Nota sobre os Prazos da Prisão Preventiva de Zenú

Está a ser lançada uma certa confusão, propositada ou não, sobre os prazos da prisão preventiva de José Filomeno dos Santos (Zenú). Por um lado, há quem diga que o filho do antigo presidente já devia ter sido libertado, de acordo com a legislação em vigor. Por outro, há quem insinue cambalachos variados para tirar Zenú da prisão.

E, aparentemente, para confundir tudo, o Tribunal Supremo decretou a continuação da prisão de Zenú por 25 dias renováveis, um número que, como veremos, não faz qualquer sentido. Aliás, nem se percebe em que contexto ocorreu a intervenção do Tribunal Supremo.

Tentemos recapitular os factos fundamentais.

José Filomeno dos Santos viu a sua prisão preventiva ser decretada a 24 de Setembro de 2018. Ao seu processo, aplica-se a Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, Lei n.º 25/15 de 18 de Setembro.

Este normativo é muito claro na definição das regras temporais aplicáveis à prisão preventiva, estabelecendo, no seu artigo 40.º n.º 1 a), que esta pode durar quatro meses, até ser deduzida a acusação.

Portanto, Zenú pode estar preso sem acusação até ao dia 24 de Janeiro de 2019, o que significa que de modo algum esgotou neste momento (Novembro de 2018) o prazo legal da prisão preventiva.

Tomando o dia 24 de Novembro de 2018 como referência, Filomeno dos Santos ainda pode estar preso legalmente mais 60 dias. Daí que não se compreenda a agitação agora criada, nem a decisão do Tribunal Supremo de prolongar a prisão por 25 dias renováveis. Porquê, se Zenú poderia estar preso um total de 120 dias? E, a partir deste momento, pode estar 60 dias adicionais.

Acresce a isto que, se o processo for de especial complexidade e se se estiver perante um crime punível com mais de oito anos de prisão, o prazo de quatro meses pode ser prorrogado para seis meses por despacho fundamentado do Ministério Público (cfr. artigo 40.º, n.º 2 e 3 da lei já citada).

Assim, em rigor, o filho de José Eduardo dos Santos pode estar preso preventivamente, sem acusação deduzida, durante seis meses, isto é, até 24 de Março de 2019.

Estes são os factos normativos que resultam da lei, e que dão origem a perplexidade perante toda a agitação agora criada, bem como perante a decisão do Tribunal Supremo de fixar um prazo de 25 dias, decisão para a qual não encontramos especial fundamento legal.

É possível que a resposta a esta perplexidade se encontre no artigo 39.º a) da Lei das Medidas Cautelares. Mas, como demonstraremos, esta norma é relativamente irrelevante.

Segundo este imperativo legal, os pressupostos da aplicação da prisão preventiva devem ser reexaminados a cada dois meses. Por esta razão, a 24 de Novembro de 2018, o Ministério Público (MP) deveria ter elaborado um despacho a declarar se considerava que se mantinham ou não as razões que levaram à prisão de Zenú.

Uma vez que ainda não há acusação e que ainda não se chegou à fase judicial do processo, era o MP, e não o Tribunal Supremo, quem se deveria ter pronunciado.

Contudo, o facto de o MP não se pronunciar de dois em dois meses não implica a libertação imediata de Zenú. É apenas, nos termos do artigo 39.º, n.º 1 da Lei das Medidas Cautelares, uma irregularidade. A lei, ao qualificar a ausência de reapreciação de prisão preventiva como uma irregularidade processual, está a considerar que se trata de uma violação das regras com relevância mínima, não afectando o desenvolvimento do processo. Por consequência, o acto processual irregular não invalida nenhuma decisão fundamental.

Revendo o que foi dito:

A lei angolana permite que José Filomeno dos Santos se mantenha preso até 24 de Janeiro de 2019 ou – se o MP assim o declarar de forma fundamentada – até 24 de Março de 2019.

A lei também exige que a cada dois meses, o MP avalie se se mantêm os motivos para manter Zenú na cadeia. Se porventura o MP se “esquecer” de proceder a tal reapreciação, tal não implica a libertação de Zenú, uma vez que se trata de uma mera irregularidade. Obviamente que, de um ponto de vista teórico, não concordamos com esta formulação legal. Mas, enquanto a lei estiver assim redigida, é deste modo que deve ser aplicada.

Neste momento, é perfeitamente normal, face à legislação em vigor, que Zenú esteja preso. O que não se compreende é o despacho do Tribunal Supremo a “prolongar” 25 dias a prisão preventiva. Isto não é um jogo de futebol. Não há prolongamentos. O prazo regulamentar nem sequer terminou.

Há aqui uma confusão judicial entre os poderes do MP e dos juízes, num caso em que não existe sequer acusação, a não ser que a decisão do Supremo seja o resultado de um recurso referente à prisão preventiva decretada em 24 de Setembro. Mas isso apenas o jovem e brilhante advogado de Zenú, Benja Satula, poderá esclarecer, se puder.

Está a ser criada uma trapalhada, pelo menos noticiosa, que não reflecte qualquer disposição legal acerca dos prazos de prisão preventiva de Zenú e da intervenção do Tribunal Supremo.

Convinha que, a bem da justiça e da transparência, o MP emitisse um comunicado a explicar o que se passa.

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