Sonangol e Galp: os Aspectos Jurídicos de Uma Venda com Valor

Na já famosa entrevista ao semanário português Expresso, João Lourenço, quando lhe perguntaram se pretendia aumentar a participação da Sonangol na Galp – a maior empresa portuguesa que opera na área dos petróleos – através da compra da posição que Isabel dos Santos tem na mesma empresa, respondeu que não.

A resposta do presidente João Lourenço tem sido genericamente interpretada como significando que é intenção de Angola desfazer-se de todas as acções na Galp.

Na verdade, de modo claro, o chefe de Estado angolano apenas disse que não via possibilidades de adquirir a posição de Isabel dos Santos, não sendo manifesta a sua intenção de vender a posição da Sonangol na Galp.

Qualquer que seja a intenção real do Estado angolano em relação à participação da Sonangol na Galp, este não é o momento ideal para proceder a essa venda.

Primeiro, por razões financeiras, depois, e fundamentalmente, por motivos jurídicos. Como veremos, a posição da Sonangol na Galp é demasiado complexa, do ponto de vista jurídico, para permitir que se obtenha o seu real valor no mercado.

Analisemos brevemente a vertente financeira, para depois nos determos nas questões jurídicas.

A cotação das acções da Galp, actualmente, está nos €14,80. É praticamente o valor mais baixo no último ano. Em 21 de Novembro de 2017 estava a €15,90, em 24 de Janeiro de 2018 tinha subido para €16,43. No Verão de 2018, o valor de cada acção situava-se em €17,73.

A cotação dos últimos meses tem vindo a cair abruptamente, mas não há razões fundamentais para pensar que se trata de uma queda estrutural, devendo resultar de aspectos conjunturais.

Consequentemente, face ao valor atingido no último ano, parece, neste momento, um mau negócio vender acções da Galp.

Se em termos financeiros é muito duvidoso que esta seja a altura ideal para vender, quando o preço dos títulos está em queda, a verdade é que a construção jurídica da participação da Sonangol na Galp a ensanduicha e lhe retira valor.

Vejamos, e já escrevemos isto anteriormente nestas páginas:

A Sonangol não é proprietária de quaisquer acções da Galp. Não possui qualquer participação directa no capital social da Galp. O que a Sonangol tem é uma situação minoritária numa sociedade minoritária que por sua vez é accionista da Galp, acrescendo que essa posição minoritária é partilhada com Isabel dos Santos.

Explicitando melhor: o accionista mais importante da Galp é uma empresa holandesa denominada Amorim Energia BV, que possui 33,34% da Galp. É uma participação relevante, mas não chega a 50%, logo, não representa a maioria absoluta.

Contudo, quem detém 55% desta empresa é a família portuguesa Amorim (a mais rica de Portugal). Existe uma sócia que possui os outros 45% da Amorim. Essa sócia é a Esperaza. E é nesta Esperaza que a Sonangol tem 60%, enquanto Isabel dos Santos tem 40%.

Em rigor, a família Amorim pode decidir o que quiser sobre a Amorim Energia, uma vez que a posição da Sonangol é minoritária. Desconhecemos se existem acordos parassociais entre os Amorins e a Sonangol ou entre a Sonangol e Isabel dos Santos. Mesmo existindo, esses acordos muitas vezes são de difícil aplicação legal e os tribunais estão condicionados na sua execução.

Assim, o que a Sonangol está a vender é uma quota minoritária numa sociedade que participa na Galp. Não está a vender acções da Galp com efeito directo na empresa. Obviamente, ter uma quota numa sociedade que participa noutra vale muito menos do que ter efectivamente acções da Galp. É como a diferença entre ir a uma festa com um vestido emprestado ou ter um vestido novo para ir à festa. A realidade é que a Sonangol não tem um vestido novo para ir à festa da Galp.

A isto acresce que a Sonangol tem como parceira Isabel dos Santos… Não vale a pena explicar que a Sonangol e Isabel dos Santos estão de “costas voltadas” e que qualquer comprador da posição da Sonangol teria de lidar com a filha do ex-presidente.

É público e notório que Isabel dos Santos é uma sócia difícil e conflituante. Basta lembrar o caso da implantação da Sonae em Angola ou a litigância em curso com a sucessora da Portugal Telecom a propósito do não pagamento de dividendos da Unitel.

Consequentemente, um comprador actual da posição da Sonangol não tem participação directa na Galp, está sujeito à família Amorim e tem de lidar com Isabel dos Santos. É difícil que, nesta situação, a Sonangol obtenha o valor justo e adequado pela sua participação.

Muito provavelmente, será necessário “libertar” a posição jurídica da Sonangol. Essa “libertação” passaria pela cisão jurídica da sociedade Amorim Energia. Isto é, dividia-se a sociedade e cada um ficava com a sua parte directamente na Galp. Ao mesmo tempo, será necessário resolver o problema da participação de Isabel dos Santos. Defendemos há muito tempo que a participação de Isabel na Galp foi obtida de forma aparentemente ilegal, devendo o Estado angolano reivindicar essa posição para si. Portanto, neste caso competiria ao Estado accionar os mecanismos legais para obter essa posição.

Em resumo: para valorizar a posição da Sonangol na Galp há que tomar medidas jurídicas que passam pela cisão da Amorim Energia e pela reivindicação da posição de Isabel dos Santos. Sem estas medidas, a posição será sempre desvalorizada.

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