Massano e a Interminável Obra de Reabilitação do BNA
Os esquemas de corrupção no Banco Nacional de Angola continuarão a ser desvendados por este portal, pelo menos enquanto o seu governador continuar a pronunciar-se publicamente em defesa da sua probidade. Desta vez, o Maka Angola traz a lume o contrato de reabilitação da sede do BNA, a cargo da sucursal angolana da empresa portuguesa Somague. Orçamentado em 10,8 milhões de dólares (ao câmbio do dia) em 2013, o contrato tem sofrido várias adendas, com custos adicionais que ultrapassam os 22 milhões de dólares. As obras continuam até hoje, com adendas atrás de adendas. O grande responsável é José de Lima Massano, que lançou este esquema aquando da sua primeira passagem pelo banco, entre 2010 e 2015, e que agora regressou.
A entrevista de Massano
Mas, antes, analisemos a recente entrevista de Massano à administradora da Rádio Nacional de Angola (RNA), Paula Simons. Seguindo uma inefável tradição jornalística já demonstrada em recente peça com Isabel dos Santos, a entrevistadora limitou-se a fazer o papel de papagaio repetidor sem asas, não colocando uma única pergunta incisiva a Massano. Nessa medida, Massano também nada adiantou.
O primeiro tema, e o que mais interessa aqui, foi o incontornável escândalo da construção milionária do Museu da Moeda, denunciado pelo Maka Angola.
Havia uma pergunta que se impunha: qual a razão para o custo inicial da obra ser de dez milhões de dólares e o custo final ter sido superior a 60 milhões de dólares, ou seja, seis vezes mais? O custo total do museu, incluindo o seu apetrechamento, ascendeu a 81 milhões de dólares. Contudo, na entrevista, nem a pergunta foi colocada, nem Massano respondeu. Sobre este tema, o governador do Banco referiu que agora muitas crianças visitam o Museu da Moeda. Que alegria! Mas este não é o ponto em discussão. Acerca da derrapagem orçamental, Massano aludiu vagamente aos lençóis freáticos. Ora, é evidente que, num terreno perto do mar, a existência de água no subsolo teria de ser prevista à partida, e não terá sido essa a razão para que os custos de uma obra aumentassem seis vezes. Finalmente, com complacência descuidada, Massano mencionou a existência de uma comissão de avaliação que teria escolhido os empreiteiros. Mas não entrou em detalhes, nem explicou em concreto a situação. Tudo vago, acabando por escudar-se no argumento de que este tema constitui um ataque em curso a si próprio pelas medidas que tomou. Eis a habitual desculpa dos perdedores.
Sobre a reabilitação do edifício sede, Massano afirmou, durante a entrevista, que, à semelhança dos outros governadores que cuidaram bem do edifício, também ele o fez, com “pequenos ajustes”. Não referiu o custo exorbitante destes “pequenos ajustes”, que continuam a decorrer no momento presente.
Em relação à obra de reabilitação do Banco Nacional de Angola, o seu governador ainda tem muito para explicar.
O contrato com a Somague
Primeiro, o contrato assinado entre o BNA e a Somague, a 25 de Janeiro de 2013, impõe uma cláusula de confidencialidade sobre o conteúdo do próprio contrato e a execução das obras. Tratando-se de dinheiro público, por que carga de água o valor e os dados sobre a reabilitação da sede do BNA têm de ser secretos?
Segundo, o contrato não prevê um prazo para a conclusão da obra. Refere-se apenas que “a obra só se considerará concluída quando a fiscalização a aceitar provisoriamente, reportando-se os efeitos dessa aceitação à data em que o empreiteiro terminar definitivamente os seus trabalhos”.
Terceiro, a 13 de Janeiro de 2015, José de Lima Massano autorizou o dispêndio de mais 11,2 milhões de dólares para “empreitadas complementares do projecto de restauro da sede do BNA”, segundo o memorando n.º 01/ACS/15.
Desde então, a miríade de adendas a este contrato passou a ser designada, jocosamente, como “tomar café”, no Departamento de Património e Serviços (DPS), responsável pela supervisão da obra. Duas figuras acessórias são extraordinárias na justificação dessas adendas: o então administrador do BNA, Costa e Silva, e a então directora do DPS, Madalena Disso. Na sua entrevista, Massano descreveu-se a si próprio como uma pessoa rigorosa. Com esse rigor, o governador atribuiu a supervisão das obras de construção e reabilitação do BNA à engenheira informática Madalena Disso.
Para que os leitores fiquem com uma perspectiva geral da cadeia de acontecimentos, descrevem-se aqui os valores (equivalentes em dólares) e os justificativos de apenas doze das inúmeras adendas ao primeiro contrato que continuam a ser emitidas até à data presente.
Um ano após a assinatura do contrato, a 6 de Janeiro de 2014, José de Lima Massano autorizou uma adenda ao contrato com a Somague no valor de 180 mil dólares, destinada a “paredes de gesso e tectos suspensos”.
A de 10 de Março de 2014, a dupla Costa e Silva / Madalena Disso justificou uma adenda de 72 mil dólares para a “execução de gradeamentos e divisórias” que tinham sido “esquecidos” no contrato de reabilitação do BNA.
No dia 5 de Janeiro de 2015, a mesma dupla deu seguimento a uma adenda de 31 mil dólares para “o desmonte de porta e aro em áreas degradadas” e “fornecimento e assentamento de alvenarias”.
A 28 de Maio de 2015, com a justificação de se executar trabalhos nas redes de água e esgotos, a dupla aprova nova adenda, num valor superior a 41 mil dólares. No mesmo dia, a dupla lembrou-se de que a casa de banho dos seguranças não tinha sido contemplada no contrato de reabilitação, e fez uma adenda de quatro mil dólares.
A 15 de Junho de 2015, a “aplicação de vinílico em gabinetes” mereceu uma adenda de cerca de 26 mil dólares.
Já a 21 de Setembro de 2015, aprovou-se mais uma adenda de cerca de 9,350 dólares, para “divisória em gesso cartonado”.
Na semana seguinte, a 29 de Setembro de 2015, a dupla requereu outra adenda de 16 mil dólares, destinada à “lacagem de portas de duas folhas em madeira maciça”.
Lá estava a dupla no dia seguinte, 30 de Setembro de 2015, a fazer aprovar mais 25 mil dólares, como adenda para o fornecimento de “aplicação de vinílico”. No mesmo dia, a dupla Costa e Silva / Madalena Disso, sob autorização superior de José de Lima Massano, emitiu uma segunda adenda de quatro mil dólares para “demolições e trabalhos preparatórios”.
Nem sequer tinha passado uma semana, e a 5 de Outubro de 2015 a dupla articulava a aprovação da adenda de 20 mil dólares para “tectos falsos, alterações no piso 1”.
Uma semana depois, a 13 de Outubro de 2015, Costa e Silva / Madalena Disso, já viciados em “tomar café” com as adendas da Somague, aprovaram nova adenda, no valor de nove mil dólares, para “lacagem de portas de duas folhas”.
Estas adendas, que totalizam mais de 478 mil dólares, são uma pequena amostra da forma desbragada como se “toma café” no BNA. Ou seja, o esquema é fazer-se inúmeras adendas de pequenos valores que, com o tempo, se transformam em muitos milhões de dólares subtraídos do erário público. A isso se chama também o roubo de galinha, que grão a grão enche o papo. Neste aspecto, são também coniventes os ex-governadores José Pedro de Morais e Valter Filipe, que, entre 2015 e 2017, continuaram a assinar as adendas da Somague.
Como se não bastasse, desde a assinatura do contrato de reabilitação do BNA, José de Lima Massano procedeu ao aluguer de cinco propriedades nos arredores da sua sede, destinados a albergar alguns departamentos, incluindo dois pisos no Edifício Fénix. As rendas, desde 2013, estão avaliadas em cerca de 300 mil dólares mensais. Trata-se de um custo anual equivalente a três milhões e 600 mil dólares, totalizando quase 18 milhões de dólares até à data. Uma das residências alugadas pertence ao anterior governador do BNA, Amadeu Maurício, e aí foi instalada a direcção de comunicação e imagem. Quanto mais lentas forem as obras, mais os senhorios ganham, e mais o erário público é depauperado.
Para já, como também garantem as fontes junto do Departamento de Património e Serviços, a Somague está praticamente alojada no BNA, como se lá fosse a sua sede, a servir e a tomar os cafés da corrupção.
Não haja dúvidas de que estamos perante um esquema de corrupção no BNA montado passo a passo, envolvendo a Somague e a reabilitação da sede da instituição bancária central. A Procuradoria-Geral da República deve investigar, tal como deve ser elaborada uma lista de empresas corruptas, como a Somague, que têm de ser proibidas de realizar novos contratos com o Estado angolano.
Massano, fala mais!