na aceitação da responsabilidade solidária pelos crimes cometidos.

Estranhamente, pouco ou nada se diz sobre o silêncio e o papel da Unidade de Informação Financeira (UIF) na farra de Rabelais e do BCI, facto tanto mais estranho quanto esta é a entidade responsável pela monitorização de transacções suspeitas. A directora da UIF, Francisca Massango, foi durante anos administradora do BCI.

Manuel Rabelais exerceu as funções de ministro da Comunicação social entre os anos de 2005 e 2010. Foi exonerado por gestão danosa, após inspecção realizada pela Inspecção Geral da Administração do Estado e pelo Tribunal de Contas. O mesmo José Eduardo dos Santos que o exonerou por má gestão em 2012 nomeou-o para o Grecima quando este se encontrava sob investigação pelo Tribunal de Contas, por actos de corrupção.

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