Os Saques do MPLA com Uma Multinacional no Porto do Namibe

O Porto do Namibe tem um contrato com a empresa Sociedade Gestora de Terminais (Sogester), desde 2014, para a exploração do seu terminal multiusos, em que lhe cabe apenas 10% das receitas arrecadadas. Com efeito, a direcção do Porto manifesta dificuldades em pagar sequer os salários dos seus funcionários.

A comissão sindical do Porto do Namibe exige que o contrato de concessão com a Sogester seja revisto com urgência.

Mas porque é que a Sogester fica com 90 por cento das receitas do Porto do Namibe, ao ponto de a administração desta empresa pública reconhecer que não tem autoridade para pôr termo à sangria?

A Sogester foi criada em 2005 pela multinacional dinamarquesa AP Moller – Maersk – Terminais BV, com 51 por cento, e a Gestão de Fundos, com os restantes 49 por cento.

A Sogester é considerada uma das empresas mais lucrativas do MPLA, o partido no poder há 42 anos. Para além da gestão exclusiva do Porto do Namibe, gere o Terminal 2 do Porto de Luanda.

A Fundação Sagrada Esperança, do MPLA, criou a Gestão de Fundos S.A, em 1998, em parceria com a Sonangol. A petrolífera estatal é sempre chamada a financiar estas sinecuras a troco de uma posição minoritária. A fundação ficou com 60 por cento das acções, enquanto a Sonangol se quedou pelos 30 por cento, sendo os restantes 10 por cento distribuídos entre figuras do MPLA, nomeadamente o actual assessor presidencial Isaac dos Anjos.

Como parte das manobras predadoras do MPLA e da sua liderança, a Fundação Sagrada Esperança recebeu uma dotação orçamental do Estado no valor de 250 milhões de dólares e, por sua vez, canalizou parte desse montante para a Gestão de Fundos S.A.

Em 2009 denunciámos, no Maka Angola, todo o esquema envolvendo essas duas entidades do MPLA. Para que não haja dúvidas sobre quem é o dono da Gestão de Fundos S.A, basta lembrar o discurso do presidente do MPLA, José Eduardo dos Santos, por ocasião do IV congresso deste partido. Dos Santos aproveitou a “oportunidade para louvar a feliz iniciativa do MPLA ao ter lançado o Fundo de Investimentos Presente e o Fundo de Pensões Futuro”. Estes foram lançados pela Gestão de Fundos S.A.

O presidente do MPLA, na altura também presidente da República, José Eduardo dos Santos, fez questão de honrar a assinatura do acordo, que decorreu no refeitório do Porto do Namibe, com a sua presença.

Transversal e transcendente

Em resposta à comissão sindical do Porto de Namibe, segundo documento oficial em posse do Maka Angola, “a revisão do contrato de concessão é uma questão transversal e transcende o conselho de administração”.

O presidente do conselho de administração do Porto do Namibe, António Samuel, sublinhou, na resposta, que “tem sido um esforço enorme salvaguardar os salários dos trabalhadores e sobreviver com os 10% (dez por cento)”.

Em relação ao pedido de revisão da cesta básica, apresentado pela comissão sindical, no sentido de elevar o seu valor de 22 mil kwanzas para 35 mil kwanzas, António Samuel manifesta-se amarrado à Sogester: “Enquanto se mantiver a percentagem do contrato de concessão em 10% (dez por cento), deve-se manter tal conforme está, até que a situação macroeconómica do país melhore, pois actualmente não convém mexer-se na estrutura de custos fixos.”

O contrato

Este malfadado contrato garante à Sogester o direito exclusivo “de exploração comercial da actividade de movimentação de carga geral e contentores no Terminal Multiusos do Porto do Namibe”, por um período de 20 anos.

Com efeito, a Sogester fica com toda a estrutura do Terminal Multiusos: edifícios, máquinas e guindastes, trabalhadores e património afim, de acordo com a acta de reunião que ocorreu em 26 de Maio de 2014.

Como parte do contrato, a Sogester obrigava-se a realizar vários investimentos de acordo com um plano que proporia. Porém, segundo fonte do Porto, “a Sogester não fez nenhum investimento e todas as melhorias têm sido feitas através de uma doação do governo japonês”.

Conforme o contrato, a Sogester obrigava-se a pagar 390 milhões de kwanzas por vários equipamentos do Porto do Namibe no início das suas operações. Mais uma vez, a referida fonte contrapõe: “Não existe nenhuma documentação que confirme o pagamento de tais equipamentos que pertenciam ao Porto e agora estão com a concessionária [Sogester].”.

Saque ao Estado

Como tem acontecido em vários contratos em que o Estado se engaja com empresas privadas pertencentes aos donos do poder e seus associados estrangeiros, os interesses privados só têm a ganhar.

De acordo com o contrato firmado para a gestão do terminal do Porto do Namibe, o Estado garante à Sogester o equilíbrio financeiro. Isto quer dizer que, se a Sogester tiver prejuízos com a exploração do terminal, pode pedir ao Estado uma compensação em dinheiro, ou outra forma de ajuda.

“A forma como estas cláusulas estão redigidas (vaga e indeterminada) permite uma modificação do contrato bastante alargada se a empresa necessitar de novos fundos ou melhores condições”, explica o analista jurídico Rui Verde.

Actualmente, a Sogester paga apenas 10 por cento das receitas de facturação. Como ilustração, em 2017 a Sogester apresentou receitas no valor de dois biliões e 133 milhões de kwanzas, tendo entregado ao Porto do Namibe a quantia de 213 milhões, equivalente a 10 por cento.

Especialistas em gestão de portos aferem que o padrão internacional de uma Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) é de até 10 por cento. Mais do que isso, é considerado saque. O caso da Sogester é de ultra-pilhagem.

Temos aqui um truque mágico. Aparentemente, a Sogester paga uma renda de 10 por cento ao Estado, quando, na verdade, recebe 90 por cento do Estado, sem que para isso tenha realizado qualquer investimento relevante. O efeito deste negócio é a criação de uma renda atribuída pelo Estado à Sogester.

E agora?

No próximo mês, o presidente da República, João Lourenço, será consagrado como presidente do MPLA, passando a deter poderes imperiais absolutos.

O combate a corrupção estender-se-á às ventosas empresariais do MPLA que sugam o erário público?

É preciso contextualizar. João Lourenço está, e muito bem, a anular vários contratos lesivos aos interesses do Estado. Isabel dos Santos, a filha do seu antecessor, tem sido a principal visada, por ser a predadora com maior visibilidade interna e externa. E os contratos lesivos que beneficiam exclusivamente os cofres do MPLA e dos seus parceiros estrangeiros?

Terá João Lourenço coragem e força na mão para ordenar a revisão imediata deste contrato em que o MPLA, através de uma das suas empresas, rouba descaradamente ao Estado que diz governar desde 1975?

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