Kopelipa Volta a Perder num Tribunal Português

A 9 de Janeiro de 2019, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, o famoso general “Kopelipa”, perdeu um recurso no Tribunal Constitucional (TC) português, por decisão sumária do juiz conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro no âmbito de um processo-crime em que é suspeito.

Temos reportado as peripécias do processo n.º 208/13.9 TELSB-S.L1 que corre em Portugal relativamente ao general Kopelipa e outros dirigentes angolanos. Este processo diz respeito a movimentos financeiros em Portugal suspeitos de corresponderem a branqueamento de capitais, um crime punido pelo artigo n.º 368-A do Código Penal português.

Trata-se de um inquérito criminal instaurado em 2013, fruto de uma queixa apresentada pelo antigo embaixador angolano Adriano Parreira e complementada por Rafael Marques de Morais. Seis anos depois, não foram anunciados publicamente quaisquer resultados da investigação ainda, nem sequer uma acusação. Os únicos factos que se têm verificado são os constantes recursos do general Kopelipa, ex-ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da República, para várias instâncias portuguesas, que acabam indeferidos.

Obviamente, temos aqui um exemplo de como a justiça não deve funcionar. Muito provavelmente, se algum dia houver acusação, muitos dos factos já não terão relevância penal, devido à prescrição.

A verdade é que este processo anda a par das vicissitudes comportamentais da justiça portuguesa face aos interesses angolanos.

Nos últimos anos, intuem-se na atitude da justiça portuguesa face a Angola três fases distintas.

A primeira fase terá começado cerca de 2004/2005, altura em que o investimento angolano entrou, pujante, em Portugal. Nesta fase, a justiça foi deferente para com o poder político português, por sua vez submisso em relação a Angola, o que afectou as sobre este país. Nessa altura, a directora do DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal do Ministério Público, a mais importante entidade de combate ao crime em Portugal) resolveu não investigar Isabel dos Santos a propósito de mas quantas transacções suspeitas surgidas no âmbito das buscas e apreensões da Operação Furacão, um processo levado a cabo pelo Ministério Público (MP) português referente a evasão fiscal. Nesse tempo, falava-se da “generosidade” do então procurador-geral da República (PGR) de Angola, general João Maria de Sousa, que devia oferecer “um contentor de paracucas” (doce de ginguba) à referida directora. Foi o tempo dos constantes arquivamentos de investigações a angolanos.

Importa referir que, nesse mesmo período, a pilhagem em Angola servia como balão de soro à economia portuguesa e enriquecia desmesuradamente vários aventureiros portugueses envolvidos em negociatas e cumplicidades com os saqueadores angolanos.

Depois, temos uma segunda fase, talvez coincidindo com a nomeação de uma nova equipa para a PGR e o DCIAP (Joana Marques Vidal e Amadeu Guerra, respectivamente). As investigações envolvendo angolanos tiveram algum impulso, com destaque para aquela que redundou na acusação por corrupção a Manuel Vicente, então vice-presidente de Angola.

Sabemos que este assomo de independência do MP português não durou muito. Com João Lourenço já presidente, Angola exerceu uma forte “chantagem emocional” sobre Portugal, além da pressão diplomática intensa, e os órgãos do poder político português rapidamente mostraram o seu incómodo com a sua justiça, acabando esta por enviar o processo contra Manuel Vicente para Angola, onde está em “banho-maria”, e cujo arquivamento deverá ser anunciado muito em breve. É esta em que agora nos encontramos: nos casos que envolvem Angola, a justiça portuguesa não anda nem para trás nem para a frente. Adia.

O processo que investiga as suspeitas sobre os movimentos financeiros de Kopelipa acompanhou estas vicissitudes de comportamento da justiça portuguesa.

O processo começou por ser arquivado por despacho do procurador encarregado do assunto. Contudo, após esse arquivamento, o director do DCIAP resolveu intervir hierarquicamente, dando ordens para que se avançasse com mais investigações, por considerar que não estavam devidamente esclarecidos alguns movimentos de capital de Kopelipa em Portugal. É essa decisão de Amadeu Guerra que tem originado a catadupa de recursos dos advogados de Kopelipa. Para o Tribunal da Relação, onde perderam, e para o Supremo Tribunal de Justiça, no qual invocaram uma contradição de acórdãos, perdendo também o recurso.

Restava o Tribunal Constitucional. Neste caso, voltaram a perder, embora com base num argumento formal. Não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade de normas jurídicas, que é o pressuposto para se recorrer ao TC. Ora, não se levantando questões de constitucionalidade, não se pode recorrer para o TC. É essa a argumentação simples do conselheiro Almeida Ribeiro e a razão pela qual o recurso de Kopelipa foi mais uma vez indeferido. Desta decisão sumária do TC existe ainda a possibilidade de recurso para a conferência de juízes do TC, e em caso de não existir unanimidade, para o pleno da secção. Portanto, nos termos legais, Kopelipa ainda pode continuar a recorrer.

E, aparentemente, depois do impulso processual que Amadeu Guerra lhe quis dar, a investigação parece estar parada.

Coloca-se assim a questão fundamental da impunidade. Quer seja em Portugal, quer seja em Angola, os antigos dirigentes angolanos a quem, por via de investigações jornalísticas e de organizações internacionais, são apontados comportamentos de corrupção, desvios de dinheiro, branqueamento de capitais, etc. continuam impunes, sem prestar contas a qualquer justiça.

É absolutamente necessário e urgente que, em Angola, em Portugal ou noutro país com jurisdição sobre os movimentos de capital que estas pessoas realizaram – como os Estados Unidos ou o Reino Unido – se concluam investigações sérias, consistentes e determinadas sobre Kopelipa e todos os outros suspeitos de prevaricação. Esgotou-se o tempo dos discursos e das boas intenções. Agora, é a vez da acção.

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