João Lourenço: o Candidato Único do MPLA

A 8 de Setembro, João Lourenço será consagrado como presidente do MPLA, pondo fim aos 39 anos de mandato de José Eduardo dos Santos. João Lourenço é candidato único do partido que governa o país há cerca de 43 anos.

Este modelo ditatorial do MPLA é uma chamada de atenção sobre os fundamentos do Estado em Angola, há muito capturado pela liderança predadora do MPLA. O governo de um partido sem democracia interna não tem como ser democrático.

Mas sejamos antes de mais positivos, e prestemos a nossa contribuição para a formulação do novo ambiente político que se exige. Com a retirada definitiva de José Eduardo dos Santos da cena política activa, não há mais desculpas quanto à partilha de poder, a famigera dabicefalia, entre o velho ditador e o novo imperador. É o enterro da era eduardiana e o início da transição lourencista.

João Lourenço é um presidente de transição. É o homem que tem a oportunidade de escolher o lugar histórico de devolver o Estado à soberania do povo angolano, reformando-o. O seu objectivo prioritário deve ser nada mais nada menos do que a organização do Estado angolano. Cabe-lhe também o papel de restaurar a dignidade deste mesmo povo, priorizando a defesa dos seus direitos elementares, tão desumanizados pelo anterior presidente do país.

Sem a organização do Estado, qualquer outro plano será sempre baseado nos quatro pontos cardeais que constituem as chaves-mestras do governo do MPLA desde a independência: ditadura, improviso, oportunismo e pilhagem.

O presidente da República e do MPLA, João Lourenço, deve empreender com urgência reformas constitucionais, para que detenha apenas poderes democráticos e seja capaz de governar com o povo e para o povo. Nenhum poder absoluto lhe conferirá inteligência para traçar o rumo do país sozinho. Tem de colocar o povo e o Estado acima do MPLA e da ilusão de que é o senhor absoluto de todos os angolanos.

O fim patético do seu antecessor deve servir-lhe de referência. Há dias, José Eduardo dos Santos foi condecorado como o “arquitecto da paz” por um Movimento Espontâneo Nacional, que tem mais de vinte anos de reputação enquanto agregador de estupidez e bajulação. Antes ser amado pelo bem feito a todo um povo do que temido pelo poder de desgraçar todo um povo.

Para alcançar resultados dignos, João Lourenço tem de abrir-se ao diálogo com todas as forças políticas e sociais, assumindo-se como presidente de todos os angolanos, para que sejam encontradas soluções que estimulem e, a curto prazo, desenvolvam a capacidade humana dos angolanos. Para isto acontecer, tem de contar com o povo e ser próximo deste.

A organização do Estado deve assentar na valorização do cidadão e da cidadania, na separação efectiva dos poderes, no respeito pelo primado da lei, na despartidarização e moralização da administração pública, bem como na valorização da meritocracia. Por consequência, com a reforma do Estado, João Lourenço deve tornar-se num actor regido por leis e não por vontades humanas.

O que há a fazer agora é perceber que o Estado existe para proteger os direitos das pessoas, garantir a sua segurança, liberdade e promover a solidariedade e interacção entre os indivíduos.

João Lourenço deve promover e praticar a distinção entre Estado, Governo e o partido que governa.

Regra geral, Angola é vista como um país atrasado e de atrasados, precisamente porque não tem um Estado organizado cuja função primária seja a protecção dos seus cidadãos e do bem comum.

Este é o ponto essencial. O Estado de José Eduardo dos Santos estava organizado para permitir a pilhagem dos dinheiros que circulavam em torno do petróleo e dos diamantes e demais recursos naturais. Era um Estado que não precisava de povo. O povo era aliás uma maçada que tinha de ser mantida sob controlo. Portanto, o Estado, na era eduardina, era um Estado contra o povo.

Só a reforma do Estado permitirá, por sua vez, que a restruturação da economia nacional seja viável e diversificada a médio e longo prazo, e independente da volatilidade do preço do petróleo, que domina a mono-economia nacional. Com efeito, antes de tudo, a economia tem de ser resgatada das teias de corrupção em que os próprios dirigentes e servidores públicos influentes prosperam, por intermédio dos negócios privados que fazem consigo próprios e do tráfico de influências.

Hoje, o MPLA é sinónimo de corrupção e chantagem. Nas reuniões do seu partido, João Lourenço deve, de forma inequívoca, explicar que o tempo da chantagem chegou ao fim. Ninguém é obrigado a continuar a ser corrupto e mau porque assim se fez o MPLA. Mas o líder tem de dar exemplo, fazendo a sua declaração de rendas, para que outros o possam seguir. Ninguém ficará surpreendido ou desencantado por saber que o presidente é rico e um dos maiores latifundiários do país. Mas todos ficarão sensibilizados com o gesto de transparência. A moralização deve começar do topo, para então chegar à base.

Em segundo lugar, o cidadão comum tem de ter a liberdade e as garantias de isenção e protecção do Estado para ser criativo, inovador e empreendedor na geração de novas ideias e negócios, pequenas e médias empresas que sejam o esteio da diversificação da economia e da geração de postos de trabalho.

Terceiro, é fundamental notar, antes de mais, que só com uma economia funcional será possível gerar empregos a um nível impactante na redução da pobreza, das assimetrias sociais e regionais e do neocolonialismo vigente – imposto pela elite predadora do MPLA.

Além do combate à corrupção, a educação (com ênfase na formação técnico-profissional) e a saúde devem liderar as prioridades.

Sem uma educação de qualidade e um sistema de saúde básico funcional, qualquer plano para o desenvolvimento do país será sempre um fracasso a médio prazo, e Angola continuará condenada a ser uma colónia de oportunistas nacionais e interesses estrangeiros. O povo permanecerá escravo sem trabalho e a levar chicote da polícia enquanto zunga na via pública na busca de pão para a boca dos filhos.

João Lourenço tem de escolher, no silêncio do seu âmago, entre ser presidente de Angola ou ser presidente do MPLA. Independentemente de manter ambos os títulos.

O MPLA só conhecerá a reforma no lugar da oposição. Como partido é incorrigível, a menos que perca a sua essência.

A partir de 8 de Setembro, João Lourenço não tem mais desculpas. Ou age, ou perece.

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