Relatório & Contas da Sonangol: O Balanço de Isabel

O Relatório de Gestão e Contas de 2017 da Sonangol foi publicado e pode ser consultado aqui.

Lembremos que no ano de 2017, até 15 de Novembro, a empresa petrolífera foi dirigida por Isabel dos Santos. Carlos Saturnino só ocupou o posto de presidente do Conselho de Administração (PCA) no último mês e meio do ano.

Assim, estas contas são, essencialmente, o resultado da gestão de Isabel dos Santos. Uma análise detalhada vai demonstrar que a administração de Isabel não inverteu a tendência de deterioração da companhia, e que os resultados positivos derivam directamente de factores externos, que podem ou não vir a repetir-se. No fecho de 2017, a Sonangol continuava numa situação muito precária.

O Relatório & Contas abre com uma mensagem sorridente do actual PCA da empresa, composta por palavras bonitas, mas que explicam claramente a realidade: os lucros da Sonangol subiram em 2017 devido ao aumento do preço do petróleo, fruto da estratégia concertada da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Contudo, a produção angolana diminuiu.

Quer isto dizer que, em 2017, a Sonangol produziu menos do que em 2016, apenas teve a “sorte” de existir uma estratégia internacional para fazer aumentar o preço do crude. Não fosse a aliança entre a OPEP, liderada pela Arábia Saudita, e a Rússia de Putin, talvez os números da Sonangol não tivessem melhorado.

Vejamos os números de perto, para uma análise rápida do seu significado.

O lucro subiu de 13 mil milhões para 27 mil milhões de kwanzas . Quer isto dizer que houve um ganho de 107% face a 2016. Contudo, como referimos, esses números são enganadores.

No núcleo essencial da operação da Sonangol, que são as vendas, estas subiram de 2,283 mil milhões em 2016 para 2,824 mil milhões em 2017. Portanto, o acréscimo foi de 23%, e não de 107%. Tal significa que não é na operação nuclear da Sonangol que se encontra a explicação para o lucro atingido, embora o valor desta operação tenha aumentado, se bem, como já anotámos, devido ao aumento do preço do petróleo, e não ao aumento da produção. A produção diminuiu 5%.

Pensar-se-ia, então, que o segredo tinha estado no corte de custos, tão propalado por Isabel dos Santos e os seus propagandistas. Não é assim. Os custos aumentaram 18% entre 2016 e 2017, de 2,296 para 2,715 mil milhões.

Curiosamente, a grande aceleração dos lucros provém das rubricas: Resultados Financeiros e Resultados de Investimentos em Participadas. Essencialmente, são estas duas áreas que justificam o aumento substancial do lucro contabilístico da Sonangol – que, repita-se, não resulta do aumento das vendas em 23%, pois este é acompanhado por um aumento dos custos de 18%.

Tem interesse analisar estas duas rubricas, pois o que elas nos dizem é surpreendente.

Comecemos pelos Resultados Financeiros. Os principais movimentos deram-se nas sub-rubricas Ganhos em investimentos e activos financeiros e Perdas em investimentos e activos financeiros. Os ganhos aumentaram exponencialmente em 2017, enquanto as perdas diminuíram enormemente (ver p. 169 do Relatório). Entre ganhos emergentes e perdas cessantes, há mais de 100 mil milhões de kwanzas. Poderíamos pensar que Isabel dos Santos e a sua equipa se tinham tornado peritos em investimentos financeiros. Também não é o caso.

Estas movimentações extremamente benéficas para a Sonangol devem-se às variações do valor das acções do Millennium BCP em Portugal. Em 2016, as acções do banco português tiveram grandes perdas, enquanto em 2017, fruto do sucesso de um plano de reestruturação e dos efeitos da entrada de um accionista chinês, valorizaram.

Ora, é aquilo a que o Relatório chama “variações do justo valor do investimento” no BCP que justifica os números animadores. Note-se, todavia, que tal não corresponde a nenhum ganho efectivo da Sonangol, uma vez que esta não vendeu qualquer acção. É aquilo a que poderemos chamar um “lucro nominal ou contabilístico”, que só será transformado em real quando um dia houver uma venda.

A outra rubrica em que houve ganhos apreciáveis foi a dos Resultados de Investimentos em Participadas (p. 170). Aí sobressai a Esperaza, responsável por mais de metade desses ganhos. Em 2016, a mesma empresa não tinha entregado qualquer resultado à Sonangol. Agora entrega mais de 14 mil milhões de kwanzas representando mais de 60% dos resultados em participadas. A Esperaza é a companhia em que, associada a Isabel dos Santos, a Sonangol participa indirectamente na Galp, a petrolífera portuguesa.

Parece que, não tendo entregado qualquer resultado à Sonangol em 2016 (não se percebe porquê), a Esperaza o entregou em 2017, e com isso contribuiu para a melhoria da situação da petrolífera angolana.

Há aqui alguma perplexidade. São dois investimentos da Sonangol em Portugal que contribuem para o aumento significativo do seu lucro.

Por este facto, esteve bem a administração da petrolífera angolana quando não distribuiu lucros, pois enquanto uns são nominais, os outros estão demasiado dependentes da conjuntura e não reflectem a força efectiva da empresa.

Em relação a outros factores de que a administração de Isabel dos Santos se vangloriava, há ainda a sublinhar que os encargos com juros aumentaram de 36 mil milhões para 58 mil milhões de kwanzas, o mesmo acontecendo com juros de mora, que passaram de 7 mil milhões para 26 mil milhões de kwanzas. Esta é uma subida estratosférica, que se explica pelo aumento dos atrasos de pagamentos a fornecedores.

As notícias que fomos contando no Maka Angola sobre os atrasos de Isabel dos Santos nos pagamentos, sempre desmentidas, afinal confirmam-se nas contas da empresa. Com Isabel dos Santos existiram atrasos enormes nos pagamentos.

Uma nota final para dois aspectos. Um é o das reservas na Certificação de Contas. O auditor Paulo Ascensão, da KPMG, efectua várias reservas às contas apresentadas, que ascendem a montantes demasiado elevados. Estas reservas têm-se repetido sistematicamente e colocam em dúvida a credibilidade das contas face ao seu valor. Era bom ver-se uma política de gestão tendente à eliminação das reservas.

O último ponto é que as contas são apresentadas apenas em kwanzas. Como é sabido, desde Janeiro de 2018 a moeda angolana desvalorizou-se mais de 40% em relação ao euro e ao dólar. E, nessa medida, os activos e passivos detidos nessas moedas têm hoje um valor diferente. Um exemplo: segundo as contas, a Sonangol deveria em 31 de Dezembro 205 mil milhões à banca internacional. Se esse valor foi mutuado em euros ou dólares, a dívida é hoje de quase 300 mil milhões. Pelo contrário, as acções detidas em Portugal em euros valem hoje mais kwanzas. Até que ponto esta desvalorização afecta as contas, não se sabe exactamente, mas para uma mais fácil análise das mesmas tinha sido aconselhável apresentar o Relatório & Contas com contravalores em dólares.

Em resumo, a Sonangol precisa de uma grande ginástica para se tornar um eficiente produtor de petróleo. A administração de Isabel dos Santos não adiantou, nem inverteu a tendência. Viveu da subida dos preços de petróleo e dos investimentos em Portugal.

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