Conselhos Práticos para Presos de Luxo

Caros Zenú e Augusto Tomás,

Imagino a vossa sensação de incredulidade e desespero quando finalmente foram conduzidos aos calabouços. Tenho, no entanto, alguns conselhos úteis para a vossa estadia, os quais poderão ajudar-vos.

Mas antes tenho de explicar porque vos escrevo. Vocês são os principais rostos da elite predadora que pilhou o país, mas agora estão a contas com a justiça, e na cadeia. Vocês foram agora afastados da impunidade que vos permitia os constantes abusos de poder e da liberdade que tinham para espezinhar os vossos próprios concidadãos.

Recentemente, João Lourenço vincou o seu compromisso com o combate à corrupção, “mesmo que os primeiros a tombar sejam altos militantes e altos dirigentes do partido”.

José Filomeno dos Santos “Zenú”: você é filho do ex-presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, e foi o primeiro da família dos Santos a ser apanhado nas malhas anticorrupção de João Lourenço. Para muitos angolanos, este dia, que se transformará num símbolo da justiça, era impensável há um ano atrás.

Augusto Tomás: no princípio do mês, você era membro do Bureau Político do MPLA. Você foi o primeiro, entre os dirigentes do partido, a tombar. Agora está misturado com os doentes na Hospital Prisão de São Paulo.

O meu primeiro conselho é simples. Façam um pedido especial à direcção da cadeia, para que vos seja autorizado reunirem com os vossos “consofredores” (é assim que os presos se tratam entre si) mais enfermos e mais necessitados. Visitem a enfermaria e o refeitório. Tomem nota das dificuldades e ofereçam assistência.

Certamente que vocês têm muito dinheiro escondido, muitas empresas que continuam a facturar. Escrevam às autoridades relevantes a exprimir o vosso interesse em contribuir para a melhoria das condições da Cadeia de São Paulo. Pensem logo também nas cadeias de Viana, Calomboloca e Kakila, onde eventualmente vocês e outros membros da elite do país poderão acabar como condenados. Em Kakila, os detidos bebem água imprópria para consumo humano, suja, acastanhada, retirada directamente do rio. Ofereçam a Kakila equipamento para tratar a água.

Vocês, bem como alguns leitores, devem estar a pensar: “Lá está outra vez este ‘traidor da pátria’, o ‘agente da CIA’, a denegrir a imagem do país, a falar à toa.” Pois bem, eu falo por experiência própria.

Zenú: em 1999, quando o regime do seu pai, José Eduardo dos Santos, ordenou a minha detenção por lhe ter chamado corrupto e ditador – vejam só a ironia –, eu tive sete armas apontadas contra mim, quando abri a porta da minha casa. A vossa experiência, pelo contrário, foi cordial. João Lourenço actuou no respeito dos vossos direitos e da vossa dignidade.

Mas vamos ao que importa. Quando fui transferido para a Cadeia de Viana, percebi que diariamente um grupo de condenados fazia o inventário dos detidos e condenados em cadernos. Era uma tortura diária.

Pedi autorização à direcção da cadeia para que a minha estimada assistente da altura fizesse uma doação de papel químico e resmas de papel já formatado, de modo que o preenchimento dos dados fosse facilitado e o registo da população prisional, mais eficiente. Assim aconteceu. Infelizmente, eu não dispunha de meios para fazer mais.

Foi também nessa altura, tendo testemunhado a desumanidade prevalecente na cadeia e por força das circunstâncias, que me tornei defensor dos direitos humanos. Ouvia os meus “consofredores” a aludirem à “cela dos judeus”. Perguntei o que era. Olharam para mim como se eu fosse de Marte. Dias depois vi a cela, com esqueletos humanos ainda vivos, que mal conseguiam sentar-se entre as pernas uns dos outros, para apoio mútuo. Todos os dias alguém morria.

Transformei a minha fúria em coragem e força de vontade para defender, como prioridade absoluta, a humanização dos meus “consofredores”.

Muitos dizem agora que sou “amigo dos bandidos”, por denunciar vigorosamente os esquadrões da morte do SIC. Augusto Tomás e Zenú: imaginem só se o SIC tivesse enviado o seu famoso executor Pula-Pula para tratar de vocês, como tem acontecido aos supostos delinquentes do Cazenga, Cacuaco e Viana. Vocês roubaram infinitamente muito mais do que o conjunto de todos esses pilha-galinhas que foram fuzilados e de todos os outros que pululam pelo país. Talvez vocês agora compreendam, como novos alunos da escola da vida, a importância da defesa integral dos direitos humanos e do Estado de direito.

Vocês, Zenú e Augusto Tomás, por via da corrupção desenfreada, são também responsáveis pela desumanização, pela desgraça e pela morte de centenas de milhares de cidadãos angolanos. Como tenho escrito, a corrupção também mata.

Certamente estarão a perguntar-se de que modo mata a corrupção, já que nenhum de vocês é o ex-ministro da Saúde, José Van-Dúnem. Este médico sempre soube pilhar o sector da saúde, em tempos de cólera e outras epidemias, com grandes sorrisos públicos. Foi precisamente a sua simpatia que o tornou num dos corruptos mais perigosos e letais do país. Mas também há espaço para ele na Cadeia de São Paulo. Para ele e para muitos mais.

Nenhum acto voluntário da vossa parte diminuirá, é certo, a vossa pena aos olhos da sociedade e da justiça. Mas será sem dúvida uma grande experiência de arrependimento e redenção. Descobrirão, desse modo, a humanidade que há muito vocês perderam nos labirintos da ganância desmedida e da falta de amor ao próximo. Acredito que algum dia a tiveram.

Como vocês são demasiado egoístas, este é um conselho para tornarem mais confortável a vossa estadia nas cadeias.

O meu segundo conselho é simples também: devolvam o dinheiro e os bens roubados ao povo, de forma voluntária e patriótica. Estou aqui para vos defender também, caso os vossos direitos sejam violados na cadeia.

Comentários