O Discurso e a Prática de João Lourenço

Lemos, vimos e ouvimos o discurso de João Lourenço no encerramento do VI Congresso Extraordinário do MPLA. Com a mesma a ampla liberdade com que o criticamos nestas páginas, temos de dizer agora que gostámos do discurso.

Não que tenha tido uma retórica empolgante. A escrita do discurso era simples e sem entusiasmos. Não que tenha sido proferido com eloquência – a leitura do discurso foi monocórdica e monótona.

Contudo, pela sua simplicidade e autenticidade, o discurso pegou, e criou a convicção de que João Lourenço estava a falar “a sério”. Pelo menos, a dizer o que pensa.

Se vai conseguir implementar as generosas ideias que anunciou é outra questão. João Lourenço continua rodeado por muitos dos corruptos e corruptores, por isso, ficará sempre em dúvida até onde irá a sua determinação na luta contra a corrupção, o nepotismo, a bajulação e a impunidade.

Vamos acreditar que, finalmente, começaremos a ver resultados práticos fruto dos discursos de João Lourenço, o que até agora pouco tem acontecido.

De facto, de entre todos os casos de corrupção, o único que está próximo do julgamento é a famosa “Burla Tailandesa”, que talvez seja tailandesa, mas não é burla.

Os restantes casos parecem estar em “banho-maria”, e ou avançam agora ou o momento esfuma-se e tudo ficará na mesma, mudando apenas os beneficiários da corrupção.

Se nos debruçarmos sobre as várias denúncias publicadas e comprovadas documentalmente por Rafael Marques e os seus colaboradores no Maka Angola desde Janeiro de 2018, concluiremos que não existiu, na prática, qualquer movimento real das autoridades para investigar e punir os factos anunciados.

A 26 de Janeiro de 2018, foi denunciado o papel de vários agentes do SIC na tortura de suspeitos e arguidos de crimes. Não se conheceu qualquer atitude do presidente da República para mandar investigar e acabar com esses abusos, que ainda agora culminaram na morte de uma das pessoas que foram torturadas pelo SIC, João Dala.

Ainda em Janeiro, e depois de várias denúncias anteriores, era contado o famoso caso do desvio dos 500 milhões de dólares por José Filomeno dos Santos (filho de José Eduardo dos Santos), com a conivência do governador do Banco Nacional de Angola, Valter Filipe. Ainda aguardamos a acusação deste caso. Veremos o que sai.

No mesmo mês, contávamos a história dos esquemas de Isabel dos Santos para se beneficiar do comércio de diamantes angolanos. Estes mecanismos foram depois publicamente denunciados pelo especialista David Renous no Parlamento Europeu. Neste caso, como no da tortura, não conhecemos qualquer investigação judicial, nem sequer sem resultados.

No mês de Fevereiro de 2018, Rafael Marques descreveu várias “engenharias financeiras” ilícitas ocorridas no BESA, que envolviam grados advogados angolanos e figuras portuguesas de nomeada. Mais uma vez, nada se passou… Não há notícia de qualquer inquérito criminal (ver aqui e aqui).

No mesmo mês, vários esquemas do presidente do Banco BIC, Fernando Teles, foram explicitados. Não houve notícia de qualquer inquérito, nem pelo procurador-geral da República, nem pelo Banco Nacional de Angola.

Chegamos a Março, e surgem várias reportagens sobre os generais Kopelipa e Dino (ver aqui e aqui), e mais trapalhadas financeiras de Isabel dos Santos, desta vez na Sonangol e na Cruz Vermelha.

Culpados ou inocentes, tudo justificava um inquérito judicial. Mas não, novamente, a PGR faz silêncio e não age.

Em Abril de 2018, ficámos a saber que João Lourenço promove torturadores. Os membros do SIC que torturaram, entre outros, o agora falecido João Dala, foram promovidos na Polícia Nacional. São eles Fernando Receado e Ngola Kina.

No mês de Maio, contávamos as aventuras de dois generais juristas que no exercício de funções públicas ilicitamente iam tendo negócios paralelos: o inefável João Maria de Sousa, antigo procurador-geral da República, e Manuel Costa Aragão, actual presidente do Tribunal Constitucional . Obviamente, a anunciada luta contra a impunidade exigia uma investigação a estas práticas. Contudo, pela enésima vez, nada se passa.

A isto acresce que José Filomeno dos Santos e Jean-Claude Bastos de Morais, acusados publicamente, ainda que não criminalmente, de conspiração para desviar cinco biliões de dólares do tesouro angolano, passeiam-se alegremente em Luanda. Não há melhor sintoma de impunidade.

Durante Junho de 2018, surgiu uma peça sobre as confabulações entre Mário Palhares, do BNI, e o BNA em que, mais uma vez, as finanças de Angola se arriscam a perder milhões de dólares. Porém, nem um suspiro por parte do Banco Nacional de Angola se ouve, como não se ouve qualquer movimento determinado em relação ao Banco Kwanza Invest de Jean-Claude Bastos de Morais, que parece ser uma organização de fachada para retirar dinheiro do tesouro nacional, ou acerca da gestão do FACRA (Fundo Activo de Capital de Risco).

Mais recentemente, nos últimos três meses, denunciámos Archer Mangueira em esquemas de peculato e branqueamento, e o ministro lá está. Revelámos a detenção de camponeses por trabalharem nas suas lavras, vários escândalos na área da Saúde (ver aqui e aqui). Como prémio, a ministra foi promovida ao Bureau Político. Também descrevemos vários esquemas ilícitos na Sonangol.

Em resumo, se bem que algumas pessoas tenham sido constituídas arguidas, a verdade é que a maior parte das denúncias publicadas no Maka Angola não obteve qualquer eco das autoridades, tal como já acontecia no passado, nos tempos de José Eduardo dos Santos. Parece que, para além da retórica, pouco mudou. Ou não é assim?

Dos grandes casos de que se fala, apenas um – a Burla Tailandesa, que na verdade não é grande caso na verdade – avançou.

Os inquéritos criminais que envolvem Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais, Isabel dos Santos, Valter Filipe, Archer Mangueira e os generais do regime, Kopelipa, Dino, ou os torturadores da polícia, ou não existem ou são preguiçosos caracóis que se espreguiçam à sombra dos palmeirais luandinos.

Será que a tomada das necessárias medidas investigativas e judiciais aguardava pelo empossamento de João Lourenço enquanto presidente do MPLA? Será que agora, finalmente, tudo se vai desenrolar?

Em poucos dias saberemos a resposta a estas perguntas e, então sim, ficaremos a conhecer a força real dos discursos de João Lourenço.

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